Feminismo, streetwear e xadrez em Paris

Do branco ao gótico, a semana de moda francesa dita as tendências de verão 2016 que irão dominar as vitrines do mundo todo

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Por Maria Rita Alonso e Giovana Romani
Atualização:
Backstage do desfile da grife Chanelna Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Louis Vuitton se inspirou nos mangás, Valentino nas tribos africanas, Balenciaga buscou referências na Grécia antiga e Chanel montou um aeroporto em plena passarela. Todo o mundo influencia Paris e Paris influencia o mundo todo. São as coleções apresentadas na semana de moda da capital francesa que apontam tendências e indicam o que estará nas vitrines - das grifes de luxo, de marcas pequenas e de redes de fast fashion. E o que deve pegar? Depois desta temporada de lançamento de prêt-à-porter para a primavera-verão de 2016, encerrada na última quarta-feira, 8, pode-se afirmar que: listras e xadrez dos mais variados estilos surgem como padronagem da vez, o branco (de novo) será unanimidade fashion, o prateado desbancou o dourado, o streetwear, com jaquetas surradas e boné para trás, aparece agora em versão deluxe e o visual gótico suave, sucesso entre meninas na internet, também ganhou grife. 

O supersexy vem renovado graças às tramas vazadas, bem abertas, que finalmente desbancam o tule transparente e os recortes, já tão batidos. Outro clássico do verão, a estampa floral perdeu vez para o “safári exótico”, look que mistura estampas tropicais amplas, referências étnicas e técnicas artesanais. Tudo muito urbano, usável e desejável. Ou quase tudo: algumas coleções têm sapatos que enfeiam, silhuetas que envelhecem e acessórios que infantilizam, mesmo contendo ironia (a exemplo das coroinhas de princesa usadas pelas modelos com cara de recém-saídas da balada da Saint Laurent).

Desfile da grife Saint Laurent na Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

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Além de tendências, os desfiles que ocorreram na sequencia das semanas de Nova York, Londres e Milão levantaram duas questões importantes: a magreza exagerada das modelos e a percepção de que o número de estilistas mulheres no comando é menor do que o de homens. Em Paris, o baixo peso de algumas meninas chamou tanta atenção quanto as roupas. A Assembleia Nacional francesa aprovou, em abril, a proibição de mulheres excessivamente magras em passarelas e sessões de fotos. O projeto de lei, uma emenda à Lei Nacional da Saúde, deve ser votado em breve pelo senado e determina que apenas meninas com o índice de massa corporal acima de 18 podem trabalhar. Contratantes que desrespeitarem a regra estarão sujeitos à penalidades que vão de pagamento de multa a prisão. 

Trata-se de uma ideia ainda incipiente nos bastidores do universo fashion, mas já dá para dizer que há certo feminismo emergindo. Além da preocupação com a imagem feminina e os difíceis padrões corporais impostos, a questão do gênero se estende ao campo profissional. Por que há mais estilistas homens do que mulheres na direção criativa das principais grifes? “Homens muito menos talentosos ganham os melhores cargos por causa de uma percepção de que têm um tempero extra-macho, mas os resultados nas passarelas várias vezes desapontam”, escreveu Cathy Horyn, crítica de moda da revista New York, sobre a temporada. Pode ser o início de um novo movimento feminista na moda, de Paris para o mundo. Assim como as tendências.

Branco e prata

Desfile da grife Isabel Marant na Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Dizer que o branco estará na moda no verão não é lá grande novidade. Mas o assunto aqui é Paris e, no prêt-à-porter parisiense, o grau de sofisticação proposto pelos estilistas muda tudo. Esqueça o visual enfermeira, esqueça o blazer branco que vai (sozinho) para o escritório. O que se viu foram sedas e bordados altamente trabalhados na passarela de Isabel Marant, babados cheios de soberba exibidos pela modelo brasileira Caroline Ribeiro no desfile da Balmain e peças sofisticadas de boa parte da coleção da Dior - que, por sinal, elevou o requinte à potencia máxima com pregas de seda onduladas em saias fluidas, jaquetas de chiffon com bordados majestosos de flores, looks inteiros de organza armada. Um luxo cheio de frescor. 

