Uma cena da série Gilmore Girls, que foi exibida pelo canal americano The CW, é famosa por mostrar a mãe Lorelai e a filha Rory Gilmore — cada uma em uma cidade diferente — falando ao telefone enquanto assistem, admiradas, um pequeno robô aspirar a casa sozinho pela primeira vez. O ano? 2005. Isso significa que robôs que fazem o serviço de aspiradores de pó tradicionais não são exatamente uma novidade. Porém, foi no último ano que eles caíram no gosto de muitos brasileiros.
Um dos motivos para a ascensão do robô-aspirador é óbvio: a pandemia fez muita gente ficar em casa — o que forçou cada um a ter de lidar mais com a própria bagunça. Não apenas isso: com o lar virando escola e escritório, a produção de sujeira também cresceu, o que impulsionou ferramentas de auxílio nas tarefas domésticas. Foi assim que Débora Costa Melo, engenheira de produção de 25 anos, decidiu que era hora de comprar seu primeiro "robozinho" aspirador de pó.
“Outras pessoas da minha família já tinham, e sempre falavam da experiência, mas parecia algo distante pra mim, por parecer super tecnológico. Acompanhei no Instagram um teste e quando eu vi um modelo de R$ 500 resolvi comprar. Não conseguia ter tempo para limpar a casa no home office e isso me incomodava”, diz.
Débora não foi a única. Um levantamento da consultoria GfK revelou que o crescimento nas vendas dos aspiradores robôs foi de 375% em 2020 no Brasil — o número saltou de cerca de 37 mil em 2019 para quase 176 mil no ano passado. Ainda, o estudo revelou que as maiores altas foram em aparelhos simples, na faixa entre R$ 401 e R$ 500, e os modelos premium, entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil. Atualmente, existem mais de 30 modelos à venda no mercado.
“Não fosse a pandemia, eles estariam crescendo em ritmo muito menos acelerado. Era uma categoria de nicho. Hoje, você vê o crescimento da faixa mais cara e um crescimento da faixa mais barata. A faixa intermediária encolheu em importância. É como se fossem dois 'Brasis' comprando o produto agora”, explica Fernando Baialuna, diretor da GfK.
O momento, que encorajou a compra por mais usuários, possibilitou que o aparelho se colocasse em uma espécie de fase de transição. Segundo Eduardo Pellanda, professor da PUC-RS, esses dispositivos estão diante de uma grande vitrine.
“Os robôs aspiradores tiveram um precursor, mas hoje já existem diversas marcas. Era uma tecnologia que só uma empresa era proprietária, e já não é mais. Por aqui, as pessoas começaram a se dar conta [da variedade] e foi uma coisa que começou a ter uma necessidade maior durante a pandemia”, diz.
Para quem já adquiriu um exemplar, o uso do dispositivo é um caminho sem volta. Nicolas Oliveira, engenheiro militar, conta que o aparelho foi um divisor de águas na rotina da casa. “Eu conheci o aparelho porque eu estudava robótica na faculdade e, quando comprei uma caixinha conectada, pesquisei por coisas que poderiam se integrar a ela. Também moro sozinho e queria ter menos trabalho para limpar a casa. Hoje, com certeza, se ele quebrar eu compro outro. Não quero ficar sem”.
Como funcionam
O princípio básico para o funcionamento desses robozinhos envolve sensores de aproximação, sensores de toque e algoritmos de varredura. Esses componentes conseguem identificar quando o robô chega perto de alguma barreira — seja ela uma parede ou um móvel — e sinaliza que é preciso mudar de direção. Modelos mais sofisticados possuem, geralmente, um acréscimo justamente na leitura do espaço doméstico: eles também podem identificar materiais de piso, detectar manchas e mapear o ambiente.
Na limpeza, todos os aparelhos possuem um compartimento onde a sujeira aspirada do chão é armazenada — o tamanho varia com os modelos. Um compartimento para colocar água também pode estar presente em alguns dispositivos, com a possibilidade de adicionar também algum produto de limpeza em alguns modelos.
