A vez da África nas passarelas

Apesar da pobreza, continente tem recebido incentivos para entrar no mercado da moda, como mostra o livro "Catwalk africano", uma pesquisa visual dessa indústria emergente na região

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Por WHITNEY RICHARDSON
Atualização:
Modelos aguardam em um carro antes do desgile do designer sul africano David Tlale Foto: Per-Anders Pettersson/NYT

Foi um desfile de parar o trânsito. Os maiores nomes da elite da moda se reuniram à meia noite em uma das maiores pontes estaiadas da África do Sul para ver em primeira mão a coleção de outono/2011 de David Tlale. Para comemorar a ocasião, o estilista fechou a ponte Nelson Mandela, ena capital Joanesburgo, transformando a via geralmente congestionada em uma passarela. Noventa e dois modelos, um para cada ano de vida de Nelson Mandela, cruzaram a ponte iluminando o palco. 

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Quem estava sentado na primeira fila era o fotógrafo sueco Per-Anders Pettersson, que passou os últimos cinco anos documentando o vibrante cenário da moda na África sub-saariana. Seu novo livro, "Catwalk africano", é uma pesquisa visual da indústria da moda emergente na África, dando aos espectadores uma perspectiva privilegiada de um espetáculo transcontinental que muitas vezes os olhos não veem. 

O desfile na ponte foi um dos mais de 40 eventos que Pettersson fotografou, viajando para alguns dos 16 países do continente. Pelas imagens, é possível perceber os contraste sutis tanto culturais quanto regionais. Estilista do oeste da África, Deola Sagoe, por exemplo, cria peças contemporâneas feitas de adire, um tecido tingido na Nigéria por mulheres da tribo Yorubá. Já a designer de joias Ami Doshi Shah, do leste da África, homenageia suas raízes quenianas produzindo em larga escala.

A modelo de Uganda Patricia Akello na capa do novo livro de Per-Ander Pettersson Foto: Per-Anders Pettersson/NYT

Vários designers de destaque, inclusive Tlale e Laduma Ngxojolo, que desenha para a grife MaXhosa, têm mostrado seu trabalhos internacionalmente. Mas Pettersson concentrou-se apenas nos que se mantém na África. Nas principais semanas de moda na região - na Nigéria, no Senegal e na África do Sul -, estilistas, modelos e consumidores vêm do continente inteiro. E os designers que nasceram na África que trabalham fora, geralmente retornam para mostrar suas novidades inspiradas nas coleções ocidentais. 

Em seus últimos anos na África, Pettersson, 49, testemunhou um crescimento da moda, que ele atribui ao aumento da classe média nas maiores cidades do continente. ''Algumas das coisas que acontecem com a indústria da moda são também resultado do que tem acontecido nos últimos sete anos na África", afirma o fotógrafo. "A região tem mais dinheiro, mais educação e os africanos estão viajando mais". 

Ngxokolo é, de certa forma, um símbolo dessa evolução. Em 2010, ele criou a MaXhosa, uma linha de malhas, para celebrar a amakrwala - um rito tradicional de passagem da infância para a fase adulta. Segundo Ngxokolo, homens mais jovens completam o processo de iniciação de 4 semanas, depois de abdicar de tudo o que têm e vestir um traje elegante para os primeiros seis meses de sua independência. 

Modelos esperam no backstage daMaxhosa durante a South Africa Men's Wear Week em 2015 Foto: Per-Anders Pettersson/NYT

Tendo passado pelo ritual, Ngxokolo, 29, identificou um gap no mercado, sabendo que milhares de jovens de Xhosa poderiam se vestir com roupas que não representassem de fato a cultura deles. "Quando voltamos, nossos pais trazem roupas boas como presente de despedida", conta o estilista. "A parte estranha é que eles compram roupas de padrão ocidental. Não existe nenhuma marca que produza roupas para a nossa tradição". 

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Suas últimas criações, feitas com tecidos sul africanos, são inspiradas pelos costumes do grupo Xhosa. A linha foi vencedora de um dos prêmios de 2015 da Vogue Italia, após Ngxokolo mostrar sua coleção no Palazzo Morando Show, em Milão. Mesmo bem-sucedido, ele reconhece as dificuldades que os estilistas enfrentam no mercado internacional emergente, incluindo o desafio de responder às demandas enquanto são obrigados a conviver com o atraso diariamente em seus países. 

Pettersson engrossa esse sentimento, notando que muitos estilistas africanos não têm recursos ou formação para criar nem produzir suas coleções em larga escala. "Muitos designers mais jovens estão tentando ser o próximo Valentino", afirma o fotógrafo. "Mas se você olhar de perto por as roupas, elas nunca vestem bem. O consumidor africano está ficando mais sofisticado e é difícil atender as expectativas com estilistas sem apoio." 

Muitas iniciativas tem tentado minimizar esse problema, sobretudo a African Fashion International (AFI), uma dos eventos de moda mais conceituados do continente e que mantém também as semanas de moda Mercedez Benz em Joanesburgo e Cidade do Cabo. Bryan Ramkilawan, chefe da organização do AFI, afirma que nos próximos cinco anos a organização terá um "negócio de primeira", tanto na abordagem quanto no programa de formação de novos estilistas. "Nós estamos fazendo o que podemos para ter um crescimento sustentável", diz.

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Assim como os estilistas africanos, muitas modelos também procuram visibilidade internacional, esperando que sejam a próxima Alek Wek - top model de Sudão do Sul que foi descoberta em Londres depois de fugir da guerra civil de seu país. A capa do livro de Pettersson é um retrato de uma modelo de 23 anos de Unganda, Patricia Akello, vestindo um colar de tecido de cera, forrado com pequenos grânulos amarelos da grife Halisi. 

Akello mudou-se para a Afríca do Sul há dois anos para apostar na carreira. Ela desfilou na Mercedes Benz e na Semana de Moda de Berlin em 2015 e 2016. Diz que tem sido capaz de se sustentar como modelo e conta que está se mudando para Nova York. "Um dia eu vou ser ícone nesse negócio!" Que ninguém duvide da força da África também na moda.