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Comportamento Adolescente e Educação

Jovens da Geração Z vivem momento de 'cura social', diz especialista

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Por Carolina Delboni
Atualização:

Na busca por relações mais saudáveis dentro das redes sociais, adolescentes têm encontrado novos meios para fazer amigos, baixar ansiedade e estresse, além de melhorar a autoestima

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A Tik Toker americana Marissa Meizz, depois de sofrer cancelamento nas redes por supostos amigos, em 2021, convocou em seu canal um encontro amistoso para conhecer novas pessoas. Chamado de "No More Lonely Friends", a proposta era tirar jovens como ela do limbo da internet.

O evento aconteceu no Central Park, em Nova York e contou com a presença de 200 pessoas. Um ano depois, a proposta da jovem se espalhou por outras capitais dos Estados Unidos, ganhou força e muito mais pessoas.

Cancelamentos e bullying são fenômenos presentes nesta geração e eles precisam lidar com episódios que, muitas vezes, provocam sofrimentos profundos. Dentro de escolas ou das próprias redes, a ação de um grupo contra uma única pessoa são violências que poucos adolescentes estão aptos a enfrentar.

Normalmente os episódios desencadeiam doenças psicológicas e problemas de saúde. Em casos extremos, são gatilhos para suicídios. Não é comum o caso da americana Marissa que fez do sofrimento um novo começo, mas adolescentes estão percebendo que existem possibilidades de relações mais saudáveis dentro da internet e este movimento está sendo chamado de 'cura social', por especialistas.

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Imagem da Our Era Magazine, revista digital voltada aos adolescentes  Foto: Estadão

Jovens da chamada Geração Z, com idades entre 12 e 25 anos, nascidos entre 1997 e 2010, começam a sair do estado de inércia que a pandemia os colocou para mostrar ao mundo que "não é bem assim". Conhecidos como 'nativos digitais', estão chegando à sua maioria em meio a incertezas sociais e econômicas e à ansiedade em relação as questões climáticas, mas dispostos a mudar o estado de espírito.

Lidando com as pressões cotidianas, como desempenho escolar, vestibular, saúde mental e sexualidade, entre outros assuntos, os jovens têm se esforçado para cuidar da saúde e priorizar a felicidade através de um estilo de vida mais saudável e equilibrado.E é justamente aqui que entra a mudança na forma como eles se relacionam com - e nas - redes sociais.

Segundo Mirela Dufrayer, Líder de Marketing na WGSN América Latina, agência de tendências em comportamento e consumo, jovens de todo o mundo estão recorrendo a atividades em grupo para fortalecer laços, superar traumas e mitigar os efeitos negativos do estresse, da ansiedade e do isolamento social.

A pandemia deixou a marca da saúde mental nesta geração. Pouco mais de dois anos depois do início do isolamento social, 30% dos jovens afirmam que não sabem mais fazer amigos e nunca se sentiram tão sozinhos, segundo uma pesquisa do Prince's Trust. Os números de depressão, ansiedade e fobia são bem expressivos e alarmantes.

"Ainda que tenha sido intensificada pela pandemia, a crise de saúde mental que aflige a população jovem começou antes desse período, afetando diferentes grupos raciais e étnicos, áreas urbanas e rurais e todas as classes sociais", fala Mirela. "Hoje, muitos deles estão participando de eventos sociais para aliviar ansiedade, diminuir seu estresse e curar os traumas coletivos causados pela pandemia. Essa prática pode ser descrita como cura social, uma versão mais jovial da cura holística".

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Para os jovens da Geração Z, a sensação é de que perderam dois anos de suas vidas e agora precisam recorrer a novos canais para reconstruir os vínculos, buscar relações que não existiram e viver as experiências que foram suspensas. E como eles têm feito isso? Procurando organizar eventos, encontros e atividades que promovam a chamada 'economia de conexão'.

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"Novos apps, plataformas e comunidades híbridas estão contribuindo para a criação desta conexão - e, de quebra, abrindo o caminho para a fundação de uma Comunidade 3.0", fala a Líder de Marketing da WGSN.

Um reflexo dos efeitos deste 'novo começo' é a migração em massa de adolescentes e jovens para a rede social BeReal. A plataforma foi criada em 2020, início da pandemia, com a proposta de levar às redes fotos e imagens sem filtros, sem recursos de alteração e momentos que muitos não postariam não fosse a "obrigação" de publicar no momento em que o app alerta o usuário.

"Outro dia eu estava no lavatório do cabeleireiro quando recebi o alerta de postagem", conta Gabriela, 15 anos. "No Instagram eu nunca postaria uma foto dali, mas o legal do BeReal é justamente isso. A gente não tem como produzir foto, nada, e também você pode ver os outros nesses momentos mais engraçados e descontraídos. Eu gosto mais", explica.

O aplicativo que só permite uma postagem por dia já tem mais de 4 milhões de usuários/ mundo e é um dos mais baixados no Brasil. A rede traz alguns benefícios para os adolescentes como o controle do tempo de uso; a possibilidade de se afastar das imagens tóxicas da internet, aquelas que usam filtro e revelam uma vida ilusória; e não existe contagem de seguidores ou hashtag, nada que incentive ou produza o que a gente chama de 'cultura influenciadora'. Ou seja, não existem influencers por aqui.

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Claro que como todo e qualquer lugar novo neste mundo é preciso estar atentos a algumas questões, mas fato é que o BeReal tem atraído os adolescentes porque eles encontram ali uma maneira mais saudável de se relacionar no ambiente virtual.

Acredita-se que é agora, a partir de 2022, que a cultura jovem começa a migrar de uma falta de atenção generalizada para ações mais intencionais. O que isto quer dizer? "Que a busca por mais intencionalidade irá abarcar todo o espectro das decisões que definem a vida desse grupo: dos produtos que compram às séries que assistem, chegando até as roupas, escolhas estéticas e relação com a internet", explica Mirela.

E para que tudo isso aconteça e dê certo, de fato, o entorno e o entretenimento precisam mudar. Novas experiências coletivas oferecem à juventude uma chance de relaxar, socializar e se inspirar.

Inaugurada em maio de 2022 em Londres, a Dreamachine é uma instalação imersiva criada por Jennifer Crook, artista especializada em arte participativa. A ideia é que a experiência seja vivenciada de olhos fechados - o que significa que ela não é instagramável.

Nos Estados Unidos, outra TikToker, a Brianna Kohn, criou o City Girls Who Walk, um coletivo novaiorquino que tem a missão de organizar passeios urbanos em grupo. A proposta é que as pessoas possam fazer novos amigos e recuperar um senso de normalidade no pós-pandemia - tudo que eles mais querem.

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Encontrar amigos virtuais virou vida real - ou física. Adolescentes e jovens querem recuperar os momentos e as possibilidades de vivência que perderam ao longo da pandemia, mas com qualidade e saúde. Não vale a saída pela saída, o amigo pelo amigo, ou o like pelo like.

É preciso que os encontros promovam felicidade e bem estar genuínos. É preciso ajudá-los a retomar as relações físicas, presenciais. É preciso ajudá-los a restabelecer os vínculos, os laços. Refazer as relações sociais e reaprender a estar em sociedade. E pra isto, temos nós - adultos - que reaprender também. A busca é pela cura social - e real.

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