Conteúdo Patrocinado

Criptoativos para iniciantes: o que é DeFi?

Finalizando a série do “The New York Times”, uma explanação sobre o significado de finanças descentralizadas e como isso está transformando o sistema financeiro atual

Por Kevin Roose, The New York Times
Atualização:
8 min de leitura

O que é DeFi?

DeFi (pronuncia-se di-fai) é a abreviação de finanças descentralizadas em inglês. É um termo genérico para a parte do universo cripto voltada à construção de um novo sistema financeiro nascido na internet, no qual se usam blockchains para substituir intermediários tradicionais e mecanismos de segurança.

O DeFi também inclui plataformas de empréstimos, mercados preditivos, opções e derivativos Foto: Getty Images

Esta explicação está me dando sono.

Não durma. Prometo que ficará interessante.

Tudo bem, vou dar uma chance. O que você quer dizer com “no qual se usam blockchains para substituir intermediários tradicionais e mecanismos de segurança”?

Vamos voltar um pouco no tema. Para enviar ou receber dinheiro no sistema financeiro tradicional, são necessários intermediários, como bancos ou bolsas de valores. E, para que tudo corra bem ao realizar a transação, todas as partes precisam confiar que esses intermediários agirão de forma justa e honesta.

No DeFi, esses intermediários são substituídos por software. Em vez de realizar a transação por meio de bancos e bolsas de valores, as pessoas negociam diretamente umas com as outras, com “contratos inteligentes” na blockchain atuando como os mercados, liquidando transações e garantindo que todo o processo seja justo e confiável.

Então o DeFi é a versão cripto de uma bolsa de valores?

De certa forma. Entretanto, o DeFi também inclui coisas como plataformas de empréstimos, mercados preditivos, opções e derivativos.

Resumindo, aqueles com criptoativos estão construindo sua própria versão de Wall Street – que é em grande parte descentralizada e lida exclusivamente com criptoativos, com versões cripto de muitos dos produtos oferecidos pelas instituições financeiras tradicionais, porém com menos daquela burocracia e normas que regem o sistema financeiro existente.

Uma Wall Street rebelde! Agora sim eu fiquei interessado. Qual é o tamanho do DeFi?

O valor total bloqueado do DeFi (TVL, na sigla em inglês) – uma forma padrão de medir o valor dos criptoativos armazenados em projetos DeFi – atualmente é de cerca de US$ 77 bilhões, de acordo com o índice de ativos digitais DeFi Pulse. Caso fosse um banco, isso faria do DeFi algo como o 38º maior banco dos Estados Unidos por depósitos.

Portanto, não é enorme, mas também não é pequeno.

Isso, e o TVL não é a única forma de medir o crescimento do DeFi. Você também pode observar a atividade de negociação em exchanges descentralizadas, que cresceu em porcentagens de três dígitos em 2022.

Ou poderia dar uma olhada no que dizem as agências reguladoras e os políticos, que estão cada vez mais prestando atenção no crescimento do DeFi. Michael Hsu, controlador interino da moeda dos EUA – órgão regulatório independente dos bancos nacionais –, disse em um discurso durante uma conferência sobre blockchains em 2022 que muitos produtos DeFi lembram os credit default swaps (CDS) e outros derivativos complexos que foram populares em Wall Street nos anos que antecederam a crise financeira de 2007-2008.

E a senadora democrata Elizabeth Warren chamou a atenção para o DeFi em uma audiência a respeito dos criptoativos naquele ano, chamando-o de a parte mais perigosa do mundo cripto!

Por que as pessoas estão tão preocupadas com o DeFi?

Em poucas palavras, porque o DeFi é em sua maioria não regulamentado e tem poucas das garantias e proteções ao consumidor existentes no sistema financeiro tradicional.

Você poderia me dar um exemplo de algo que seria regulamentado no sistema financeiro tradicional, mas não no DeFi?

O melhor exemplo provavelmente são as stablecoins. As stablecoins são criptomoedas cujo valor está atrelado ao valor de uma moeda respaldada pelo governo, como o dólar americano.

