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De aliado a opositor, estilo camaleão de Pacheco preocupa Planalto, STF e intriga até bolsonaristas

Presidente do Senado faz acenos a Lula num dia, recorre de decisão a favor do governo 48 horas depois, mas, apesar das divergências, tem apoio do chefe do Executivo para concorrer ao governo de Minas, em 2026

Foto do author Vera Rosa
Por Vera Rosa

BRASÍLIA – Quarenta e oito horas depois de ter sido chamado de “salvador da Pátria” pelo Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entrou com recurso contra uma decisão favorável ao governo Lula. A mudança ocorreu após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin suspender, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a validade de trechos da lei aprovada pelo Congresso que prorroga a desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios até 2027.

Inconformado, Pacheco cancelou um compromisso que teria nesta sexta-feira, 26, em Belo Horizonte, onde se encontraria com Lula. Em seguida, convocou uma reunião de emergência, na residência oficial do Senado, com consultores legislativos e colegas que estavam em Brasília, como o líder do União Brasil, Efraim Filho (PB), autor do projeto.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao lado do líder do União Brasil, Efraim Filho (PB), autor do projeto de desoneração da folha de pagamento Foto: Pedro Gontijo/Agência Senado

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A portas fechadas, o senador disse ter ficado perplexo com o “erro político” do Planalto e definiu a situação como “incrível”. Pelos cálculos da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, somente neste ano o impacto da desoneração representará R$ 15,8 bilhões em isenção ou redução de tributos.

“O que nos gerou perplexidade foi o comportamento do governo”, afirmou Pacheco aos jornalistas, pouco tempo depois, repetindo o mesmo tom indignado. “Isso alimenta o fenômeno da judicialização da política, num momento em que resolvemos a questão do Perse (programa para o setor de eventos) e debatemos o adiamento de sessões do Congresso.”

Trecho de recurso do Senado ao STF Foto: Reprodução/Estadão

Autor de uma outra proposta polêmica, a emenda à Constituição que turbina os salários de juízes e integrantes do Ministério Público – conhecida como “PEC do Quinquênio” –, Pacheco também destacou que, a partir de agora, será preciso haver “ampla discussão” sobre gastos do Executivo.

“Além de arrecadar, qual é a proposta do governo para equilibrar as contas públicas?”, perguntou ele. Sem esconder a contrariedade com as críticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que reprovou a extensão da política de desoneração da folha de pagamentos, Pacheco disse, neste sábado, 27, que “uma coisa é ter responsabilidade fiscal e outra, bem diferente, é exigir do Parlamento adesão integral ao que pensa o Executivo sobre o desenvolvimento do Brasil”.

Na avaliação da Advocacia-Geral da União (AGU), porém, a desoneração de 17 setores da economia e de aproximadamente 5 mil municípios é inconstitucional e viola a Lei de Responsabilidade Fiscal por não haver “adequada demonstração do impacto orçamentário e financeiro da medida”.

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Na semana passada, a AGU também solicitou ao ministro do STF Nunes Marques que reconsiderasse a decisão concedendo a Minas Gerais mais 90 dias de prazo para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. O pedido é para que Minas retome logo o pagamento do serviço da dívida à União.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na quarta-feira, o projeto de regulamentação da reforma tributária Foto: Wilton Junior/Estadão

Os dois movimentos irritaram Pacheco, que aguarda Haddad enviar ao Congresso um projeto para a renegociação das dívidas dos Estados. “Espero que agora em maio possamos ter a apresentação dessa proposta alinhada com o governo”, insistiu o senador.

Minas se destaca no rol dos devedores da União por apresentar débitos que somam R$ 165 bilhões. Na análise da Capacidade de Pagamento (Capag) dos Estados, feita pelo Tesouro Nacional, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul receberam a pior nota: D. O cálculo inclui indicadores como endividamento, poupança corrente e índice de liquidez.

Senador herda espólio de Alcolumbre

Pré-candidato à sucessão do governador de Minas, Romeu Zema, em 2026, Pacheco termina o seu segundo mandato à frente do Senado no início do ano que vem. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com quem ele já protagonizou uma série de divergências, também entregará sua cadeira em fevereiro.

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Nos bastidores do Congresso, Pacheco é visto por muitos de seus colegas como uma espécie de camaleão político, que ora afaga Lula, ora acena para apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Há quem diga até mesmo que ele, um advogado criminalista, herdou essa tática do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que hoje dá as cartas na poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), porta de entrada de todos os projetos de interesse do Executivo.

Ex-presidente do Senado e padrinho político de Pacheco, Alcolumbre é favorito para retomar ao comando da Casa, a partir de fevereiro. Precisa, porém, de votos tanto de aliados do governo como da oposição.

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Pacheco é afilhado político de Davi Alcolumbre, que vai concorrer novamente à presidência do Senado, em fevereiro de 2025 Foto: Wilton Junior/Estadão

Amigos de Pacheco disseram ao Estadão que, na prática, ele age de olho em três vetores. O primeiro está ligado à proximidade com Lula, a quem conheceu pessoalmente apenas no fim de 2022, na transição do governo. O segundo é a disputa interna no Senado, a Casa de Salão Azul onde também precisa fazer gestos para agradar aos adversários do Planalto. A menos de nove meses de sua sucessão, a estratégia mira, ainda, a busca de votos para Alcolumbre.

