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A casa tropical na visão de Paulo e Bernardo Jacobsen

Apresentando residências erguidas na cidade, campo ou litoral, arquitetos falam de seu trabalho e comentam o lançamento, este mês, da primeira coletânea de suas obras, editada pela prestigiada Thames&Hudson londrina

Por Marcelo Lima
Atualização:
Residência construída em Bragança Paulista pela Jacobsen Arquitetura traz teto e beirais pronunciados Foto: FG+SG

Diferentemente da casa modernista, já fartamente documentada, a história da arquitetura residencial contemporânea produzida no Brasil está ainda para ser contada. Ainda assim, para além da nítida herança modernista, duas vertentes parecem ter orientado a prática de nossos arquitetos a partir da década de 1970: de um lado, uma abordagem mais dogmática, de linhas brutalistas e centrada no uso do concreto. De outro, um projeto baseado na propagação de conceitos praticamente idênticos. Porém, a partir de uma perspectiva mais autônoma e sintonizada com a paisagem e os materiais locais. Sobretudo a madeira e a pedra. Desse segundo grupo de profissionais faz parte a dupla carioca, pai e filho, Paulo e Bernardo Jacobsen. “Acho que a gente não se apoia em nenhuma linha ou definição prévia de escolas arquitetônicas”, considera Paulo. “Cada um de nossos projetos nasce do diálogo com os desejos dos clientes e se ergue abraçando as características de cada local. Não há formas preconcebidas: a ideia é produzir uma simbiose da construção com o entorno”, sinaliza Bernardo.  Fundada em 2011, a atual Jacobsen Arquitetura nasceu da antiga firma Bernardes + Jacobsen, fruto da associação de Paulo com o arquiteto Claudio Bernardes, morto em 2001. Com uma ampla vivência internacional – ele trabalhou nos escritórios de Christian de Portzamparc e Shigeru Ban, ambos vencedores do prêmio Pritzker, considerado o Oscar da Arquitetura –, com o tempo, Bernardo estabeleceu sua própria reputação. Mas, há quase dez anos, continua a trabalhar em estreita colaboração com o pai, sobretudo em seus projetos residenciais. 

Interiores se integram a jardim na casa construída em Bragança Paulista Foto: Leonardo Finotti

Com referências que vão do colonial português às ocas indígenas – passando pelas casas modernas californianas e pela arquitetura vernacular japonesa –, a arquitetura praticada pela dupla escapa a definições. Excede em rigor. Em proporções bem estudadas, transparências e plantas abertas. Mas também não economiza em volumes imponentes, telhados e beirais pronunciados. E, em função de tudo isso, acabou ganhando o reconhecimento da comunidade internacional.  Apresentando 25 residências erguidas em espaços urbanos, no campo ou no litoral – 24 delas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia e uma em Melbourne, na Austrália –, Casa Tropical, o primeiro livro retrospectivo da obra da dupla, chega ao mercado internacional no fim deste mês. Trata-se também do único título de arquitetura brasileira publicado pela prestigiada Thames & Hudson, editora londrina especializada na bibliografia de arquitetura e design. Em sistema de pré-venda, a obra pode ser encontrada na Amazon (amazon.com), por R$ 442,90. Ao todo, a obra reúne mais de 300 fotografias, produzidas especialmente para a edição, de casas construídas a partir de 2012 – além de projetos em andamento nos Estados Unidos, na Bélgica, no Caribe e nas Ilhas Fiji. A seleção dos projetos contou com a orientação de um dos mais competentes autores da área, o norte-americano Philip Jodidio, que assina também o texto de apresentação. Isolados na serra fluminense, mas relativamente próximos um do outro – Bernardo em Nogueira, Paulo no Vale das Videiras –, eles concederam entrevista exclusiva ao Estadão, por videoconferência. Pai e filho falaram de arquitetura, elencaram elementos essenciais em seus processos criativos e, entre um assunto e outro, expressaram a fina sintonia que sustenta uma bem-sucedida associação familiar, que completa uma década em 2021.

Os arquitetos Paulo (sentado) e Bernardo Jacobsen posam com livro recém-lançado Foto: Leo Aversa

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O livro traz 25 casas, implantadas em locações e países diversos. É possível estabelecer um traço comum entre elas?Paulo: Basicamente, a vinculação direta com a topografia de cada terreno e com as condições locais de incidência de luz solar. Parece elementar, mas me arrisco a dizer que é a partir desses dois parâmetros que definimos todos os demais elementos que entram na composição de nossas casas – volumetria, aberturas, transparências. Por outro lado, diria que somos obsessivos quando o assunto é proporção. Para atingir o equilíbrio ideal entre altura e largura em determinado espaço, por exemplo, desenvolvemos quantos modelos forem necessários (ergue uma das muitas maquetes que circundam sua mesa de trabalho). Nesse sentido, não é exagero dizer que nossas casas nascem de dentro para fora. Depois, existe a questão dos telhados, que procuramos valorizar em nossos projetos. Mas esse é um assunto que prefiro deixar para o Bernardo. 