Esses compartimentos, porém, ainda geram críticas. Alguns usuários dizem que o componente poderia ser maior e mais resistente — acreditam também que deveria ser mais fácil encontrar peças de reposição.
A bateria também é um grande diferencial desses bichinhos: alguns modelos não possuem a função de retornar para a sua base de carregamento sozinhos, o que diminui a autonomia do robô na quantidade de horas que pode entregar. Em geral, nos dispositivos mais simples, uma carga pode durar de uma a duas horas, e o carregamento pode passar das quatro horas na tomada. Para a engenheira Alyne Yamabe e a advogada Camila Dutra, que dividem um apartamento em Moema, São Paulo, isso poderia melhorar.
“Eu acho que o tempo de carga ainda é longo, quando comparado ao tempo que ele funciona”, diz. Para os que não voltam sozinhos para a base, tem outra desvantagem. “Se acaba a bateria embaixo da cama, por exemplo, para tirar ele de lá dá trabalho”, afirma Camila.
Com a inteligência artificial (IA), porém, é possível deixar esses dispositivos mais adaptados ao lar. Renato Giacomini, coordenador do curso de Engenharia Elétrica da FEI, afirma que já existem no mercado modelos com tecnologia de visão computacional, onde um sensor Lidar é capaz de escanear o ambiente e construir um mapa da casa. Assim, com a memória, o equipamento trabalha com plena visão dos obstáculos, objetos frágeis e relevos, como um tapete ou um degrau, além de retornar sozinho para a base.
Porém, quanto mais inteligentes os robôs ficam, maior o preço. Modelos como o Cyclone Force, da Samsung, podem custar até R$ 4,5 mil. Um modelo menos sofisticado — mas ainda assim premium —, que retorna sozinho para a base como o da Mi Robot, da Xiaomi, sai por R$ 2,8 mil.
Quedas nos preços
“A gente imagina que é muito fácil para um robô fazer essa limpeza, mas exige inteligência. Cada sensor a mais aumenta o custo”, afirma Giacomini. A boa notícia é que o movimento de popularização pode fazer os preços caírem ainda mais — o custo diminui à medida que componentes eletrônicos, como sensores e processadores, ficam mais acessíveis para as fabricantes.
“O hardware fica cada vez mais barato. IA também é uma coisa que já foi muito cara, mas hoje já não é tanto. Conforme os robôs vão evoluindo não vai fazer sentido não ter um. Vai ser como ter uma batedeira em casa”.
Hoje, por exemplo, já é possível encontrar modelos por menos de mil reais que desempenham muitas das funções de um dispositivo avançado. Mesmo com algumas limitações de compartimentos e bateria, os aparelhos podem dar conta do serviço. O RB-01, da Mondial, por exemplo, sai por R$ 550; o Pas08c, da Philco, pode ser encontrado por R$ 750.
Um robô para chamar de meu
A praticidade e os preços, porém, não são os únicos fatores que motivam as compras desses aparelhos. A robótica tem os seus encantos. É o que mostram Anna Beatriz Lima, 33, e Gustavo Lima, 43. Eles decidiram incluir o robô na lista de presentes de casamento, em 2019. Chamada Rose, a “faz tudo” é um modelo mais sofisticado, e tem sido parte da família, composta também por Gordo, o cachorro da casa.
Mesmo antes da pandemia, Anna já era parte do grupo que se interessava por gadgets domésticos. A integração do robô com as duas caixinhas inteligentes que existem na casa foi um fator ainda mais importante na hora de compor seu pequeno arsenal de casa conectada.
“Robótica doméstica sempre foi um assunto de interesse. Existe a vontade de ter um robô em casa. Não é só a questão da limpeza. As pessoas falam com orgulho, tratam como um pet mesmo. Isso é muito legal”, afirma Giacomini.
“Quando o usuário começa a perceber que existem outras funções interessantes, acaba percebendo que o robô pode ser bastante útil”, afirma Pellanda. Dessa forma, será cada vez mais comum um robô dentro de casa. Até pouco tempo atrás, era um mundo difícil de imaginar até em seriado americano de TV.
*É estagiária, sob supervisão do editor Bruno Romani