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Comportamento Adolescente e Educação

Vigorexia: a ditadura do corpo perfeito atinge meninos na adolescência

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Foto do author Carolina  Delboni

Com conteúdos diversos que incluem musculação, nutrição e até conselhos de vida, perfis protagonizados por homens nas redes sociais levantam discussão sobre saúde e estética na vida de meninos adolescentes

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"Todo mundo da minha idade conhece o Paulo Muzy". A frase, que saiu durante uma conversa sobre padrões estéticos masculinos, suscitou Maria de Fátima Sanches, mãe do adolescente de 14 anos, a dar uma busca no nome mencionado.

Com mais de 7 milhões de seguidores na rede social, o especialista em medicina esportiva se apresenta assim: "você vê o que eu sou. O que eu sou é resultado daquilo que faço repetidamente. Excelência não é um ato. É um hábito".

Hábitos saudáveis geram padrões estéticos também saudáveis e bastam algumas horas nas redes sociais para observar tendências quando o assunto é beleza masculina. Uma das mais recentes é a de homens musculosos que aparecem em posts falando sobre vida, saúde, musculação e outros assuntos.

 

Do outro lado da tela, essas personalidades muitas vezes encontram meninos adolescentes que os têm como referência na busca por uma melhor relação com o corpo e até mesmo com a vida. A questão é que muitos deles acabam reféns dos "tais" padrões estéticos e desenvolvem um transtorno obsessivo compulsivo: a vigorexia.

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O transtorno é muito comum em homens entre 18 e 35 anos e provoca uma distorção entre a imagem que ele vê e a real. Normalmente, a pessoa se vê sem músculos, franzina e fraca, então sai em busca de mais músculos, mais horas em academia, aparelhos com mais cargas e alimentação restrita. E são justamente os perfis na internet que dão dicas de como chegar ao corpo perfeito.

Em um primeiro momento, a experiência dos donos dos perfis pode afastar preocupações com relação aos riscos de mensagens equivocadas. Afinal, alguns são verificados pelo Instagram e comandados por profissionais como professores e médicos.

Por outro lado, especialistas disparam alertas ao lembrar que os conteúdos estão sendo propagados nas redes sociais. Uma reportagem do The Wall Street Journal revelou que os responsáveis pelo Instagram sabem que a rede social afeta negativamente a imagem corporal de adolescentes. "Tornamos os problemas de imagem corporal piores para uma em cada três adolescentes", dizia um relatório interno do Facebook. Isso se dá principalmente porque o Instagram é reconhecido como uma rede poderosa de "comparação social".

Os dados referem-se a adolescentes meninas, mas Guilherme Valadares, fundador e diretor de pesquisa do Instituto Papo de Homem afirma: "Não tem nada que me faça pensar que isso seja muito diferente para os meninos que estão expostos a esse tipo de imagem constante". Guilherme aponta que a valorização dos músculos é, inclusive, associada a padrões de masculinidade.

A vigorexia é desencadeada pela busca incansável dos padrões de beleza - é a tal ditadura que tanto se fala no mundo feminino. Além da saúde mental, há a física. Para o doutor Wagner Gurgel, psiquiatra da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, não seria incorreto afirmar que a busca por padrões de beleza - muitas vezes motivada pelos conteúdos das redes sociais - está associada ao aparecimento de quadros como transtornos alimentares.

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"Ficar confinado e exposto a redes sociais e a uma cultura de comer corretamente, buscar saúde ou padrões de beleza tem um impacto de mais pessoas engajarem em comportamentos inadequados", diz. A anorexia e bulimia estão entre os transtornos alimentares mais citados.

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Os especialistas explicam que a natureza desses quadros é multifatorial, ou seja, não se pode atribuir uma única causa ao aparecimento deles. Além disso, esses transtornos têm relação com pré-disposições de indivíduos em adotar um comportamento alimentar inadequado, as quais podem ser, por exemplo, questões biológicas ou psicológicas.

Nesse contexto, a questão da imagem corporal aparece com certa influência. "Nos transtornos alimentares, conseguimos identificar mais claramente alguns estressores: a cultura de dieta, a pressão relacionada à imagem corporal e o próprio engajamento que leva a uma perda de peso mais substancial podem ser o início de uma anorexia nervosa, por exemplo", explica dr. Gurgel. O tratamento é multidisciplinar e inclui profissionais dedicados tanto ao cuidado da saúde física quanto da mental nos pacientes.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019, os adolescentes estão menos satisfeitos em relação ao próprio corpo. Se em 2015, 70,2% dos jovens de 13 a 17 anos estavam satisfeitos ou muito satisfeitos, em 2019, a taxa caiu para 66,5%. Enquanto isso, o número de insatisfeitos ou muito insatisfeitos subiu de 19,1% para 22,2%. A maioria (42,4%) não toma atitudes em relação a isso, mas os que tomam o fazem principalmente (24,8%) com a perda de peso.

