A alta no preço de produtos de higiene e limpeza faz com que muitas pessoas recorram a “receitas alternativas” e produzam as próprias formulações em casa. Muitos indivíduos também misturam os produtos que já possuem para criar substâncias mais “fortes”.
As práticas, no entanto, não são recomendadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O contato com misturas indiscriminadas de substâncias pode causar problemas respiratórios, queimaduras químicas e até mesmo levar à morte.
“O risco de fazer misturas de produtos de limpeza é muito elevado. Não tem nada de positivo em realizar essas combinações”, alerta Ubiracir Lima, conselheiro do Conselho Federal de Química (CFQ).

Produtos de limpeza, de acordo com a Anvisa, são substâncias ou formulações usadas para remover sujidades de ambientes, objetos e superfícies. Eles são controlados pela vigilância sanitária e precisam seguir regras específicas, da formulação ao rótulo.
“O primeiro teste que um profissional da química faz quando vai desenvolver a formulação de um detergente ou desinfetante, por exemplo, é para ver a compatibilidade entre as substâncias. Ou seja, ver se elas não vão reagir umas com as outras”, diz Lima.
Depois, passam pelo teste de eficácia para checar se realmente funcionam. “Em seguida, tem o teste de segurança. Ele vai verificar de que forma aplicar as formulações sem que tragam risco à saúde. Assim que os testes são realizados, a Anvisa faz uma análise dos resultados e aprova, ou não, o produto. A fábrica só vai poder vender se tiver sido autorizado”, explica.
“Agora, quando eu pego dois produtos de limpeza em casa e misturo um com outro, ninguém sabe o que vai acontecer. Não sabe se vai funcionar ou se vai gerar um outro componente, uma outra substância química, que será nociva ao meu organismo”, acrescenta Lima.
Misturas podem levar a óbito
Um exemplo de mistura perigosa é a combinação de água sanitária e desinfetantes com amoníaco (NH3). “Você vai gerar um gás muito perigoso, chamado de cloramina (NH2Cl). A inalação pode fazer com que você perca os sentidos. Se ninguém socorrê-lo, você pode chegar a óbito”, alerta o conselheiro.
Segundo o toxicologista Mauricio Yonamine, professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade de São Paulo (USP), os gases resultantes das misturas são danosos à pele e às mucosas, o que gera irritação nos olhos, no nariz, na garganta e no trato respiratório.
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“A mistura de água sanitária com vinagre (que contém ácido acético) ou com ácido muriático (ácido clorídrico) gera o gás cloro, que provoca sensação de queimação em olhos, nariz e garganta, náuseas e vômitos. Já a mistura de água sanitária com etanol gera clorofórmio, que além de causar danos à pele e mucosas, é danoso ao sistema nervoso, fígado e rins”, exemplifica.
“A exposição em longo prazo a esses compostos gerados pela mistura de produtos de limpeza pode provocar o aparecimento de danos no sistema respiratório como edemas pulmonares ou agravar condições respiratórias pré-existentes. O clorofórmio, dependendo dos níveis e duração da exposição, pode provocar câncer hepático”, acrescenta.
De acordo com Yonamine, os gases têm um odor forte, pungente e extremamente irritante. “A primeira medida a ser tomada, em caso de exposição, é a pessoa se afastar do local da formação dos gases e procurar locais arejados. Caso os sintomas de irritação dos olhos, garganta ou problemas respiratórios persistam, o paciente deve procurar imediatamente um atendimento médico de urgência”, recomenda.
Combinações são divulgadas por influenciadores
“Quem orienta as pessoas a fazerem essas misturas?”, questiona o conselheiro. “Não é o profissional da química, nem a fábrica, muito menos a Anvisa. É um influenciador digital. Ele vai dizer: ‘Mistura aqui que vai ficar muito bom, vai potencializar’. Mas, na verdade, você pode estar criando um veneno”.
Com relação ao tema, a Anvisa promove publicações de esclarecimento no site e nas redes sociais. “O combate a esse ‘desserviço’ que às vezes viraliza se dá com informações baseadas em evidências científicas e conhecimento técnico”, frisa.
A agência também realiza parcerias educativas, assim como o CFQ. O conselho e a Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes de Uso Doméstico e de Uso Profissional (Abipla) criaram um jogo de tabuleiro que orienta as pessoas sobre o risco de misturar produtos de limpeza e sobre a importância da utilização de produtos regulares, aqueles que foram aprovados em todos os testes.

Atenção ao rótulo
Os rótulos devem ter desde o modo de uso do produto até alertas de segurança. A Anvisa ressalta que é fundamental que os usuários sigam corretamente as orientações do fabricante.
Caso seja necessário misturar um produto com outro para ter um resultado mais efetivo, a recomendação deve constar no rótulo. Caso contrário, o procedimento não deve ser executado. “Tem, inclusive, alguns produtos que dizem ‘não misture esse produto com aquele outro’ dado a quantidade de acidentes que têm ocorrido por causa de misturas inadvertidas”, pontua Lima.
Em caso de dúvidas ou problemas com produtos tóxicos, o Ministério da Saúde mantém o Disque-Intoxicação. O número é 0800-722-6001. A ligação é gratuita e o usuário é atendido por um dos 36 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Ciats), presentes em 19 estados. O serviço funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, durante todo o ano.