O governo dos Estados Unidos começou a preparar o uso de técnicas coercitivas em interrogatórios antes de elas serem legalmente autorizadas, durante a gestão do então presidente George W. Bush . Estas técnicas, agora tipificadas como formas de tortura, começaram a ser concebidas semanas após a CIA capturar seu primeiro suspeito de terrorismo considerado de alta periculosidade, conclui um relatório do Senado americano.O documento de 263 páginas do Comitê de Serviços Armados do Legislativo que foi divulgado nesta quarta-feira, 22, revela novos detalhes sobre o processo que levou à autorização de métodos coercitivos em interrogatórios de suspeitos de integrar a rede terrorista Al-Qaeda.
O Congresso atesta "que membros do alto escalão do governo dos EUA solicitaram informação sobre como usar técnicas agressivas, redefiniram a lei para criar a aparência de legalidade e autorizaram sua aplicação aos presos". O documento lembra que, em 7 de fevereiro de 2002, George W. Bush assinou um memorando anulando o Artigo 3 do Convenção de Genebra, que se refere ao tratamento de prisioneiros de guerra, em relação a detidos da Al-Qaeda e do Taleban. O governo classificou-os como "combatentes inimigos" e indicou que não lhes correspondiam as proteções da Convenção de Genebra, dado que não eram membros de organizações militares formais.
Em dezembro de 2001, mais de um mês antes de Bush assinar este memorando, um escritório jurídico do Departamento de Defesa já havia pedido informação sobre "abuso" de presos à JPRA, agência do Pentágono que treina militares americanos para resistir a técnicas de interrogação ilegalizadas pela Convenção de Genebra. Este treino, conhecido como "Sobrevivência, Evasão, Resistência e Escape" (Sere), simula as pressões físicas e psicológicas às quais os soldados podem ser submetidos caso sejam capturados por inimigos que não se ajustam à Convenção de Genebra. Essa agência começou seu trabalho em 2002 e o continuou pelos dois anos seguintes.
O relatório do Congresso também revela que, enquanto o governo preparava o processo legal para autorizar os interrogatórios "coercitivos", treinava agentes da prisão de Guantánamo sobre estas técnicas. Segundo o documento do Senado, o próprio secretário de Defesa naquela época, Donald Rumsfeld, aprovou o emprego de técnicas agressivas contra presos em Guantánamo. Depois, os militares americanos na prisão naval de Cuba começaram a elaborar procedimentos operacionais para aplicar as técnicas do Sere nos interrogatórios.
A autorização de Rumsfeld também chegou ao conhecimento de agentes no Afeganistão, para onde uma cópia do memorando foi enviada de Guantánamo. Ele anulou, em janeiro de 2003, sua decisão sobre Guantánamo, mas o documento seguiu influenciando os interrogatórios, segundo o Congresso. Estas práticas então passaram do Afeganistão ao Iraque e, com isso, à cadeia de Abu Ghraib, onde soldados americanos foram flagrados praticando maus-tratos contra prisioneiros.
Processo contra oficiais
Na véspera, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deixou aberta a possibilidade de se processar oficiais que autorizaram o uso de técnicas de interrogatório consideradas abusivas contra supostos extremistas. Segundo a BBC, no entanto, afirmou que a decisão de se processar ou não estas autoridades cabe ao procurador-geral dos EUA, Eric Holder. Nesta quarta, Holder afirmou que os EUA seguirão as evidências que forem apresentadas e cumprir as leis de acordo com elas. "Ninguém está acima da lei", afirmou o secretário, reiterando que o Departamento de Justiça não tem a intenção de processar nenhum funcionário da CIA que tenha atuado "de boa fé" para seguir orientações oficiais.
O presidente também reiterou que a legislação antitortura dos EUA não será usada contra agentes da CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) que usaram as controversas técnicas depois que elas foram autorizadas pelo governo Bush. "Sobre aqueles que participaram destas operações de acordo com as opiniões legais e diretrizes que partiram da Casa Branca, acho que não é apropriado que eles sejam processados". "Já a respeito daqueles que formularam estas decisões legais, eu diria que será mais uma decisão (de processá-los ou não) do procurador-geral, dentro dos parâmetros de várias leis. Eu não quero prejulgar", afirmou Obama.
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