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Quem são as mulheres que preferem usar roupas de homens

Durante a temporada de desfiles em Nova York, o New York Times acompanhou duas blogueiras que só vestem looks masculinos. Entenda o que elas pensam sobre as barreiras nos guarda-roupas

Por Valeriya Safronova
Atualização:
Danielle Cooper, à esquerda, é uma ex-jogadora de basquete e Sara Geffrard é ex-dançarina. Foto: George Etheredge/The New York Times

Duas blogueiras estavam lado a lado no desfile da marca Stampd no segundo dia da Semana de Moda Masculina de Nova York, que terminou no dia 14 de julho. Cada uma usava um terno feito sob medida e tênis tão brancos que pareciam nunca ter pisado na rua.

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Uma delas era Danielle Cooper, 31, californiana ex-jogadora de basquete profissional, que tem o blog "She's a Gent". A outra, Sara Geffrard, 24, haitiana ex-dançarina e a mulher por trás do site "A Dapper Chick"."Quando eu visto um terno, sinto que posso fazer coisas que sem ele não faria", diz Sara. "Sou uma pessoa muito tímida, mas se estou de terno, sinto-me muito confiante. Sinto que posso falar com qualquer pessoa. Com outras roupas, parece que entro nos lugares e me sinto pequena."

Danielle completa: "Estamos em uma era na qual homens e mulheres vestem de tudo. Não importa se você é homo ou heterossexual. Queremos mostrar para as jovens que elas podem vestir o que quiserem." A ideia que elas têm da moda faz muito sentido em um momento no qual o ator e músico Jaden Smith usa saias, o rapper Young Thug declara que gênero não existe, e a coluna de conselhos da Teen Vogue oferece dicas para ajudar a entender sua identidade de gênero.

Em fevereiro, durante a temporada de inverno de moda masculina, Bill Cunningham, fotógrafo do New York Times que morreu no fim de junho, clicou as duas blogueiras. Ele descreveu o estilo delas como “absolutamente soberbo”. Danielle e Sara se conheceram há mais de um ano na abertura de uma loja. "Nós duas éramos tímidas", conta Sara. "Eu a vi e ela me viu, e eventualmente nós conversamos". Elas ficaram próximas ao compartilhar uma experiência ruim que tiveram, quando sofreram bullying de outra blogueira, que se recusam a dar nome, e o amor delas por roupas masculinas.

As blogueiras são conhecidas por só usar looks ditos masculinos. Foto: George Etheredge/The New York Times

Ambas, que frequentaram mais de uma dúzia de desfiles só na mais recente temporada de moda masculina de Nova York, falam muito sobre empoderar seu gênero e representar lésbicas, homens gays, bissexuais e transgêneros. As duas se uniram à Nike para a campanha #BeTrue, que levantou fundos para uma organização que trabalha para acabar com a discriminação no esporte. Sara fundou o "Dapper Chicks of New York", que busca chamar a atenção para causas como bullying e igualdade de gêneros, e Danielle trabalhou com a Campanha pelos Direitos Humanos. 

Danielle e Sara são esportistas e, quando eram mais jovens, optavam por vestir roupas masculinas casuais que transitavam facilmente entre as quadras, o estúdio de dança e a casa. Por que a mudança para peças mais formais? "Eu usava muita roupa com uma pegada urbana, e o resultado às vezes eram looks que eu não gostava", afirma Sara. "Entrava em uma loja e sempre alguém me seguia com desconfiança. Quando comecei a me vestir como agora, isso não acontece mais."

Embora existam muitos exemplos históricos e fictícios de mulheres que usam roupas masculinas, eles são frequentemente caracterizados pelo desejo de disfarçar o gênero com algum propósito específico (pense em Mulan, Joana D'Arc ou Amanda Bynes no filme "Ela é o Cara"). Danielle e Sara não têm nenhum interesse nisso, desejo compreendido pelo alfaiate delas, Shao Yang, da Tailory New York. 

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"Esses ternos na verdade são roupas femininas", diz Sara, acrescentando que Yang sempre se preocupa em dar um toque feminino às peças, por exemplo, ajustando-os um pouco mais na cintura.  "Eu não quero ser um homem", completa Danielle. "Meu desejo é ser uma mulher que veste roupas masculinas, como Olivia, na série 'Scandal', ou Ellen DeGeneres."

Os jornalistas de moda enxergam bem o que elas estão tramando. "A primeira coisa que você pensa ao olhar para Danielle e Sara é, 'isso é chique', e não, 'elas são homens ou mulheres? Negras ou brancas?", diz Wendell Brown, diretor criativo do The Daily Beast. David Yi, repórter de moda do Mashable, acrescenta: "Existe um movimento para separar as roupas não por gênero, mas por cor, tamanho ou modelagem."

No desfile de Carlos Campos, que incluiu modelos mulheres entre os homens, Danielle sorriu. E depois explicou o motivo: "Ele não mudou muito a construção da roupa para fazê-la servir nas mulheres". As duas contam que os homens do meio as acolhem, na maioria das vezes. Elas estimam que quase metade de seus seguidores no Instagram são homens, que frequentemente pedem conselhos. "As mulheres sempre foram associadas à moda e bom gosto, e acho que o fato de sermos mulheres neste meio faz os homens confiarem na gente", acredita Sara.

Mesmo assim, ser uma mulher em um ambiente masculino pode não ser fácil. Antes das luzes apagarem no desfile de Carlos Campos, um convidado criticou em alto e bom som o look de Danielle. Ele chegou mais perto, empurrando outra convidada, e se sentiu no direito de mexer na jaqueta dela para ver a modelagem das calças mais de perto. Sem alterar a expressão, Danielle disse: "Faz parte do trabalho".

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