Elas são uma parte crucial dos mercados DeFi, porque, se você é um investidor em criptoativos, não quer converter constantemente os tokens para dólares, ou manter todos os seus ativos em criptomoedas cujos valores podem oscilar descontroladamente. Você quer uma criptomoeda que se comporte como um dólar sem graça, porém estável, que possa ser usada sem a necessidade de interagir com o sistema TradFi.

TradFi?

É como o pessoal do DeFi chama brincando as finanças tradicionais.

Espertinhos. Mas, voltando às stablecoins, qual o perigo delas?

Bem, os reguladores argumentaram que, apesar do nome, as stablecoins não são tão estáveis na prática.

Como minha colega Jeanna Smialek explicou em um artigo sobre stablecoins em 2022, a preocupação tem como origem o fato de os emissores de stablecoins não serem legalmente obrigados a respaldar suas moedas individualmente com ativos seguros e semelhantes ao dinheiro. Os investidores que compram stablecoins podem, justificadamente, supor que cada USD Coin ou Tether (as duas stablecoins atreladas ao dólar americano mais populares) vale US$ 1 e que poderão converter suas stablecoins em dólares quando quiserem.

Mas, por ora, não há nada na lei que exija dos emissores de stablecoins um respaldo individual. E se eles não tiverem reservas suficientes para cobrir as stablecoins que estão emitindo, a coisa toda pode desmoronar caso vários investidores decidam resgatar seu dinheiro de uma só vez.

Isso não parece nada bom.

Não mesmo, principalmente porque as stablecoins são a espinha dorsal das negociações no DeFi. E há dúvidas entre investidores e reguladores se alguns dos principais emissores de stablecoins têm ativos suficientes de verdade para pagar a seus detentores, no caso de um resgate em larga escala.

Portanto, as stablecoins podem não ser estáveis. O que mais é possivelmente preocupante no DeFi?

As empresas de criptoativos que oferecem empréstimos, cartões de crédito e contas de poupança, sem boa parte das garantias ou proteções disponibilizadas pelos bancos convencionais, também estão gerando preocupações. As agências reguladoras dos EUA começaram a tomar medidas drásticas contra as empresas que emitem esses produtos, dizendo que elas poderiam representar um risco aos consumidores.

Os reguladores também estão investigando as exchanges descentralizadas (DEXs) que permitem aos usuários converter tokens de criptoativos com a ajuda de algoritmos que funcionam como formadores de mercado.

Além disso, há todos os ataques de hackers e golpes…

Que beleza!

Verdade. O DeFi, como os criptoativos no geral, é um grande alvo de fraudes. Mais de US$ 10 bilhões foram perdidos devido a ataques de hackers e golpes em projetos DeFi somente em 2021, de acordo com um relatório da provedora de análise de blockchain Elliptic.

Normalmente, não há muitos recursos para as vítimas de golpes no DeFi. E, ao contrário dos depósitos em um banco convencional, protegidos por seguro do banco central, os tokens de criptoativos não costumam ser reembolsados ou recuperados depois de desaparecerem.

Então, uma das áreas dos criptoativos com maior crescimento é uma espécie de velho oeste de Wall Street, onde não há proteções aos investidores, as coisas que são chamadas de “stablecoins” (moedas estáveis) podem não ser estáveis e onde seu dinheiro pode ser irreversivelmente roubado a qualquer momento?

É um resumo pouco favorável, mas bastante exato.

Por que alguém participaria disso?

Por quatro razões.

Primeiro, muitas pessoas gostam do DeFi por ele ser tão novo e não regulamentado. Construir um sistema financeiro inteiramente novo é o tipo de desafio intelectual que não surge todos os dias, e muitas pessoas são atraídas pelo potencial indeterminado do setor. Além disso, se você é um trader inteligente ou um engenheiro financeiro experiente, conseguiria fazer todos os tipos de coisas no DeFi que não pode fazer no sistema financeiro tradicional e talvez ganhar muito dinheiro bem depressa.

