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Drones de plástico e feitos em casa ajudam Ucrânia na guerra com a Rússia

Enquanto falta à Rússia um drone de longo alcance eficiente, a experimentação na Ucrânia produziu uma frota de aeronaves baratas, feitas de plástico e equipadas para soltar granadas ou outros explosivos

Por Andrew E. Kramer
Atualização:

POKROVSKE, Ucrânia — Um soldado do Exército ucraniano desembrulhou os rotores de um drone comum de lazer e, com tranquilidade e experiência, acoplou uma granada a um dispositivo capaz de soltar objetos, projetado para entregas comerciais com drones.

Depois de fazer o drone decolar, Bohdan Mazhulenko, que atende pelo apelido de Raccoon, sentou-se casualmente na borda de uma trincheira, enquanto via campos verdejantes e esburacados por fogo de artilharia na tela de seu tablet.

“Agora, vamos tentar encontrá-los”, afirmou ele referindo-se aos russos.

Um soldado de infantaria das Forças de Defesa Territoriais da Ucrânia pilota um drone armado com uma granada para sobrevoar posições russas perto de Pokrovske Foto: David Guttenfelder/NYT

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Os Estados Unidos utilizam drones militares há anos, acionaram os equipamentos nas guerras no Iraque e no Afeganistão, e drones fabricados na Turquia desempenharam um papel decisivo no conflito entre Azerbaijão e Armênia, em 2020.

Mas esses armamentos são grandes e caros. A Ucrânia, em contraste, adaptou uma ampla variedade de pequenas aeronaves, de quadricópteros, com quatro rotores, a drones de tamanho médio, com asa fixa, usando os equipamentos para soltar bombas e localizar alvos na artilharia russa.

A Ucrânia usa também drones militares avançados fornecidos por seus aliados para observação e ataques, mas ao longo da linha de frente, a maior parte de sua frota de drones é composta de produtos comerciais ou equipamentos fabricados em oficinas por toda a Ucrânia — uma miríade de aeronaves baratas, feitas de plástico e adaptadas para soltar granadas ou explosivos antitanque.

Isso é parte de um florescente campo de inovação entre os militares ucranianos, que têm se valido de drones armados para enfrentar a vantagem russa em artilharia e tanques. Oficinas improvisadas fazem experimentos com peças fabricadas em impressoras 3D, e programadores ucranianos desenvolveram métodos para contornar os mecanismos que os russos usam para detectar e rastrear sinais de rádio. O drone Punisher, de asa fixa, equipamentos de última geração fabricado na Ucrânia, é capaz de atingir alvos a mais de 48 quilômetros de distância.

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Bohdan Mazhulenko pousa um drone armado com uma granada viva em Pokrovske Foto: David Guttenfelder/NYT

A Ucrânia empreende há muito tempo o desenvolvimento de drones armados para obter vantagem tecnológica em sua luta contra os separatistas apoiados pelo Kremlin no leste do país. Antes da invasão russa, em fevereiro, as Forças Armadas ucranianas compraram drones Bayraktar TB2, de fabricação turca, a aeronave autônoma mais mortífera no arsenal do país. Em sinal de admiração, uma mulher ucraniana batizou seu filho de Bayraktar.

Em uma manobra inovadora de marketing, e que também rende algum dinheiro, a empresa ucraniana que fabrica o drone Punisher permite que as pessoas paguem cerca de US$ 30 para escrever uma mensagem nas bombas que a aeronave solta. Esse estratagema dialoga com ódio das pessoas contra a Rússia, afirmou Yevhen Bulatsev, um dos fundadores da UA Dynamics, que doa para os militares os drones que fabrica.

Entre as mensagens mais populares, afirmou ele, estão nomes de amigos mortos, cidades perdidas para a ocupação ou “alôs” com assinaturas dos próprios clientes.

“Muita gente quer extravasar sentimentos difíceis”, afirmou ele. “Isso é uma coisa boa. Ajuda as pessoas psicologicamente.”

Em um campo aberto nos arredores de Kiev, homens ucranianos testam uma aeronave não tripulada desenvolvida na Ucrânia chamada Punisher no mês passado Foto: David Guttenfelder/NYT

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Depois da invasão russa, os EUA e os aliados europeus doaram drones de ataque e observação à Ucrânia, incluindo o Switchblade, um drone-kamikaze americano que sobrevoa o campo de batalha até que um tanque ou outro alvo entre no campo de visão, e depois mergulha para explodi-lo.

