Postagens enganam ao omitir que efeito colateral relatado pela AstraZeneca é raro e já era conhecido

Síndrome de trombose com trombocitopenia, reconhecida pela farmacêutica à Justiça britânica, foi listada por agência europeia em 2021 como adversidade ‘muito rara’ após vacinação; incidência no Brasil é de um caso a cada 100 mil, segundo Ministério da Saúde

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Por Gabriel Belic
Atualização:

O que estão compartilhando: que a farmacêutica AstraZeneca admitiu, pela primeira vez, que sua vacina contra a covid-19 pode ter efeitos colaterais graves.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso, porque há omissão de informações. De fato, a AstraZeneca afirmou em documentos judiciais que seu imunizante contra a covid-19 pode causar efeitos colaterais raros. No entanto, conteúdos virais omitem que o efeito adverso relatado, a síndrome de trombose com trombocitopenia (TTS), é raro. A notícia foi originalmente publicada pelo jornal britânico The Telegraph neste domingo, 28, sob o título “AstraZeneca admite que sua vacina Covid pode causar efeitos colaterais raros em documentos judiciais pela primeira vez”.

Em 2023, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que produz a vacina AstraZeneca no Brasil, explicou que efeitos adversos graves, como a síndrome de trombose com trombocitopenia, são “extremamente raros e possivelmente associados a fatores pré-disponentes (fatores de risco) individuais”. À época, o Ministério da Saúde reforçou que todas as vacinas ofertadas são seguras, eficazes e aprovadas por órgãos competentes, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Postagens omitem que efeitos colaterais de vacina admitidos por AstraZeneca são raros Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: de acordo com reportagem do jornal The Telegraph, a AstraZeneca está sendo processada por uma ação coletiva, na qual 51 famílias solicitam uma indenização de até £ 100 milhões – equivalente a cerca de R$ 650 milhões. Elas alegam que as vacinas causaram mortes ou sérios problemas à saúde.

Em documento à Justiça britânica, a farmacêutica afirmou que a vacina “pode, em casos muito raros, causar síndrome de trombose com trombocitopenia (TTS)”. A TTS é caracterizada pela formação de coágulos de sangue, o que pode acarretar o entupimento de veias e artérias.

Embora a AstraZeneca tenha admitido o fato à Justiça, a informação sobre coágulos já havia sido alertada anteriormente. Em 2021, conforme noticiado pelo Estadão, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concluiu que casos de coágulos sanguíneos que surgiram em vacinados pela AstraZeneca deveriam ser listados como efeitos colaterais “muito raros” do imunizante.

À época, vários países haviam suspendido uso da vacina de Oxford/AstraZeneca. Países da Europa alegaram que a decisão foi tomada como forma de precaução após o registro de casos de trombose entre imunizados na região.

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Em agosto de 2021, uma nota técnica do Ministério da Saúde explicou que os eventos adversos pós-vacinações de trombose com plaquetopenia raros relatados na Europa “ocorreram dentro de um período de 30 dias após a vacinação (mais comumente entre 4 e 30 dias), numa incidência aproximada de 1 caso a cada 100 mil doses aplicadas, ou seja, 0,001% dos indivíduos vacinados”. O documento ressaltou que os benefícios da vacinação contra a covid-19 superam os riscos potenciais.

Já em 31 de dezembro de 2022, considerando os raros eventos relatados da TTS após a vacinação, o Ministério da Saúde atualizou as recomendações de uso de imunizantes da Astrazeneca e Janssen, ambos fabricados com tecnologia de vetor viral. O documento definiu que o indicado seria que essas vacinas fossem aplicadas para uma determinada faixa etária. Neste documento, a incidência de ocorrência relatada nos diferentes países é uma estimativa entre 0,2 casos por 100 mil doses aplicadas até 3,8 casos por 100 mil doses aplicadas.

“As vacinas de vetor viral estão indicadas para uso na população a partir de 40 anos de idade e; em pessoas de 18 a 39 anos de idade, devem ser administradas preferencialmente vacinas covid-19 da plataforma de RNAm, entretanto, nos locais de difícil acesso ou na indisponibilidade do imunizante dessa plataforma, poderão ser utilizadas as vacinas de vetor viral (Astrazeneca e Janssen)”, afirma o item 3.7 da nota.

Como explicou o Estadão Verifica em outra checagem, para a faixa etária acima de 40 anos, o risco de se apresentar esse tipo de efeito colateral grave é ainda mais raro. Já para a população entre 18 e 39 anos, a pasta recomenda preferencialmente a aplicação da vacina desenvolvida pela Pfizer, já que utiliza a tecnologia de RNA mensageiro.

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Em abril de 2023, o Ministério da Saúde publicou uma nota sobre o uso da vacina AstraZeneca/Oxford, produzida pela Fiocruz, e reforçou que o imunizante foi “extremamente importante” para a redução de óbitos pelo coronavírus. Nessa época, a Fiocruz destacou que efeitos adversos graves, como a síndrome de trombose com trombocitopenia, “são extremamente raros e possivelmente associados a fatores pré-disponentes individuais”.

“Os eventos adversos, inerentes a qualquer medicamento ou imunizante, são raros e ocorrem, em média, um a cada 100 mil doses aplicadas, apresentando risco significantemente inferior ao de complicações causadas pela infecção da covid-19″, afirmou o Ministério da Saúde, em nota.

Novamente, em novembro de 2023, o ministério reforçou a garantia de que os efeitos adversos da vacina são leves. Conforme informado pela Anvisa, as reações comum do imunizante da AstraZeneca são sensibilidade, dor, sensação de calor, coceira ou hematomas, cansaço, calafrios, dor de cabeça, enjoo, dores musculares e nas articulações, diarreia, e sintomas semelhantes aos de um resfriado, como dor de garganta, coriza e tosse.

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De acordo com o boletim de monitoramento da segurança das vacinas Covid-19 no Brasil até a semana epidemiológica número 11 de 2023, os eventos graves notificados com relação provável ou possível com a vacinação foram principalmente: hipersensibilidade graves, síndrome de trombose com trombocitopenia, eventos de pericardite miocardite e a síndrome de Guillain-Barré.

Como lidar com postagens do tipo: as vacinas contra covid-19 comumente são alvo de desinformação. Neste caso, a postagem omite uma informação importante para espalhar uma mentira sobre os efeitos colaterais graves do imunizante produzido pela AstraZeneca. Procure notícias confiáveis sobre o assunto, que contextualizem o fato e expliquem a totalidade do caso. É possível fazer uma pesquisa por palavras-chave no seu buscador de preferência (aqui, a reportagem buscou por “AstraZeneca”, “vacina” e “efeitos colaterais”).

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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