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Criptoativos para iniciantes: o que é a web3?

“The New York Times” preparou uma série didática para quem quer entender sobre o universo cripto, com um capítulo focado na internet descentralizada

Por Kevin Roose, The New York Times
Atualização:
10 min de leitura

Ando escutando este termo – “web3″ – por todos os lados. O que é isso?

Web3 é o nome dado por alguns tecnólogos ao conceito de um novo tipo de serviço de internet construído com blockchains descentralizadas – os sistemas de registros compartilhados usados por criptomoedas como Bitcoin e Ethereum.

O termo existe há anos, mas entrou na moda mais ou menos em 2022. Packy McCormick, investidor que ajudou a popularizar a web3, a definiu como “a internet cujos donos são aqueles que a constroem e os usuários, articulada com tokens”.

Seus defensores têm em mente vários formatos para a web3, incluindo redes sociais descentralizadas, videogames “play-to-earn” que recompensam os jogadores com tokens de criptoativos e plataformas NFT que permitem a compra e venda de fragmentos da cultura digital pelas pessoas. Aqueles mais idealistas dizem que a web3 transformará a internet que conhecemos, tirando o poder de influência dos tomadores de decisão e dando início a uma nova economia digital livre de intermediários.

Os mais idealistas dizem que a web3 transformará a internet que conhecemos Foto: Getty Images

Entretanto, alguns críticos acreditam que a web3 é basicamente uma tentativa de rebranding para os criptoativos, com o objetivo de deixar para trás parte da bagagem cultural e política do setor e convencer as pessoas de que as blockchains são a próxima fase natural da computação. Outros a consideram uma visão distópica de uma internet “pay-to-play”, ou P2P, na qual cada atividade e interação social se torna um instrumento financeiro para ser comprado e vendido.

Por que tantas pessoas estão falando sobre a web3 de repente?

Em parte, isso se deve àquela mistura conhecida de propaganda exagerada, marketing e medo de ficar fora da próxima grande novidade.

Mas o boom da web3 também reflete a quantidade de capital, talento e energia investidos em startups de criptoativos após um ano de altas no mercado. As empresas de capital de risco investiram mais de US$ 27 bilhões em projetos relacionados aos criptoativos em 2021 – mais do que a soma dos dez anos anteriores – e grande parte desse capital foi para projetos ligados à web3. Algumas gigantes da tecnologia, como X (antigo Twitter) e Reddit, começaram a testar seus próprios projetos de web3.

E o setor se tornou um ímã para talentos da tecnologia, com muitos funcionários das maiores empresas do ramo pedindo demissão de empregos confortáveis e estáveis para tentar ficar ricos com a web3.

Quero entender a web3. Mas, antes disso, poderia me lembrar o que foram a web1 e a web2?

Claro. A web1, de acordo com o senso comum, refere-se à internet dos anos 1990 e início dos anos 2000. Era a internet dos blogs, fóruns e primeiros portais na web, como o AOL e o CompuServe. Boa parte do que as pessoas faziam na web1 era ler passivamente páginas estáticas, que eram em sua maioria construídas usando “protocolos abertos” como HTTP, SMTP e FTP. (Não se preocupe com o que são essas coisas – basta saber que um protocolo aberto é um pedaço de infraestrutura da web que não pertence a uma única empresa, e que o conceito de protocolos abertos vai aparecer daqui a pouco de novo neste texto.)

A web2, dizem, foi a fase seguinte da internet, começando por volta de 2005 – aquela marcada pelas gigantes das redes sociais, como Facebook, X e YouTube. Na web2 (ou web 2.0, como costumava ser chamada na época), as pessoas começaram a criar e publicar conteúdo, participando de forma ativa da internet em vez de ficar apenas lendo passivamente. No entanto, a maior parte dessa atividade acabou sendo distribuída e monetizada pelas grandes empresas, que detinham grande parte, quando não totalmente, do dinheiro e do controle.

