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'Foi como se arrancassem minhas entranhas', diz executiva sobre demissão da Chanel

Maureen Chiquet, ex- CEO da grife francesa, lança livro autobiográfico e de autoajuda profissional 

Por Vanessa Friedman
Atualização:
Maureen Chiquet foi executiva da Chanel Foto: Nathan Bajar/ The New York Times

Nova York - No andar térreo da espaçosa casa de Maureen Chiquet - passando a estátua de bronze de Kiki Smith que retrata um homem nu saindo da parede, a escultura no saguão e a sala de jantar, decorada com um candelabro casual de cristal comprado em uma feira de antiguidades em Paris - há um conservatório que foi transformado em sala de meditação, banhado em luz natural, com algumas almofadas espalhadas pelo chão e uma cabeça de Buda sobre uma mesinha baixa.

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No andar de cima, subindo a escada curva, ao lado da suíte principal, escondido em um quarto de vestir decorado com retratos da pintora Alice Neal e alguns esboços de Coco Chanel feitos por Karl Lagerfeld, há um closet com um sem-fim de pares de jeans de vários tons de desbotado, pendurados ordeiramente sob os cabides que acomodam camisas e casacos e que, durante quase uma década, só vira peças da Chanel.

Porém, em janeiro de 2016, em meio aos desfiles de alta costura em Paris, Maureen, na época CEO da marca há tempos, foi despedida abruptamente. Não só o fato de ser uma das pouquíssimas mulheres no comando de uma grife de luxo, como da mais misteriosa e reverenciada das marcas francesas fizeram de sua queda um espetáculo público; a consequência foi que seu armário, assim como sua vida, passou por uma transformação para lá de dramática.

"Em três anos, acabei um casamento de 26 anos, comecei um relacionamento com Tess e perdi o emprego", conta ela, os pés escondidos sobre o corpo em um sofá macio de sua 'sala de arte', em tons terrosos, com uma lareira enorme e, como destaque, duas pinturas, uma de Yayoi Kusama em a outra de George Condo. (Tess é a consultora de liderança Tess Beasley.)

Maureen, 54 anos, estava usando uma camisa com estampa de pena de pavão e jeans, o cabelo, no estilo joãozinho que já é sua marca registrada. "Foi como se arrancassem minhas entranhas. Eu me senti totalmente exposta. Não tinha jeito de não surgir a questão de quem eu era", confessa.

E ela está prestes a oferecer a resposta: seu livro, Beyond the Label, uma obra que combina o estilo livro de memórias com um tomo de autoajuda profissional (o subtítulo é Women, Leadership and Success on Our Own Terms (Mulheres, liderança e sucessos nos nossos termos)). A turnê de palestras virá a seguir e, se tudo der certo, servirá de portal para uma nova vida, que envolve não só uma nova parceira e novas roupas, mas também uma nova rotina de exercícios, provavelmente uma casa nova e um novo plano de carreira.

O que pode transformar Maureen em um misto de Sheryl Sandberg e Elizabeth Gilbert, uma guru de empoderamento/coaching de vida concentrada nas vantagens da definição de seu sistema profissional e emocional próprio.

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Desde que Lean In tornou Sheryl Sandberg famosa e levou a boatos de uma promoção importante, esse tipo de reinvenção se tornou a febre do momento; veja, por exemplo, Dare, de Becky Blalock, ex-CIO da Southern Co., ou #GirlBoss de Sophia Amoruso, ex-CEO do site NastyGirl.com.

Mas mesmo em um campo cada vez mais concorrido, Maureen se destaca, uma por causa dos anos que passou à frente de uma marca conhecida mundialmente, com milhares de funcionários; outra, por causa dos US$5,2 bilhões em vendas - segundo a Forbes - além de seu desejo de usar a própria experiências como um momento de aprendizado.

"Li O Ano do Pensamento Mágico, de Joan Didion, e me identifiquei muito. Estava passando meu próprio período de luto, se bem que obviamente muito diferente, tanto pela separação do meu marido como da Chanel, mas foi algo que me fez perceber o imenso vazio que há para ser preenchido por histórias reais - como a ocasião, bem no comecinho da minha carreira, quando ouvi que a apresentação não importa porque a atenção não estaria no meu discurso mesmo, ou quando chorei de soluçar no banheiro de um restaurante depois que minha filha mais velha gritou comigo, me acusando de nunca, jamais estar por perto para apoiá-la."