O terceiro vetor diz respeito ao vínculo de Pacheco com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Judiciário. Ocupar uma cadeira no STF sempre fez parte de seus sonhos, mas Lula não o indicou.

O plenário virtual da Corte analisa a decisão de Zanin que provocou novo curto-circuito na relação com o Congresso ao suspender trechos da lei sobre a desoneração de empresas e municípios. O Congresso já havia derrubado o veto de Lula, mas ele editou uma Medida Provisória e houve nova reação do Legislativo.

O julgamento da ação em que Zanin concedeu liminar ao governo já começou e o prazo era que terminasse em 6 de maio. Com o pedido de vista do ministro Luiz Fux, a análise do caso foi interrompida e não há previsão de quando terminará. Qualquer que seja o desfecho do caso, no entanto, um rastilho de pólvora passou a envolver os três Poderes justamente na semana em que Pacheco tentou buscar um acordo entre o Congresso e o Executivo.

‘Rodrigo pode ajudar muito agora’

Na quarta-feira, 24, por exemplo, passava um pouco das 13 horas quando o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), líder do governo no Congresso, confidenciou a um interlocutor, perto do corredor das comissões, que o Planalto precisava de uma demonstração inequívoca de apoio.

“Rodrigo pode ajudar muito agora”, apostou Randolfe, numa referência a Pacheco que, horas depois, evitou uma derrota fragorosa da equipe de Lula no plenário.

Após constatar que o Planalto não conseguiria maioria para manter os vetos de Lula a projetos aprovados por deputados e senadores, Pacheco adiou para 9 de maio a sessão do Congresso destinada a essa análise. Comprou outra briga com Lira – que defendia a votação naquele dia, sob o argumento de que o governo já havia tido “tempo suficiente” para “maturar” problemas e fazer acordos –, mas saiu bem na foto com Lula.

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Lula e Rodrigo Pacheco em 8 de janeiro no ato Democracia Inabalada, que lembrou um ano dos atos golpistas: petista quer senador como candidato ao governo de Minas Foto: Sergio Dutti/Estadão

O presidente já avisou a cúpula do PT que o partido precisa ampliar o arco de alianças em Minas, segundo maior colégio eleitoral do País, e quer Pacheco como candidato à sucessão de Zema. Em conversas reservadas, porém, uma ala do PT mais ligada a Lira – desafeto do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha – tem muita desconfiança sobre o comportamento do senador.

A avaliação de alguns dirigentes petistas e até de ministros é a de que Lira, apesar de exibir um estilo rude e por vezes mal-educado, cumpre o que promete e diz quando vai atacar. Por esse diagnóstico, Pacheco não agiria assim porque trabalha em silêncio.

“Você se esqueceu de que ele é mineiro?”, questionou um auxiliar de Lula, sem saber que Pacheco, embora tenha construído sua trajetória política em Minas, nasceu em Porto Velho (RO).

Além da defesa do presidente do Senado à “PEC do Quinquênio”, que causa preocupação ao governo por ter um custo estimado de R$ 40 bilhões por ano, petistas citam o seu apoio à proposta que criminaliza o porte e a posse de drogas. O texto de Pacheco recebeu sinal verde do Senado como uma reação ao que se convencionou chamar de “ativismo judicial” do Supremo.

O senador também prega o fim das decisões individuais de ministros do STF – proposta que foi aprovada no Senado e repousa na Câmara –, e o término do benefício que permite a saída temporária de presos em regime semiaberto, conhecida como “saidinha”.

‘Ele nunca foi governista, mas também nunca foi oposicionista’

Sempre que é cobrado por aliados sobre esses posicionamentos, Pacheco diz que seus gestos são “por convicção” e não para atender a interesses de A ou B.

“O que acontece é o seguinte: o Rodrigo nunca foi governista, mas também nunca foi oposicionista”, avaliou o senador Marcos Rogério (PL-RO). “Não vejo contradição: acho que ele está sendo até compreensivo, diante desse ambiente de tensão, porque tem sido muito cobrado pela sociedade. Mas o presidente do Senado, que é também do Congresso, serve à Casa, e não ao governo. Então, é a balança do governo que está errada, não a dele”, argumentou Rogério.

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O senador Vanderlan Cardoso, presidente da CAE e pré-candidato à prefeitura de Goiânia, afirma que reação popular pesa: "Ninguém vai pôr o pé na peia, não." Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Para o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Pacheco resolveu estar ao lado do “clamor” popular.

“As pautas prioritárias para o governo foram entregues, tanto o arcabouço fiscal, quanto a reforma tributária e outras coisas”, observou Vanderlan. “Então, acho que o presidente Lula se equivocou ao dizer que Haddad devia conversar mais, em vez de ler um livro. Ele não está tendo tempo de ler nada. De todos os ministros, é o que mais conversa aqui.”

No diagnóstico de Vanderlan, pré-candidato à prefeitura de Goiânia, Pacheco tenta se equilibrar ao fazer um jogo político que parece querer ficar bem com todos.

“O governo não pode reclamar. Ele é bem-intencionado ao pautar as coisas, mas é que todo mundo aqui quer ver a reação do povo. Ninguém vai pôr o pé na peia, não”, avisou o senador, recorrendo a uma expressão que tem vários significados, dependendo da região. “Em Goiás, por exemplo, é armadilha”, traduziu Vanderlan, rindo.

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