Em segundo lugar, muitos fãs do DeFi argumentam que as blockchains são tecnologicamente superiores ao sistema bancário existente, boa parte dele sendo executada em bancos de dados antigos e com códigos ultrapassados. (A maioria das transações bancárias, por exemplo, ainda depende de programas escritos em Cobol, uma linguagem de programação que remonta à década de 1960.) Os criptoativos, segundo eles, são a primeira forma de dinheiro que é realmente nativa da internet e, à medida que cresce, precisará de um novo sistema financeiro criado na rede para respaldá-lo.

Terceiro, se você comprou a ideia dos criptoativos e da web3 de uma economia descentralizada, o DeFi é a arquitetura financeira que torna possíveis todas as coisas com as quais você está empolgado. No sistema financeiro tradicional, não há como uma organização autônoma descentralizada (DAO) criar um token de adesão do nada e usá-lo para levantar milhões de dólares. Você não pode ligar para o JPMorgan Chase ou o Goldman Sachs e pedir uma cotação do Smooth Love Potion com precificação em Dogecoin. (Bem, você até poderia, mas talvez eles rissem da sua cara.) No entanto, com as plataformas DeFi, você pode encontrar pessoas dispostas a negociar quase qualquer criptoativo por outro, sem a necessidade da aprovação de uma instituição central.

E, por último, há um grupo mais idealista de fãs de DeFi que vê tudo isso caminhando para uma direção muito mais utópica.

A descentralização das finanças, segundo essas pessoas, poderia ajudar a corrigir o que há de errado no sistema financeiro atual, diminuindo em parte o poder dos grandes bancos de Wall Street sobre a nossa economia e mercados.

Como seria isso?

Esses otimistas defendem que, como o DeFi substitui os intermediários humanos e os mecanismos de segurança com blockchains públicas e software de código aberto, ele é mais barato (menos taxas), mais eficiente (transações mais rápidas) e mais transparente (menos chances de corrupção) que o sistema financeiro tradicional.

Para eles, o DeFi democratiza o investimento, disponibilizando para as pessoas ferramentas às quais, antes, apenas investidores profissionais tinham acesso. E como é possível participar disso tudo anonimamente e sem a necessidade de aprovação de um banco, de acordo com eles, o DeFi é uma maneira de oferecer serviços financeiros para quem não é bem atendido pelo setor bancário convencional e se esquivar de muitas das práticas discriminatórias que impediram as minorias de ter acesso aos serviços financeiros no passado.

Em suma, para os otimistas, o DeFi se tornará mais seguro e robusto com o tempo, conforme mais pessoas o usarem e alguns dos problemas iniciais forem resolvidos. E assim como eles acreditam que a web3 substituirá as plataformas gananciosas da tecnologia por outras coletivas cujos donos são os próprios usuários, afirmam que o DeFi substituirá os bancos e corretoras de hoje com um sistema melhor e mais justo.

Não aprendemos lá em 2008 sobre os perigos das finanças não regulamentadas? O DeFi não poderia provocar a próxima crise financeira?

Neste momento, é pouco provável que o DeFi possa levar a qualquer catástrofe na escala da crise financeira de 2007-2008. Ele ainda é um pedaço relativamente pequeno do mundo dos criptoativos (que também é pequeno em relação à economia como um todo), e muitos daqueles investindo no DeFi são ricos o bastante para conseguir sobreviver até mesmo a grandes prejuízos.

Contudo, a possibilidade de o DeFi conseguir crescer o suficiente para representar um risco sistêmico não está passando despercebida pelos reguladores, que estão lutando para tornar a terra sem lei dos criptoativos mais regulamentada.

Confira as demais matérias da série do “The New York Times”

Manual de criptoativos para iniciantes

O básico das criptomoedas

Criptoativos para iniciantes: o que é a web3?

Criptoativos para iniciantes: o que são NFTs?

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.