Entre os temas mais comentados no campo da educação no início deste ano, o ensino híbrido é também um dos mais mal interpretados. Conceitualmente, ele é composto por modelos de aula que integram a tecnologia digital no processo de ensino visando à personalização, mas o termo é por vezes usado erroneamente para descrever uma simples utilização das tecnologias digitais vinculadas a um ensino remoto ou presencial, como no caso de uma transmissão de aulas, por exemplo.
Quem alerta para o uso equivocado da definição é o professor e consultor Fernando Trevisani, que investiga a formação de professores e o uso das metodologias ativas na educação. “O ensino híbrido é a utilização do potencial trazido pelas tecnologias digitais para que o professor consiga usar diferentes recursos e atividades para coletar dados e informações que possam servir para modificar e personalizar intencionalmente a aprendizagem presencial do aluno”, explica.
Ao mencionar o aspecto presencial, Trevisani também faz uma ressalva sobre o que não cabe no conceito. “Tudo o que não envolver atividade presencial não pode ser caracterizado como ensino híbrido. A simples transmissão online de aulas, por exemplo, não carrega esse conceito se o uso dessa tecnologia não tiver a intenção de levantar informações sobre como o aluno aprende para que o professor possa personalizar o ensino no ambiente presencial, durante sua sequência de aulas.”
Nesse sentido, o especialista destaca ainda que, devido à suspensão das aulas presenciais na vasta maioria dos cursos superiores, não é possível dizer que o ensino universitário brasileiro oferece, de fato, o ensino híbrido. “Esses modelos terão mais destaque após a experiência dos alunos com o ensino remoto, mas para isso é necessário a formação docente”, completa.
Em pesquisas realizadas no último semestre, o Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil , constatou um desejo tanto de professores quanto de estudantes de retomar as aulas presenciais, mas ambos os grupos também observaram os benefícios de ter parte das atividades em contexto remoto. As instituições privadas também têm como uma das preocupações o aumento das dificuldade de acesso entre os universitários.
Essa foi a realidade enfrentada pelo estudante de jornalismo Samuel Vitor Neves Pereira, 21, do Centro Universitário FAM. Ele ingressou no primeiro semestre de 2020 e seu curso previa uma estrutura semanal com quatro dias de aula presencial e um dia remoto. Contudo, após as restrições sanitárias, precisou completar o ano letivo totalmente online. “A falta de contato com o professor é difícil e qualquer coisa distrai em casa”, afirma Pereira.
Embora veja um cenário complicado para o retorno à sala de aula, o estudante tem altas expectativas para vivenciar efetivamente a vida universitária presencial. “Será bom ter o professor lado a lado para uma discussão. No online, principalmente com muita gente, os alunos falam ao mesmo tempo, às vezes eles não conseguem responder direito. Este ano, teremos mais disciplinas práticas e acho que não dá para fazer em casa”, diz.
Em busca da efetividade
A falta de infraestrutura nas casas dos alunos para acompanhar de forma efetiva as aulas por meio remoto pode ser contornada, segundo Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp. Uma aposta das instituições para contribuir com a solução do problema é a abertura dos espaços físicos das faculdades para proporcionar locais de aprendizagem, mas sem aulas coletivas. “Muitas abrirão as portas para alunos com dificuldades. Haverá um protocolo de segurança, é claro, mas eles poderão usar espaços e equipamentos, tanto para acessar atividades remotas quanto para tirar dúvidas”, explica Capelato.
Também de olho no futuro do setor, a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) vislumbra um cenário em que as fronteiras entre modelos de ensino presencial e a distância serão mais fluidas, impactando até mesmo nas nomenclaturas previstas pela legislação. “Poderemos ter cursos com uma maior carga presencial, outros com maior carga a distância, mas será difícil caracterizá-los nos conceitos que compreendemos hoje”, aponta Luciano Sathler, membro da Abed e do Conselho Deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para que o modelo híbrido seja efetivo, ele ressalta a necessidade de melhorias no suporte educacional oferecido pelas instituições. “É preciso ter melhores sistemas, pessoas capacitadas e softwares integrados. Existe uma série de parâmetros para implementar essas modalidades com boa qualidade, tanto no serviço de suporte administrativo quanto no apoio pedagógico. Os cursos não podem ter uma ênfase conteudista, por exemplo. Não se pode sobrepesar o aluno com muitos textos, vídeos e podcasts, com pouca ou nenhuma adequação à modalidade, e esperar que ele estude sozinho. Quanto mais interação de boa qualidade houver entre aluno e professor, assim como entre os próprios estudantes, melhor é o curso.”