A web3, reza a lenda, substituirá essas plataformas corporativas centralizadas por protocolos abertos e redes descentralizadas administradas pela comunidade, combinando a infraestrutura aberta da web1 com a participação pública da web2.

A investidora em criptoativos Li Jin e a jornalista Katie Parrott resumiram a ideia da web3 desta forma: “Se a era pré-internet/web1 favorecia os publicadores e a era da web2 favorecia as plataformas, a próxima geração de inovações – conhecidas coletivamente como web3 – consiste na balança de poder e propriedade pender para o lado dos criadores e usuários”.

Isso parece... fascinante, mas vago. Como os defensores da web3 realmente preveem que isso aconteça?

Os defensores da Web3 argumentam que uma internet baseada na tecnologia blockchain melhoraria a internet atual de várias maneiras.

Para começar, segundo eles, as plataformas web3 poderiam oferecer aos criadores e usuários uma forma de monetizar suas atividades e contribuições de um jeito que as megaplataformas de hoje não fazem.

Atualmente, o Facebook, por exemplo, ganha dinheiro agregando dados de usuários e vendendo anúncios direcionados. Uma versão web3 do Facebook poderia permitir aos usuários monetizar seus próprios dados, ou até mesmo receber “gorjetas” em criptoativos de outros usuários ao postar conteúdo interessante. Um Spotify web3 poderia permitir aos fãs comprar “participações” de artistas promissores, tornando-se, na prática, seus patronos em troca de uma porcentagem de seus royalties na plataforma de streaming. Um Uber web3 poderia pertencer aos motoristas da rede.

Matt Levine, colunista da Bloomberg, explica a ideia da seguinte forma: “Uma premissa básica da web3 é que cada produto é ao mesmo tempo uma oportunidade de investimento”.

Em segundo lugar, eles defendem que as plataformas web3 podem ser governadas democraticamente de um jeito que aquelas da web2 não são.

Gigantes da internet como o Facebook e o X são basicamente autocracias. Podem tomar os nomes de usuários unilateralmente, banir contas ou mudar suas regras a seu bel-prazer. Uma rede social com base em blockchain poderia delegar essas decisões aos usuários, que poderiam votar para decidir como lidar com elas.

Em terceiro lugar, de acordo com eles, a web3 seria menos dependente de modelos de negócios baseados em publicidade do que a web2, e as pessoas teriam maior privacidade como consequência, com menos rastreadores e anúncios direcionados em torno delas e menos gigantes da tecnologia acumulando seus dados pessoais.

É claro que esta é uma versão extremamente idealista da web3, esboçada sobretudo por pessoas que vão ganhar dinheiro caso isso se concretize. A realidade poderia ser muito diferente.

Qual é um exemplo de aplicativo web3 que existe hoje?

Um exemplo bastante citado é o Axie Infinity, um videogame desenvolvido pelo estúdio de jogos vietnamita Sky Mavis, que usa NFTS e criptomoedas baseadas em Ethereum para recompensar os jogadores com dinheiro de verdade por alcançarem os objetivos do jogo.

No game, os jogadores podem “criar” personagens chamados Axies e usá-los em batalhas contra outros jogadores. Eles também podem acumular terras virtuais, na forma de NFTs, e receber um tipo de dinheiro digital chamado Smooth Love Potion (SLP), que pode ser negociado em uma exchange de criptomoedas. (Em um artigo no ano passado, o jornalista Casey Newton chamou o app de “Pokémon na blockchain”.)

O Axie Infinity atraiu milhões de jogadores, inclusive vários filipinos que ganham a vida jogando o game. Contudo, a dependência do jogo em tokens de criptoativos o torna instável, e os jogadores podem perder dinheiro quando os valores dos tokens caem, como aconteceu no ano passado.

Isso lembra jogos de azar.

E é, de certa forma. Mas os jogos de aposta são uma indústria incrivelmente bem-sucedida! E as pessoas da web3 argumentariam que, se você vai passar tantas horas do seu dia jogando um videogame, deveria pelo menos ter a oportunidade de ser pago por isso.

