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Reflexões sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente na Amazônia

Opinião | Amazônia: aposta em produtos de base florestal é chave para combater desmatamento

Fiscalização e pagamento por serviços ambientais são essenciais, mas insuficientes para transformar economia da região

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Foto do author Salo Coslovsky

A Floresta Amazônica é vital para a manutenção do clima global, mas grande parte das pessoas que vivem e votam na região está disposta a trocar preservação ambiental pela chance de subir na vida. Uma análise dos políticos recém-eleitos realizada pelo Infoamazônia evidencia essa realidade: 89% dos prefeitos e 90% das câmaras municipais da Amazônia Legal se opõem à pauta ambiental. Um amigo, empresário bem estabelecido em Manaus, não cansa de alertar que a maioria dos membros da elite local vê a floresta como obstáculo e as leis ambientais como vilãs.

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Esse antagonismo é preocupante pois, na Amazônia, a substituição de natureza por prosperidade não costuma dar bons resultados. Estudos clássicos do Banco Mundial e do Imazon mostram que, embora a renda e o emprego cresçam inicialmente com o desmatamento, eles desabam quando se esgotam os recursos naturais. Agravando a situação, esse tipo de erro não é fácil de reverter. Uma floresta saudável pode ser destruída em poucos dias, mas trazê-la de volta demanda décadas.

Diante desse cenário, o governo federal tem investido na combinação de fiscalização com pagamentos por serviços ambientais (PSA). A fiscalização é essencial para garantir segurança jurídica, combater o crime e fortalecer o direito de propriedade, que é a base da riqueza das nações.

O pagamento por serviços ambientais também cumpre papel importante. Ele não só ajuda a pagar pela fiscalização como representa uma correção histórica necessária, especialmente quando remunera a preservação de grandes áreas com baixa densidade populacional, como as Unidades de Conservação e as Terras Indígenas. Afinal, muitas das pessoas que vivem nesses territórios desempenham função crítica protegendo as florestas, mas não conseguem obter uma renda condizente com sua contribuição apenas através do extrativismo.

A ênfase no binômio fiscalização e PSA também faz sentido para os líderes do setor público que precisam entregar resultados desde Brasília, uma vez que essas iniciativas podem ser implementadas pelas autoridades federais sem depender do consentimento ou apoio das lideranças políticas locais.

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Área desmatada em Parauapebas, no Pará; estudos indicam que renda e emprego crescem inicialmente com desmatamento, mas desabam quando recursos naturais se esgotam Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Mas evitar a oposição não é o mesmo que desarmá-la. O aumento expressivo do desmatamento durante os governos Temer e Bolsonaro demonstra que, sem adesão local, as conquistas ambientais permanecem frágeis. Enquanto uma parcela expressiva dos moradores da região amazônica não estiver convencida de que a floresta é seu maior patrimônio, o risco de degradação continuará elevado.

Em novembro de 2025, o Brasil sediará a COP-30 em Belém, quando teremos uma oportunidade única para apresentarmos ao mundo uma visão de desenvolvimento que alie preservação e produção. Entre as múltiplas propostas em discussão, destaco a urgência de incentivar a produção sustentável de produtos de base florestal, especialmente a expansão de cultivos arbóreos em áreas já desmatadas.

Os valores potenciais são enormes. Dados do IBGE para a região Norte mostram que a produção de seis espécies perenes bem adaptadas a sistemas agroflorestais – açaí, banana, cacau, café robusta, dendê e pimenta do reino – geram receita anual média ao produtor de US$ 2,6 mil por hectare, considerando o mix de produtos, produtividade e preços vigentes entre 2019 e 2023. É um valor expressivo, muito maior do que aquele que pode ser obtido via PSA, estimado pelo Ministério da Fazenda na faixa do US$ 4 por hectare. Claro, PSA e produção remuneram atividades distintas e complementares. E o lucro líquido dos produtores é menor que US$ 2,6 mil por hectare, pois precisam investir capital inicial e pagar impostos, insumos e salários. Ainda assim, cada centavo que o produtor desembolsa vai parar no bolso de alguém. A circularidade dessas transações multiplica o seu valor total, encorpando a economia da região.

Importante admitir, porém, que incentivar esses negócios não é tarefa simples. Parte do desafio está inteiramente em nossas mãos, pois muitas vezes nos acomodamos na falsa segurança de que já sabemos como prosseguir. Isso é agravado pela proliferação de iniciativas que, apesar de bem-intencionadas, não produzem resultados concretos além de anúncios e relatórios com números muitas vezes exagerados. A ilusão de que estamos avançando é tão prejudicial quanto o descaso.

Outra parte do desafio está além das nossas fronteiras e exige que o Brasil seja mais humilde para reconhecer que temos muito a melhorar, e mais assertivo para propor um ambiente de negócios propício para essas melhorias. A recente decisão da União Europeia de limitar seu mercado a commodities livres de desmatamento criou uma abertura inédita para o Brasil: ao invés de ver o mercado internacional de produtos compatíveis com a floresta como um fato consumado, definido por forças externas e fora do nosso alcance, podemos tomar a iniciativa para moldá-lo em benefício próprio. Afinal, quem faz as regras leva vantagem no jogo.

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De forma muito concreta, o país deveria aproveitar-se do ano de 2025, que culmina com a COP-30 em Belém, para construir uma aliança de nações tropicais capazes de propor um novo regime de comércio internacional para produtos de base agroflorestal. Enquanto as autoridades europeias hesitam na implementação de suas diretivas, podemos assumir o protagonismo propondo regras que não apenas valorizam nossos ativos naturais, mas também encorajam nossos produtores a desenvolver as competências que garantirão sua liderança no futuro. Desse modo, posicionamos o Brasil na vanguarda de uma nova economia global que, inevitavelmente, precisará conciliar desenvolvimento com sustentabilidade.

Opinião por Salo Coslovsky

Professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030

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