Em meio ao cerco russo, homem usa van para retirar 200 pessoas de Mariupol

Em meio às falhas dos corredores humanitários, viagens organizadas de forma privada, como a de Mikhailo Purishev, têm sido uma tábua de salvação para civis famintos

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Por Tom Balmforth e Parniyan Zemaryalai, Reuters
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5 min de leitura

Enquanto as forças russas aumentavam o cerco a Mariupol e os mísseis caíam sem parar, Mikhailo Purishev dirigiu até a cidade para retirar sobreviventes, apesar de sua van vermelha estar praticamente destruída. O ucraniano de 36 anos, que já comandou uma boate, disse que salvou mais de 200 pessoas em seis viagens arriscadas.

A Rússia diz ter tomado o controle das ruínas da cidade portuária, vítima de alguns dos ataques mais intensos da guerra, apesar de centenas de forças ucranianas ainda estarem presas nas catacumbas de uma siderúrgica. A Ucrânia diz que cerca de 100 mil civis estão presos na cidade.

Resgate

Viagens organizadas de forma privada, como a de Purishev, têm sido uma tábua de salvação para civis famintos, pois repetidas tentativas de estabelecer corredores humanitários falharam.

“Quando fui pela primeira vez (em 8 de março), a cidade era como uma nuvem de fumaça, como uma fogueira. A última vez que fui era apenas cinzas com o carvão preto dos prédios”, disse Purishev.

Mikhailo Purishev posa para uma foto em frente à van que usa para ajudar pessoas a fugir da Ucrânia Foto: Mykhailo Puryshev/Reprodução/Reuters

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A Rússia nega atacar civis no que chama de “operação especial para desarmar a Ucrânia e protegê-la dos fascistas”. A Ucrânia e o Ocidente dizem que a alegação é infundada e a guerra é um ato de agressão não provocado.

Purishev publicou vídeos online de suas viagens que oferecem um raro vislumbre da cidade. Os celulares não funcionam em Mariupol e as informações são escassas.

Sua van, que seus amigos ajudaram a comprar especialmente para os resgates, teve o para-brisa, três janelas laterais e uma porta lateral destruídas em um ataque. “Graças a Deus ninguém estava lá dentro.” Ele consertou a van entre as viagens. “A van foi bombardeada, sofreu um ataque a tiros, morteiro, tiro de fuzil, para ser honesto, há muitas marcas de guerra nela.”

Alto risco

As viagens pelo território ocupado pela Rússia levaram oito horas até Mariupol, passando por postos de controle e contornando pântanos de lama e cadáveres, constantemente em meio ao temor de minas terrestres.

Dentro da cidade, ele tentava não olhar para os mortos espalhados pelo chão, ou dentro dos veículos, onde jaziam restos carbonizados, temendo ver uma criança e ter um colapso. “As pessoas foram enterradas na rua, perto de shopping centers, boates e até mesmo no jardim de infância”, disse. Alguns corpos foram enrolados em tapetes e deixados em bancos.

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Purishev fez com que a equipe de sua antiga boate montasse um abrigo antiaéreo no porão. Abrigava cerca de 200 pessoas, entre idosos e gestantes. Após ter resgatado os funcionários da boate, ele se viu também salvando os que estavam escondidos lá.

“O momento mais assustador foi quando tudo ficou quieto. Uma vez, ficou quieto por oito horas. Nós pensamos: é isso, acabou. Quando começou de novo, foi tão horrível que as crianças fizeram xixi nas roupas.”

Eles tinham pessoas saindo para procurar comida e roupas limpas ou até mesmo collants para as crianças que não podiam lavar suas calças e roupas íntimas sujas. As crianças do abrigo o conheciam como Tio Misha e ele distribuía doces.

Apelo

Purishev se lembrou de uma viúva pedindo-lhe para tirar o anel de casamento de seu marido morto que havia sido atingido por um ataque aéreo. Ele disse que seria incapaz de fazê-lo. Hoje, ele diz ter sido forçado a abandonar suas viagens em 28 de março, quando um soldado separatista lhe disse para nunca mais voltar, porque ele seria preso – ou pior.

De acordo com ele, sair da aventura ileso foi um milagre. “O único ferimento que tive foi um caco de vidro na lateral do corpo. Mas meu casaco me salvou e só tive um arranhão. Deus me protegeu, é claro. Minha van cuidou de mim”, contou Purishev, que tem planos para o veículo depois da guerra. “Vamos transformá-lo em um monumento quando voltarmos a Mariupol.”