"Eu jamais teria achado que ela se exporia dessa forma. Trabalhei com ela durante vários anos e a conheci muito bem profissionalmente, mas não em termos pessoais. Sempre foi extremamente discreta", revela Millard Drexler, mais conhecida como Mickey, CEO do J. Crew Group, que contratou Maureen para ser assistente de marketing da divisão de acessórios da Gap, em 1988.

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Maureen, que foi criada em St. Louis, era "dolorosamente tímida" na infância e acabou conseguindo fugir, primeiro para Yale e depois para Paris. Passou quinze anos na Gap, até que se tornou presidente da Banana Republic, depois de começar a carreira como trainee de gerente de produto da L'Oreal. "Ela era muito intensa e muito inteligente", acrescenta Millard.

Casou-se aos 25 anos com um colega, Antoine Chiquet, e teve duas filhas, Pauline e Mimi, hoje com 24 e 21 anos, respectivamente. Conforme sua carreira foi decolando, Antoine resolveu assumir a posição de coadjuvante e de dono de casa. Foi recrutada pela Chanel em 2002 e embora houvesse vários rumores da tensão com Karl Lagerfeld, ela permanecia praticamente o tempo todo escondida nos bastidores da empresa famosa pela discrição, ao passo que o rosto da marca era o do estilista.

"Passei praticamente toda a minha carreira operando nos moldes masculinos, me matando para ser tão boa quanto o cara ao meu lado. Você é treinada para agir assim e como a carreira ocupa um espaço tão grande na sua vida, isso acaba sobrando para a vida pessoal também", conta.

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De fato, foi um exercício corporativo sobre "liderança ativa e consciente" que Maureen introduziu na Chanel que a fez, pela primeira vez, reavaliar suas próprias escolhas e seu sistema de valores (e foi quando conheceu Tess Beasley, que atuou como consultora do projeto). "Eu não chorei durante muitos anos porque você não pode chorar no trabalho. É sinal de fraqueza. Mas quando Antoine e eu nos separamos, acho que fiquei acabada durante uns três meses. Hoje choro muito mais. É como se as comportas das emoções tivessem se escancarado."

Depois de ser despedida pelo que publicamente se definiu como "diferença estratégica", ela se recolheu a Purchase, no condado de Westchester, a norte de Nova York, recusando ofertas de headhunters e firmas de capital privado. "Nunca tinha ficado mais de três meses em um único lugar desde os 25 anos de idade. Foi terapêutico simplesmente permanecer ali." De dez aparelhos eletrônicos, passou para dois.

Hoje em dia, Maureen praticamente só usa o pronome "nós", para se referir a si mesma e Tess Beasley; raramente usa o pronome "eu". Quando lhe pergunto como é seu dia típico, diz: "Nós geralmente malhamos...", "Chegamos ao escritório..." ou "Andamos ocupadas organizando..."

A companheira, aliás, foi presença protetora durante toda esta entrevista; as mesas de trabalho de ambas ficam de frente uma para a outra no escritório de casa (embora estejam planejando se mudar para uma menor). Ajudou com o livro de Maureen, trabalha em seus discursos e se dá superbem com as filhas da companheira.

"Eu me sinto livre e aterrorizada ao mesmo tempo", comenta sobre o fato de se livrar de sua identidade e título corporativos. "Comecei a montar meu perfil no LinkedIn e pensei: 'Como é que me refiro a mim mesma? Escritora? Palestrante? Consultora?'." Escolheu os dois primeiros, mas, ainda assim se preocupa. "Será que tenho um prazo de validade? E se não der certo?".

Faz uma pausa e acrescenta: "Não quero ficar me segurando; não quero escrever Os Dez Segredos para o Sucesso. Estou muito mais interessada em histórias cruas", revela.

"Muitas mulheres se apresentam como verdadeiros modelos de perfeição, mas aí em casa a coisa desaba. Não é fácil. É preciso comprometimento. Nem sei dizer quanto tempo passei chorando em aviões ou sozinha em quartos de hotel, mas você precisa encarar como coisa normal, que acontece e que não é errado."

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