Existem outros aplicativos que possam me ajudar a entender o hype da web3?

Não é tão atraente quanto um videogame, porém sempre considerei o Helium um bom exemplo de projeto web3 para demonstrar o que a torna diferente da tecnologia anterior.

O Helium é basicamente uma rede de Wi-Fi colaborativa que funciona com base em criptoativos. As pessoas podem se inscrever para compartilhar a banda larga de suas redes Wi-Fi de casa ou do escritório com a rede Helium, usando um tipo especial de dispositivo conectado ao computador ou ao roteador. Em troca, elas são recompensadas com tokens Helium quando dispositivos próximos usam sua banda larga. Quanto mais seus hotspots são usados, mais tokens elas recebem. A rede Helium tem mais de 500 mil hotspots ativos hoje, muitos deles alimentando dispositivos conectados, como parquímetros e patinetes elétricos.

Você poderia construir uma rede semelhante sem recorrer a criptoativos batendo de porta em porta e tentando convencer as pessoas a compartilhar parte de sua banda larga de internet com dispositivos próximos. Ou, se você fosse uma grande empresa de telecomunicações, como a Verizon ou a AT&T, poderia gastar bilhões de dólares para construir essa rede por conta própria. Mas a Helium conseguiu construir uma rede sem custos iniciais enormes, permitindo às pessoas ganhar tokens de criptoativos por adicionar nova cobertura à rede, usando, na prática, a popularidade dos ativos digitais para financiar a construção de algo que a empresa queria construir de qualquer maneira.

Então, parte do apelo da web3 é que ela incentiva as pessoas a fazer coisas que de outra forma elas talvez não fariam, como jogar videogame ou compartilhar seu Wi-Fi com estranhos?

Em parte. Mas os defensores da web3 acreditam que exemplos como esses são apenas o começo.

Fale mais sobre isso.

Bem, agora estamos nos aventurando profundamente na parte teórica, porém alguns apoiadores acreditam que a web3 poderia se tornar a espinha dorsal de uma nova sociedade tokenizada.

“A web3 hospedará nossas instituições financeiras, interações sociais, identidades pessoais e muito, muito mais em um futuro não tão distante”, disse Lior Messika, investidor de criptoativos, ao site TechCrunch.

Entre os fãs da web3, fala-se muito em “identidade descentralizada” – a noção de que, no futuro, todos nós poderíamos ter uma espécie de score de reputação que consiste em um registro em blockchain de empregos, eventos de que participamos e projetos para os quais contribuímos. Esses registros se tornariam essencialmente históricos permanentes de nossas vidas online, e outras pessoas poderiam procurá-los para decidir se nos contratariam, confiariam em nós para realizar uma tarefa ou até mesmo para ter um relacionamento conosco.

Isso parece assustador. Não teve um episódio de “Black Mirror” sobre isso?

Sim, teve. E a perenidade da web3, em conjunto com sua dependência dos mercados de criptoativos voláteis, é parte da razão pela qual a visão grandiosa da web3 foi recebida com tanta resistência.

O escritor e tecnólogo Robin Sloan, por exemplo, escreveu que a capacidade de excluir coisas – o “uma operação basicamente antitética na web3″, nas palavras dele – era, na verdade, uma qualidade desejável dos serviços de internet.

Stephen Diehl, programador e crítico ferrenho dos criptoativos, foi ainda mais longe, chamando a web3 de “a hiperfinancialização de toda a existência humana”.

Palavras fortes! Quais são algumas das outras objeções à web3?

Alguns céticos simplesmente acreditam que a web3 não faz sentido do ponto de vista técnico. Eles chamam a atenção para o fato de as blockchains serem significativamente mais lentas e menos competentes que os bancos de dados convencionais, e que as blockchains mais populares de hoje não conseguiriam nem mesmo começar a lidar com a quantidade de dados que o Uber, o Facebook ou o YouTube usam diariamente. Para os serviços da web3 funcionarem em conformidade com a demanda dos consumidores, eles argumentam que seria necessário construir serviços centralizados para controlá-los – o que lançaria por terra todo o propósito.