Safari exótico

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Desfile da grife Valentino na Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Você faz o estilo boêmio, já foi meio hippie, ama motivos étnicos? Então, a partir dos próximos meses há alguns novos caminhos na moda para você. O mais expressivo vem da África e foi muitíssimo bem colocado na passarela pela Valentino. Os vestidos escuros, em tecidos levíssimos e transparentes, trouxeram detalhes tribais interessantes, que certamente renderão muitos desdobramentos nas vitrines dos shoppings. A estampa floral, por sua vez, chegou em versões exóticas e estilizadas, perfeitas para serem usadas na cidade. As mais marcantes delas surgiram nas passarelas de Rochas, Dries Van Noten e Maison Margiela.  Telas, tramas e lantejoulas

Desfile da grife Balmainna Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Roupas cheias de textura desafiam os grandes estilistas há algumas temporadas. Desta vez, uma leva boa deles escolheu redes e telas para realçar a sensualidade da coleção. No lugar das rendas trabalhadas e dos tules, as redes em tecidos quadriculados injetaram modernidade a looks de marcas como Louis Vuitton, Chanel e Balmain. Lantejoulas grandes, em formatos variados, também trazem luxo à cena. Palmas para Balmain, que causou com um vestido supercurto apresentado pela modelo Gigi Hadid. Ela que tem um corpo lindo e curvilíneo, por sinal, vem recebendo destratos nas redes sociais justamente por ter curvas. Uma loucura. É, realmente, uma pena que a maioria das modelos de hoje em Paris hoje sejam tão magrinhas e sem vida para sustentar peças tão sofisticadas. Elas quase tiram o brilho das roupas.

Gótico suave

Desfile da grife Louis Vuitton na Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

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Para a Louis Vuitton, é hora de rejuvenescer a sua clientela. E o estilista Nicolas Ghesquière vem cumprindo a missão com louvor ao apresentar roupas criadas à imagem e semelhança da nova geração. Nesta temporada, ele questionou as fronteiras entre o digital e o real (ou seria a falta delas?). Mangás, games e filmes futuristas serviram como ponto de partida para uma coleção meio cyberpunk, ou, na linguagem das redes sociais, #góticasuave. Ao definir um estilo que mescla atitude e delicadeza, a hashtag cai como uma luva para o visual de algumas modelos. Como Fernanda Ly, a top de cabelos cor de rosa que abriu o desfile vestindo jaqueta perfecto também rosa, saia de couro cortada a laser, sandálias pesadas nos pés e manoplas de couro nas mãos. Vestidos escuros bordados, tricôs vazados e calças estampadas completam a tendência com um quê de agressividade, mas sem clichê. Vale a hashtag.

Listras e xadrez

Desfile da grife Stella McCartney na Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Para que se prender a uma padronagem e a uma cor se você pode ter todas? No desfile de Stella McCartney, xadrez e listras apareceram em combinações, tons e estilos diversos. Teve vermelho toalha de piquenique, amarelo e preto, verde e azul. Um arco-íris desmembrado em tomaras que caia plissados, saias um pouco acima do tornozelo (nem mídis nem longas) e graciosas camisas pólo, totalmente revisitadas e inacreditavelmente sofisticadas. A prova de que o chique sem esforço pode ser multicolorido e divertido até. O chique com esforço também, como mostrou Karl Lagerfeld, da Chanel, com o macacão e os conjuntos xadrez das mais diferentes espécies para as mais diferentes mulheres. Tem tudo para virar hit - e nada a ver com o grunge 90's invernal, ok?

Streetwear 

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Desfile da grife Chanelna Semana de Moda de Paris Foto: Divulgação

Boné para trás, óculos espelhados, correntes no pescoço. Poderia ser a descrição de um rapper americano ou de um funkeiro ostentação. Mas trata-se do visual de algumas das modelos da Chanel - com passe livre para fazer o que bem entende, o kaiser Karl Lagerfeld usou e abusou de signos relacionados à cultura jovem e urbana. Isso, em nome do conforto e da atitude globetrotter que inspirou sua coleção, cujo tema ‘viagem’ (literalmente) levou a grife a montar uma sala de embarque em pleno Grand Palais. Se o streetwear ganhou versão deluxe na passarela da maison, ele foi tratado com secura por Hedi Slimane, o visionário e supercomercial estilista da Saint Laurent. Modelos de cabelos desgrenhados arrematados por coroas de princesa (?) mostraram jaquetas jeans surradas com cara de anos 90, combinadas a galochas e vestidinhos de seda, que nem parecem custar os milhares de dólares que estarão em breve em suas etiquetas. 

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