A educação brasileira tem passado por muitas mudanças nos últimos anos, a começar pela forma de a população valorizar os professores, o que se acentuou desde a pandemia e a permanência dos alunos em casa.
Soma-se a isso uma série de ações das esferas federal, estadual e municipal com o objetivo de impactar positivamente a vida de docentes e estudantes. A mais recente medida foi anunciada em 30 de novembro, quando o Ministério da Educação (MEC) publicou uma portaria com a suspensão dos processos de autorização de novos cursos a distância, incluindo todas as licenciaturas, voltadas à formação de professores.
Na avaliação de Heloisa Morel, diretora executiva do Instituto Península, a maneira como os professores são formados pelas instituições de ensino remoto contribui para que esses profissionais não estejam preparados para a sala de aula. “Falta a eles a vivência na escola antes de assumir a sala de aula”, aponta.
Inserção gradual
Heloisa destaca que, além de mudar a formação dos professores durante a licenciatura, é preciso que haja uma atenção especial ao modo como serão feitas a entrada e a progressão dos profissionais em sala de aula.
Existem algumas formas de melhorar a experiência de quem ensina e de quem aprende. É necessário haver maior apoio de tutores no início da carreira. Também é importante estabelecer uma carga horária que não ultrapasse as 40 horas semanais. E, por fim, é fundamental fixar o professor em uma única escola para que se estabeleça uma relação com a comunidade local.
“Nos últimos anos, vimos uma série de avanços, como a expansão de vagas para professores, a definição do piso, as novas diretrizes curriculares nacionais para formação inicial e continuada de professores da educação básica. Tudo isso trouxe um caráter de profissionalização”, cita a especialista.
No entanto, ainda há muito a melhorar. Heloisa lembra, por exemplo, que a profissão não atrai tantos interessados quanto poderia. A sociedade acredita que não há uma perspectiva de carreira. “Isso acontece porque a carreira não é valorizada”, aponta.
Essa falta de perspectiva, salienta, não tem a ver com o reconhecimento da profissão, mas com o fato de a maioria acreditar que os professores não contam com as condições adequadas para o trabalho e o desenvolvimento.
Pandemia aumentou valorização
O reconhecimento do papel dos professores foi um dos destaques da primeira edição do Indicador de Valorização de Professores (IVP). A ferramenta, inédita no Brasil, foi lançada em outubro pelo Instituto Península e desenvolvido em parceria com a pesquisadora e cofundadora da Rede Conhecimento Social Ana Lima.
A ideia do IVP surgiu no início da pandemia, quando houve uma mudança no relacionamento entre professor, aluno e escola. Heloisa conta que a ferramenta buscou medir como a sociedade e os docentes da educação básica valorizavam a profissão.
O resultado revela que 26% dos brasileiros acreditam que os professores são bem valorizados no Brasil. Entre os docentes, esse número cai para 20%. Ainda segundo o levantamento, apenas um em cada três brasileiros (36%) aponta que a carreira docente é pouco valorizada, enquanto entre os professores há uma queda para 18%.
Os critérios da pesquisa
O IVP usou cinco esferas para definir como seria feita a medição. São eles:
· o campo de atuação, que engloba o reconhecimento do valor e da relevância da educação básica para o Brasil e para os brasileiros;
· a carreira, que trata da remuneração e das condições de trabalho;
· o ambiente de trabalho, que se refere às relações na escola com gestores, pares, estudantes e famílias;
· o profissional, que diz respeito ao compromisso e à competência do professor em sua atuação;
· o indivíduo, que inclui o bem-estar e a realização pessoal fora do ambiente de trabalho.
A pesquisa usou uma escala de 0 a 10, em três níveis: inferior a 6, baixa valorização; entre 6 e 8, média valorização; e igual ou superior a 8, alta valorização. De acordo com os resultados, a média de valorização do professor é de 6,7 pela sociedade e de 7 do ponto de vista dos docentes.
Segundo a diretora executiva do Instituto Península, o indicador mostra que, no geral, a valorização é mediana. No entanto, fora dos grandes centros, ou seja, na maior parte do Brasil, onde a concorrência, a renda e a escolaridade costumam ser menores, a carreira sobe de patamar. “Em muitos municípios do Brasil a carreira do professor é a que paga melhor e é a mais reconhecida”, explica.
A solução, diz a especialista, passa pela atuação tanto do poder público quanto da sociedade civil. Muito dessa evolução passa pela preparação adequada desde a universidade, mas inclui o reconhecimento dos profissionais ao longo da carreira.
Heloisa defende que desde a universidade haja uma conexão com a sala de aula, além de um esforço para implantar formas de mensurar o conhecimento e a forma de ensinar, ou seja, se o professor sabe e se tem o jeito de educar, ou seja, se tem o domínio sobre o que e como vai fazer em sala de aula.
“Se o professor não tiver a sabedoria prática de como fazer, vai ensinar todo mundo igual. Mas cada aluno tem a sua particularidade, e o jeito de ensinar não pode ser o mesmo para todos”, conclui Heloisa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.