Os adolescentes da atualidade, mais especificamente aqueles nascidos entre 2000 e 2010, são chamados como "nativos digitais". Ou seja, nasceram e cresceram em um ambiente totalmente digitalizado. Nesse sentido, os olhares recaem sobre como os jovens têm se relacionado com essa selva virtual, principalmente quando se considera que esse ambiente pode ser o propagador de padrões estéticos.

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Ainda na seara dos transtornos alimentares, o doutor Gurgel alerta para o aumento da anorexia nervosa entre homens e meninos: "Nessa busca por um corpo definido e musculoso, com baixa porcentagem de gordura, pode surgir um comportamento que vai levar ou mascarar algum transtorno alimentar mais grave".

SAÚDE DAS REDES SOCIAIS Quem pode largar na frente dentro das redes sociais são os perfis que prezam por propagar noções de saúde. Com mais de 7 milhões de seguidores no Instagram, pode-se dizer que Paulo Muzy é um desses casos. Ele, que é médico, diz ter como objetivo fazer as pessoas compreenderem "que estética só é um ganho permanente quando ele está atrelado à saúde. Não é possível fazer uma estética que seja fora de um ambiente de saúde".

Especialista em medicina esportiva, Paulo Muzy produz seu conteúdo pensando principalmente em atletas e em pessoas que buscam o emagrecimento. Segundo o próprio Paulo - ou só Muzy, como seus seguidores o chamam - o conteúdo não é prioritariamente voltado ao público infantojuvenil, mas ele sabe que suas postagens sobre musculação, dieta e até conselhos de vida alcançam o público. No fim, ele acaba vendo isso como uma "responsabilidade incrível".

No dia a dia do consultório, Paulo atende majoritariamente pacientes que tiveram complicações causadas por "rotinas, intervenções, condutas e aconselhamentos feitos por médicos, nutricionistas, profissionais de educação física e pessoas sem formação" (alguns deles inclusive o fazem dentro das redes sociais).

Com menos possibilidades de intervenção, suas redes sociais acabaram sendo um canal para propagar informação e reflexão aos seguidores. "Eu não falo para as pessoas que elas têm que ser mais ou menos bonitas ou que elas têm que ser mais ou menos magras. O que eu falo é que elas têm que cuidar da saúde delas. Elas têm todo o direito de buscar aquilo que é a imagem da identidade delas. Só que elas têm o dever de fazer isso de uma forma saudável", afirma.

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A equipe de Paulo conta com profissionais de diversas áreas da saúde, incluindo psicólogos. Neste trabalho em conjunto, ele percebeu que saúde física e mental nem sempre andam de mãos dadas: "As pessoas começaram a buscar a atividade física por falta de saúde mental. Elas colocavam determinadas expectativas nos exercícios que não faziam sentido de realizar", ele conta.

Em 2020, foi lançada na internet uma campanha por mais corpos reais masculinos na publicidade. É a Men of Manual, encabeçada pela Manual - organização focada no bem-estar e na saúde mental dos homens e sediada no Reino Unido  

MENINOS PODEM CHORAR? Dentro do público masculino, a questão da saúde mental ganha outros contornos. De acordo com a pesquisa "O silêncio dos homens", de 2019 e que ouviu 20 mil homens, 73% dos adolescentes de 14 a 17 anos afirmaram ter aprendido quando menino que tinha que ser forte fisicamente. A maioria também diz ter aprendido a não demonstrar fragilidade e somente 20% tinham exemplos práticos e frequentes de como lidar com as próprias emoções de maneira saudável.

Diante desse cenário, Guilherme Valadares sugere que a pauta da saúde mental seja incorporada inclusive pelos perfis de saúde e estética: "Formações em equilíbrio emocional e em compaixão para homens são coisas que me parecem bem mais carentes. Essas coisas não andam em oposição ao aspecto físico. É maravilhoso quando podemos juntar esses elementos". "Entender com maior profundidade a maneira como a solidão masculina atravessa as gerações atuais de meninos seria uma responsabilidade não só desses influenciadores, mas de todos nós", completa.

Ao analisar os novos perfis que influenciam milhões de pessoas, inclusive homens, especialistas concordam que propagar a saúde é uma mensagem importante, mas ainda assim fazem alguns alertas: "A relação com estética muda ao longo dos séculos, mas há uma crescente preocupação dos homens com imagem e estética. Em um primeiro momento é normal. O que pode levantar alerta é quando passa para o nível de obsessão", afirma Guilherme lembrando que historicamente o esporte já foi usado como ferramenta de construção da identidade masculina.

No âmbito da saúde, o doutor Gurgel adverte que a "cultura da dieta" encontrada em alguns perfis do Instagram pode ser deletéria para quem tem pré-disposição para transtornos alimentares. No caso dos adolescentes, ele faz uma recomendação aos pais: "O segundo conselho é que os pais consigam falar abertamente sobre esses conteúdos e eventualmente acessar junto e exercer uma avaliação crítica do que o adolescente tem visto".

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* colaborou André Derviche

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