Também há aqueles para quem a web3 é uma tentativa de investidores ricos falarem de descentralização da boca para fora enquanto criam novos serviços centralizados controlados por eles – transformando-se, na prática, nos novos intermediários.

Isso que estava por trás da briga de Jack Dorsey no X?

Sim. Dorsey – ex-CEO do X – é um grande fã do Bitcoin, que, para ele, vai substituir o dólar e marcar o início da paz mundial. E, como muitos fãs de Bitcoin, ele é mais cético em relação a outras criptomoedas, entre elas o Ethereum, a tecnologia blockchain em que a maior parte do ecossistema web3 roda.

Em uma série de tuítes em dezembro de 2022, ele criticou a web3, dizendo que ela era “no fim das contas, uma organização centralizada com um rótulo diferente”. Ele também criticou a Andreessen Horowitz, uma conhecida empresa de capital de risco que investe de forma pesada em projetos de web3, insinuando que a visão de web3 da empresa tiraria o controle das mãos dos usuários e o colocaria nas mãos de investidores ricos e plataformas de tecnologia centralizadas.

Qual a opinião das agências reguladoras sobre a web3?

Até agora elas não falaram quase nada, embora o assunto tenha surgido durante uma audiência recente no Congresso americano.

Mas a indústria pode se deparar com obstáculos quando os reguladores começarem a prestar atenção para valer nela. Um problema possivelmente grande é que os tokens de criptoativos – que são fundamentais para muitos usos da web3 – se encontram atualmente em uma zona regulatória nada definida nos Estados Unidos. Alguns reguladores, entre eles Gary Gensler, presidente da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês), defendem que muitos tokens são títulos não registrados e que as plataformas que os oferecem devem seguir as mesmas regras das empresas que emitem ações e títulos.

As empresas de criptoativos contestam a ideia de que os tokens devam ser tratados como um novo tipo de ativo, não coberto pelas leis de valores mobiliários existentes. Entretanto, não está claro se elas vão vencer essa briga. E caso as startups da web3 dos EUA sejam obrigadas a tratar seus tokens como títulos, muitas delas podem precisar encerrar suas atividades, mudar seus produtos ou ser transferidas para outro país.

Como a web3 está relacionada ao metaverso, outra palavra confusa do mundo da tecnologia da qual não se escapa atualmente?

O metaverso, se você está acompanhando as notícias, é o termo que estamos usando hoje para mundos digitais imersivos nos quais os usuários podem socializar, jogar, participar de reuniões e de outras atividades juntos. É a perspectiva traçada por Mark Zuckerberg quando ele anunciou que o Facebook passaria a se chamar Meta.

E alguns defensores dos criptoativos acreditam que a web3 é uma parte essencial do metaverso, porque permitiria a criação de metaversos não controlados por apenas uma empresa ou governados por um único conjunto de regras.

Muitos objetos no metaverso também podem ser tokens de criptoativos, se a torcida da web3 conseguir o que deseja. Seu avatar no metaverso pode ser um NFT. Sua casa no metaverso pode vir com tokens de governança ou qualificá-la para fazer parte de um bairro de organizações autônomas descentralizadas (DAO, na sigla em inglês.) A hipoteca dessa casa pode até mesmo ser integrada em um token de segurança garantido por hipoteca e vendida em uma exchange descentralizada.

Bem, agora minha cabeça deu um nó.

Tudo bem. Sinceramente, a maioria dessas coisas é pura teoria, e você vai ter tempo suficiente para estudar caso isso se torne realidade.

Por ora, saiba apenas que web3 é uma palavra que você escutará muito nos próximos anos, conforme as pessoas tentam entender o mundo de novas experiências, plataformas e oportunidades de ganhar dinheiro que os fãs dos criptoativos estão tentando criar.

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