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Fuga das cidades pode não ser duradoura

Migração para o home office, perda de emprego e desvios na carreira podem reconfigurar espaços urbanos na pandemia

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Por Redação
Atualização:
5 min de leitura
Muitos profissionais trocaram as cidades pela praia ou pelo sítio, mesmo em home office - Foto: Getty Images 

A segunda metade do mês de março foi de novidades no trabalho para muitos brasileiros. Empresas passaram a aderir em massa o home office. Quem desempenhava funções que poderiam ser realizadas remotamente começou a ser mandado para casa e precisou dar um jeito para montar um espaço de trabalho no lar.

Muita gente viu nessa mudança a oportunidade de sair das grandes cidades e “quarentenar” em ambientes mais agradáveis. Foi o caso do economista Alberto Nogueira* e do advogado e professor Tiago Freitas*. Enquanto Nogueira, a mulher e dois cachorros saíram de São Paulo e foram para um apartamento da família em uma praia de Santa Catarina, Freitas se mudou temporariamente com a mulher e os dois filhos para um sítio no interior paulista.

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“Por mais que a gente ficasse confinado no apartamento também, só de poder acordar, tomar café da manhã olhando o mar, almoçar olhando o mar, diminui bastante a pressão”, relata Nogueira. A mudança de ares estava prevista para durar um mês, mas o casal acabou decidindo estender a estadia, e ficou dois meses na praia. Agora, os planos são voltar para lá em outubro e ficar até o fim do ano.

Freitas também não sabe quando volta para a capital paulista. “Tenho dois filhos que sofriam muito em São Paulo com problemas respiratórios e precisavam ir com frequência ao hospital. E a gente estava preocupado de ter que enfrentar uma situação de explosão dos casos e os hospitais estarem lotados”, conta ele, que foi para o interior logo no início da pandemia – antes de o aumento no número de casos se interiorizar.

Mas será que a migração em massa para o home office, além das mudanças de trabalho – como perda de emprego durante a pandemia – pode moldar as cidades no futuro?

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Primeiro, nem todo mundo teve a possibilidade de trabalhar de casa. O estudo Potencial de Teletrabalho na Pandemia: um Retrato no Brasil e no Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que apenas  22,7% dos empregos no Brasil podem ser realizados inteiramente em casa – número que nos coloca na 47ª posição entre os 86 países pesquisados em capacidade de aderir ao home office.

Leia também: todo o especial "Seis meses de pandemia" 

Mesmo assim, há pesquisas que apontam que quase metade (46%) das empresas adotou o modelo durante a pandemia – como mostra um estudo da Fundação Instituto de Administração (FIA) – e que 70% dos brasileiros gostariam de continuar trabalhando de casa – segundo estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP com profissionais principalmente de alta qualificação e renda.

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“Existe uma grande discussão entre urbanistas e economistas em relação a essas movimentações – se as pessoas vão sair, ou se elas vão querer ficar cada vez mais nos centros urbanos”, afirma a urbanista Laís Leão, criadora da InCities, projeto que visa ao desenvolvimento de cidades mais seguras. Ela explica que, com mais facilidades e opções de lazer, os centros urbanos ainda podem ser atrativos – mesmo para quem trabalha em casa e paga aluguel. “Porém, algumas vertentes acreditam que existe uma tendência de que as pessoas saiam dos centros urbanos maiores pela qualidade de vida ou pelo trânsito. Principalmente novas famílias, para as crianças poderem ter uma relação mais segura com as cidades”, diz a especialista.

A pandemia abriu algumas portas, principalmente essa possibilidade de ficar totalmente remoto e unir as duas coisas – viajar, conhecer outros países – com a parte profissional

De volta à casa dos pais, depois da independência

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O curitibano Gustavo Klimczak, que morava sozinho,voltou para a casa dos pais na crise. Foto: Arquivo pessoal 

Formatura, início da vida profissional, morar sozinho. Esses marcos foram interrompidos para diversos jovens que estavam começando a experimentar a vida adulta em 2020 – e também para aqueles que já estavam curtindo o começo da independência.  É o caso do curitibano Gustavo Klimczak, publicitário de 28 anos que vivia em um apartamento alugado desde o fim de 2019 na capital do Paraná, mas decidiu voltar a morar com os pais e o irmão depois de mudanças profissionais e pessoais durante a pandemia. “Fui desligado do cargo de coordenador de marketing de uma agência no final de abril. Acho que foi o momento mais difícil da minha carreira profissional”, diz ele. “Nunca tive dificuldade em encontrar emprego – tive muitos privilégios, com intercâmbio, inglês fluente, faculdade. Na pandemia foi a primeira vez que eu não consegui absolutamente nada por meses.”

Diferentemente daqueles que puderam recorrer a uma segunda casa na praia ou no campo para um isolamento mais agradável, muita gente precisou diminuir os gastos nesse período por conta de redução de jornada e salário, ou mesmo demissão. Foram 3,1 milhões de brasileiros que perderam o emprego nas 12 semanas levantadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre maio e julho, uma alta de 31% no período.

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Para os jovens, isso pode causar um “efeito cicatriz” na vida profissional, definiu a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em agosto deste ano. Uma pesquisa da OIT realizada em maio com 12 mil jovens de 112 países diferentes mostrou que um em cada seis jovens com menos de 24 anos parou de trabalhar durante a pandemia. Isso afetou diretamente a moradia. Arcar com os custos do aluguel pesou muito – considerando que em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro o gasto corresponde a metade da renda média dos habitantes, de acordo com uma pesquisa do fim de 2019 realizada pelo QuintoAndar. Tanto é que mais da metade (51%) dos inquilinos da cidade de São Paulo pediu novo acordo de aluguel no mês de junho de 2020, com redução do valor, segundo o Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP). É o maior índice já registrado pelo Secovi-SP. Mas, para Klimczak, o trabalho não foi o único motivador para a decisão. Mesmo depois de se restabelecer financeiramente, abrindo a própria agência e fechando trabalhos com alguns clientes, o publicitário vai esperar o período de isolamento acabar para pensar em viver de forma independente de novo. O que pesou foi a saúde mental. “Eu estava tendo uma frustração muito grande de ficar sozinho todos os dias, não encontrar pessoas, não sair de casa. A parte psicológica ficou muito abalada por morar sozinho e não ver ninguém”, relata o publicitário. Agora, o plano é voltar a alugar um apartamento quando o isolamento acabar de forma oficial. Mas muita coisa deve ser diferente, diz ele. “Minha vida mudou completamente com a pandemia, principalmente porque eu sempre almejei fazer home office. Tenho uma grande paixão por viagens e o trabalho presencial acaba impossibilitando isso. A pandemia abriu algumas portas, principalmente essa possibilidade de ficar totalmente remoto e unir as duas coisas – viajar, conhecer outros países – com a parte profissional.”

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