Nos campos abertos entrecortados por linhas de árvores na Ucrânia, drones se tornaram onipresentes no lado ucraniano, superando em número, afirmam os soldados, a frota de aeronaves autônomas da Rússia. Drones substituíram quase completamente as patrulhas de reconhecimento e são usados diariamente para cumprir missões de ataque.

Os ucranianos chamam os drones de “mosquitos”, cujo zumbido perambula constantemente sobre a terra devastada.

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Em uma escaldante tarde de verão, recentemente, numa posição escavada em meio a uma linha de árvores composta por carvalhos e acácias, um ataque de drone era a única atividade militar, exceto pelo fogo de artilharia à distância.

Uma caixa de bomba coberta com mensagens personalizadas, fotos e memes Foto: David Guttenfelder/NYT

“Não é sempre que a gente localiza tropas, mas dá para atacar trincheiras ou equipamentos”, afirmou o soldado Mazhulenko quando manobrava o drone em busca de um alvo. A bateria lhes permite voar por cerca de 10 minutos.

O controle remoto de Mazhulenko apitou. Mecanismos eletrônicos de defesa da Rússia haviam embaralhado o sinal do drone. No piloto-automático, a aeronave tentou voltar para a posição ucraniana, mas o soldado reassumiu o controle do drone e o enviou novamente na direção das linhas russas.

“Vamos lá, vamos lá, Raccoon, solta essa bomba”, torceram os camaradas de Mazhulenko, olhando a tela do tablet sobre o ombro do soldado.

Um rádio de uma outra posição ucraniana alertou para o zumbido, e o grupo de Mazhulenko respondeu que não havia com que se preocupar: “Esse mosquito é nosso”.

Uma trincheira russa entrou na tela. Mas o sinal caiu outra vez. Sem bateria, o soldado trouxe o drone de volta, agarrando o equipamento no ar com a mão e retirando posteriormente o dispositivo de detonação da granada. Voos desse tipo se repetem várias vezes ao dia.

Um soldado de infantaria das Forças de Defesa Territoriais da Ucrânia pilota um drone armado com granadas em uma missão para localizar uma posição da linha de frente russa. Campos repletos de crateras de artilharia passam em seu tablet Foto: David Guttenfelder/NYT

“Só conseguiremos vencer com tecnologia”, afirmou Yuri Bereza, um dos comandantes da unidade Dnipro-1 da Guarda Nacional da Ucrânia, cujos soldados mantêm uma oficina em sua base, na linha de frente, onde constroem bombas pequenas para serem carregadas pelos drones.

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Drones representam uma vantagem significativa para o Exército ucraniano. A Rússia possui um eficiente drone de observação, o Orlan-10, usado para direcionar fogo de artilharia contra alvos ucranianos, mas possui nenhum drone de ataque de longo alcance eficaz como o Bayraktar — uma desvantagem notável para uma grande potência militar. As tropas russas também usam drones comerciais, mas têm menor quantidade desses equipamentos, afirmam soldados ucranianos.

O Exército russo, em vez disso, apela para a força bruta acionando armamentos pesados tradicionais, como sistemas de artilharia e tanques, e tem sido menos ágil em adaptar tecnologias de produtos comerciais ao campo da batalha. Também lhe falta um fornecimento de drones comerciais doados por grupos não governamentais e até parentes e amigos dos soldados — como os que inundam as unidades militares ucranianas na linha de frente.

Apesar das mãos firmes do soldado Mazhulenko, equipar um drone de lazer para soltar explosivos é uma tarefa tensa.

Soldados de uma unidade da Guarda Nacional da Ucrânia assistiram a vídeos de granadas sendo lançadas sobre posições russas em uma tela em uma base fora de Sloviansk Foto: David Guttenfelder/NYT

Preparar as granadas para explodir sobre seu alvo requer procedimentos seguros para desarmar os explosivos. Na granada mais comum usada pelos pilotos de drone, três dispositivos de segurança, incluindo uma pequena placa de metal que protege o pino de acionamento de tocar no revestimento, são retirados. E isso é feito com serras de arco e alicates nas oficinas.

