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Pedro Cardoso volta a São Paulo com sua residência artística

Morando há quatro anos em Portugal, o intérprete de Agostinho Carrara inicia série de espetáculos e oficinas em SP

Por Leandro Nunes
Atualização:

É inegável que A Grande Família se tornou um clássico da Rede Globo. Nesse ano, a emissora voltou a exibir os episódios mais marcantes das 14 temporadas, alguns com recorde de audiência. Nada disso impediu que uma das filhas do ator Pedro Cardoso fizesse uma estranha sugestão: “Pai, por que você não cria uma conta no Instagram? Pra ficar famoso.”

Ator e diretor Pedro Cardoso, que traz com a segunda edicao de suaresidencia artistica de atores Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Morando há quatro anos em Portugal, o intérprete de Agostinho Carrara desembarca em São Paulo para uma residência artística que inicia nesta quinta, 4, com espetáculos e oficinas no Teatro Morumbi Shopping. Ao todo são sete espetáculos, com O Homem Primitivo abrindo a série, ao lado da mulher, a atriz Graziella Moretto. “Foi um assunto que ela trouxe. A peça é uma busca pela razão do masculino oprimir o feminino. Acredito que isso sempre foi um pilar da sociedade, não um acidente histórico.” No mês de junho, marcado pelos festejos do Orgulho LGBT, o ator não ignora que tais movimentos mobilizem o mundo e sugere um caminho de revisão pessoal. “O que falta ao homem hétero é que ele precisa perder o medo de ser vulnerável. Toda discriminação atrasa a sociedade.” 

A lista de peças também inclui o infantil Nem Sim Nem Não, que cria situações envolvendo um comportamento raro nas redes: a ponderação. “Na história, uma empregada doméstica trabalha em duas casas. Em uma, ela pode fazer tudo, na outra, absolutamente nada. A reação da mulher é muito importante em cena para que as crianças compreendam que existe um espaço entre o sim e o não.”

Essa saga de buscar equilíbrio foi algo que o ator experimentou na convivência virtual entre milhões de arrobas e underlines. Seu livro, PedroCardosoEuMesmo, empresta o título de seu perfil no Instagram e reúne algumas postagens, onde fala de política, do Brasil, e agora da Europa. “Votei pela primeira vez para deputado nessa recente eleição da União Europeia. Imagino que no mundo ideal, um dia, todo mundo deveria votar para tudo.” Ele avalia que a ideia de poder, tema que nunca deixou de ser um debate mundial, passa pela arte de maneira singular. Como uma luz que atravessa um prisma, o fazer artístico dispõe de outras ordens e ele pretende explorar alguns desses conceitos na temporada em São Paulo, com final previsto para outubro. “O teatro sempre será uma resposta democrática, justamente porque é uma arte do convívio. O que vai redimir o País não passa por uma luta político-partidária, mas por uma reorganização cultural.” 

Nos últimos anos, é visível em São Paulo, além da agenda cultural consolidada, como o cinema, o próprio teatro e a música, uma programação que pipoca com saraus, encontros literários, eventos que juntam performance e moda, celebrações coletivas, no centro e na periferia. Para Cardoso, este é um caminho posto. “Nunca foi tão importante como nos dias de hoje, as rodas de samba, as manifestações alegres, rir de charges e comentar piadas. É preciso resgatar o convívio social.”

E essa participação cultural e cívica tem suas recompensas práticas. Durante a residência, o ator e Graziella vão experimentar a arte do improviso em uma oficina. Ele conta que esse tipo de trabalho, destinado a atores e a quem mais se interessar, explica parte do funcionamento do espetáculo Uãnuêi – A Festa (estreia 5 de julho). “Nós construímos toda a peça a partir de um tema oferecido pela plateia.” A montagem, que estreou em 2012, tem longa trajetória. Já fez temporada em Portugal e, em 2014, ganhou formato televisivo na Rede Globo. Em duas partes, ele e Graziella realizam uma série de improvisações com a participação da plateia. “Eu sempre achei que o teatro de hoje em dia, às vezes, se parece com uma palestra do TED, sempre igual e chato. O que queremos aqui é resgatar o espírito festivo que fez o teatro lá no seu surgimento”, diz o ator.