A propósito, telhados e beirais são dois elementos que distinguem muitas das casas apresentadas no novo livro. De onde vem esse interesse? Bernardo: Não posso negar que os anos que passei no Japão (por cerca de um ano ele atuou no escritório do celebrado arquiteto nipônico Shigeru Ban) foram decisivos para a forma como passei a olhar para telhados e beirais. A convivência com os templos, em particular, abriu meus olhos para a possibilidade deles conferirem identidade, conferirem uma cara a construções aparentemente indiferenciadas. Obviamente, as condições climáticas por lá são muito diferentes das nossas, nos trópicos, mas, transpostos para a arquitetura que produzimos, eles, além de identificar, podem aumentar o controle sobre luz e sombras. Daí por que acredito que acabaram se adaptando tão bem a nossos projetos residenciais, que enfatizam tanto a relação entre dentro e fora. 

Existe algo de espetacular, de grandioso, em muitas das casas projetadas por vocês. E isso se deve, na maioria das vezes, à integração com a paisagem, aliada ao uso de materiais naturais. Como se dá essa simbiose?Paulo: Além da paisagem carioca, que sempre foi uma referência muito forte, comecei minha vida profissional construindo casas de veraneio na baía da Ilha Grande. Em Paraty e Angra dos Reis, mas também em algumas ilhas da região. Isso me colocou em confronto direto com o mar e com trechos preservados da Mata Atlântica. As casas construídas nessa área foram assim, naturalmente concebidas como áreas de descanso e contemplação. Não havia sentido em se fechar, em olhar para dentro, mas, sim, exatamente o contrário. O fato de estarmos praticamente imersos dentro de reservas ambientais também nos motivou a buscar uma maior integração com o entorno, e a usar materiais naturais como a madeira, a palha, a rocha. Dessa forma, passamos a exercitar uma arquitetura feita de poucas paredes, onde portas de correr substituem janelas, os jardins dialogam com os interiores e a paisagem se torna elemento quase indissociável de cada obra. Acho que, em síntese, é essa a visão que nos caracteriza e desperta o interesse pelo nosso trabalho. Tanto que, após tantos anos, continuamos sendo chamados para reproduzir esse mesmo processo, em recriar semelhante atmosfera, em qualquer lugar do mundo. Até mesmo em interiores.

Como a questão da sustentabilidade aplicada ao projeto, assunto hoje de primeira ordem, se liga às casas projetadas pelo escritório?Bernardo: De fato, não há dúvidas de que a questão ganhou uma importância muito maior nos dias de hoje. Mesmo entre nossos clientes. Alguns chegam, inclusive, a solicitar de nós que suas casas sejam uma espécie de manifesto da ideia de sustentabilidade aplicada à construção. Para nós, no entanto, dentro do tipo de arquitetura que produzimos, ela sempre esteve presente. Começa, por exemplo, no estudo detalhado que fazemos de cada terreno no sentido de evitar movimentos de terra, ou mesmo de rochas, desnecessários. Ou na atenção que dispensamos aos estudos sobre a incidência de radiação solar para aproveitar ao máximo a iluminação natural e, assim, diminuir o consumo de energia. Uma preocupação que se prolonga nos interiores da casa, onde procuramos ampliar a ventilação cruzada, para evitar o acionamento do sistema de ar-condicionado. Isso tudo sempre fez e fará parte do nosso processo construtivo. Para avançar na pauta, porém, o que temos enfatizado hoje é o uso de materiais tecnologicamente mais avançados, capazes de reduzir ao máximo o impacto ambiental, como laminados de última geração, em substituição à madeira. Hoje empregamos variedades raras apenas para trabalhos específicos de acabamento. O uso da teca brasileira, proveniente de florestas de manejo sustentável, continua sendo um dos pontos altos de nossos projetos. Por dentro e por fora.

Muito se tem falado também da arquitetura da era pós-pandemia. Como veem o futuro próximo? Paulo: Acredito que não só a arquitetura, mas todos os aspectos da vida passarão a ser vistos com maior atenção, com maior comprometimento. Por mais irônico que pareça. Tivemos de passar por esta experiência muito ligada à ideia de morte para valorizar a vida. Certamente vamos nos aproximar mais da natureza, vamos querer viver mais no campo ou na praia, ou mesmo em condomínios onde os centros urbanos possam ser acessados, mas a qualidade de vida se mantém. E, nesse cenário, acredito que a arquitetura terá um papel importante a desempenhar. 

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Vista aérea de projeto implantado pela Jacobsen Arquitetura em Angra dos Reis Foto: FG+SG
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