Acidentes já aconteceram, afirmou o armeiro de drones Taras Chiorni, que trabalha em Kiev, recordando-se de colegas que perderam dedos enquanto manuseavam as granadas. Ele experimentou vários detonadores improvisados e optou por um prego derretido em um molde de massinha infantil na forma de um cone de nariz. O lado ruim: a granada pode explodir se cair no chão durante o manuseio.

“É melhor fazer isso em um ambiente tranquilo”, afirmou ele a respeito do procedimento.

O resultado final é um tubo preto, semelhante a um charuto grosso. Os ucranianos grudam nele aletas aerodinâmicas — às vezes fabricadas por uma impressora 3D — para fazer a granada cair em linha reta, melhorando a pontaria do explosivo. Na linha de frente, pilotos como o soldado Mazhulenko adaptam, armam e acoplam as granadas antes de cada voo.

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Em um campo aberto nos arredores de Kiev, homens ucranianos praticam anexar uma bomba simulada ao trem de pouso de uma aeronave não tripulada desenvolvida pela Ucrânia  Foto: David Guttenfelder/NYT

A granada é carregada em um dispositivo comercial projetado para soltar coisas, como balões d’água ou pequenos pacotes entregues por drones. O dispositivo solta a carga quando o piloto pressiona o botão que aciona a luz de aterrissagem do drone.

Pequenas adaptações em táticas, projetos de explosivos, padrões de voo, lançamento e recuperação do equipamento melhoraram ao longo dos anos, de acordo com o comandante de uma unidade Azov que usa drones e se identificou pelo apelido Botsman.

“A experimentação se expandiu muito”, afirmou ele. Com o risco dos drones zumbirem sobre suas posições a qualquer momento, afirmou ele, os soldados russos “não conseguem comer nem dormir. O estresse os leva a cometer erros”.

Uma das maiores oficinas de drones em Kiev, chamada Dronarnia, recebe pedidos online de oficiais militares em busca de equipamentos customizados, alguns grandes o suficiente para carregar bombas de 8 quilos. A empresa é financiada por doações feitas pela internet. Outras oficinas sortearam itens de cozinha para levantar dinheiro.

Bohdan Mazhulenko anexa uma granada a um drone antes de enviá-lo sobre as posições da linha de frente russa no leste da Ucrânia na semana passada. "Agora vamos tentar encontrá-los", disse ele sobre os russos Foto: David Guttenfelder/NYT

As autoridades ucranianas têm se gabado de sua vantagem em drones. O vice-ministro de transformação digital do país, Mikhailo Fedorov, organizou uma apresentação em Kiev na semana passada sobre o que ele qualificou como o “exército de drones” da Ucrânia, mostrando uma série de aeronaves doadas.

Entre os equipamentos exibidos estava o Fly Eye 3, um sofisticado drone de reconhecimento doado por uma unidade de operações especiais da Polônia, e vários drones de lazer doados por pessoas de todo o mundo com intenção de ajudar a Ucrânia, incluindo crianças. Todos os equipamentos seriam mandados para o combate aos russos no front, afirmou Fedorov.

Na ONG Frontline Care surgiu a ideia de vender as mensagens escritas nas bombas de 2,7 quilos carregadas pelo drone Punisher. Um website permite aos clientes escrever a mensagem e pagar com cartão de crédito pelo serviço.

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Um combatente da Guarda Nacional da Ucrânia modificou granadas para anexar a drones em uma oficina nos arredores de Sloviansk Foto: David Guttenfelder/NYT

A secretária Svitlana, que preferiu não revelar seu sobrenome em razão de preocupações com sua segurança, soube do website por um amigo. Os clientes podem doar o quanto quiserem pela mensagem, cujo valor mínimo é 1.000 hrivnia, ou cerca de US$ 25. Svitlana pagou com seu cartão Visa para escrever em uma bomba a frase: “Pelas crianças ainda por nascer”.

Svitlana estava furiosa, afirmou ela, a respeito da guerra ter atrapalhado seus planos de ter filhos com o marido, que agora está servindo como soldado. E também porque as tropas russas ocuparam a cidade onde ela vivia, no norte da Ucrânia.

“Para mim, isso é realmente pessoal”, afirmou ela. “Nunca pensei que iria financiar um armamento. Realmente acredito que democracia e paz podem nos dar uma vida melhor. Mas agora eu entendo: sem armas não somos capazes de defender o nosso país.” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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