Além da peça original, a dupla fará uma versão inspirada nas relações amorosas via aplicativos, chamada de Uãnuêi – Match e outra que investiga a honestidade inerente nas profissões, intitulada Uãnuêi – Profissões. “O risco é que pode ser bom ou ruim. Mesmo que seja ruim também há um divertimento em perceber que deu errado.”

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No gênero cômico, além de interpretar tipos, o improviso é valioso para qualquer ator. Não basta fazer rir no palco, quando até o riso é espontâneo. Cardoso ressalta que o pensamento rápido não dispensa um mergulho, sem reservas, no ofício. “Desde os primeiros estudos, todo ator é empurrado a conhecer a si. Nós sabemos que o personagem não é o ator, a plateia também sabe. Trata-se de uma realidade que o intérprete experimenta de modo fantasioso. Eu, por exemplo, nunca matei ninguém, mas sei fazer um assassino. Se um artista não conhecer a vida, não consegue conhecer sua profissão. Um ator preconceituoso é um mau ator.” 

A maratona de espetáculos inclui a estreia de À Sombra dos Outros, marcada para o dia 15 de agosto. Tal qual a experiência desenvolvida nas encenações anteriores, o ator usa seus posts e as discussões levantadas em seu feed no Instagram como fonte para esquetes cômicas, além de reviver personagens que já interpretou. Se para o ator, a fama já tinha chegado com A Grande Família, agora Cardoso pode dizer que é duplamente famoso.

'Agostinho é o Macunaíma da TV'

Por 14 temporadas, Pedro Cardoso contou nos dedos o dia em que foi trabalhar chateado. A intensa rotina de gravação de A Grande Família passava despercebida. Enquanto vestia as camisas listradas e calças xadrez, figurino inconfundível, ele pensava em como prosseguir no diálogo com um público tão numeroso. “Ficava pensando, se eu conseguir botar uma piada assim, ou sugerir uma pequena ideia ali, e sempre havia oportunidade.”

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Enquanto posa para as fotos no interior do Teatro Morumbi Shopping, o carioca lembra de uma história. “Um dia, uma moça me parou para falar de seu pai. Ele era muito doente e sempre estava acamado. Quinta-feira era o dia em que ele mais se animava porque passava A Grande Família. Naquela noite, todos os filhos iam para a casa do pai muito animados para assistir juntos. Isso me emociona demais.” 

O personagem é tão querido que Cardoso o coloca em lugar devido. “Um ator dentro do seu país consegue se comunicar com o Brasil inteiro. Que artista pode desejar mais? E agora a Globo está passando tudo de novo. Eles se livram de mim, mas não se livram do Agostinho.”

Quatro anos em Portugal

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Quando se mudou para Portugal, há quatro anos, o ator Pedro Cardoso percebeu que o novo país não oferecia algumas facilidades encontradas por aqui. Para um ator reconhecido pelo trabalho na televisão, não seria estranho afirmar que os serviços domésticos de seu lar eram feitos por pessoas contratadas. Deixar seu país natal, para ele, foi uma revolução em sua vida. “O Brasil é um país tão pobre que sempre tem alguém mais pobre que é pago para limpar a casa.”

Ao chegar em Portugal, o ator ficou surpreso que a tradição de uma família ter empregados domésticos não fazia muito sentido por lá. “É moralmente deselegante. No Brasil, é comum a cena do casal rico caminhando pela Avenida Paulista enquanto a babá empurra o carrinho de bebê.” A solução foi pendurar o pano de prato no ombro e botar a mão na louça suja, arrumar a cama, lavar a roupa. “Percebi que as mulheres sul-americanas recebem instrução desde criança, mas os homens não. Todos os dias, gasto três horas para cuidar da casa. Tudo isso me faz respeitar ainda mais as mulheres.” 

A agenda doméstica também molda a relação com Graziella, sua mulher. “Quando queremos ir ao cinema, eu vou em uma sessão e ela vai em outra, para que alguém fique com as crianças.” Hoje em dia, ele sente sua vida mais segura quando abre a gaveta e conta quantas cuecas estão lá. “O Brasil está sendo governado por pessoas que não sabem quantas cuecas limpas têm na gaveta.”

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