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Uso de drones nos combates na Ucrânia antecipa guerra de ‘robôs do futuro’

Equipamentos com custo baixo têm tido grande sucesso na luta contra Rússia

Por Cláudio Lucchesi, Especial para o Estadão
Atualização:

Num mundo em que as expressões de poder militar de países ainda são os gigantescos porta-aviões, submarinos de propulsão nuclear, jatos “invisíveis” ao radar, e outras máquinas de matar assustadoras, a atual guerra na Ucrânia elevou à categoria de “herói” um aparelho pequeno, visualmente nada impressionante, cujo custo é relativamente barato e nem sequer tem uma tripulação humana. Ele tem 6,50 metros de comprimento e 12 de envergadura, decola pesando no máximo 700 kg e voa a uns 200 km/h, com um motorzinho a pistão de 100 hp, não muito diferente do motor de um carro comum.

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Este é o Bayraktar TB2, um veículo aéreo de combate não-tripulado (UCAV, Unmanned Combat Air Vehicle) na linguagem técnica militar, que popularmente é chamado de drone – no caso, um drone armado. Ou seja, esse aviãozinho-robô pode levar uns 150 kg de armas, que incluem uma grande variedade de mísseis e outras armas guiadas de alta tecnologia e precisão.

Fabricado pela empresa turca Baykar, o TB2 tem sido amplamente utilizado pelas forças ucranianas – e com notável sucesso. Seus ataques têm espalhado terror nas forças invasoras russas, destruindo dezenas de tanques e outros veículos militares. Existe até o rumor de que um TB2 tenha participado do possível ataque (não confirmado) que teria resultado no afundamento do cruzador russo Moskva, em 14 de abril. Pelo que se pode verificar, mesmo os mais novos e modernos sistemas de defesa aérea russos têm tido extrema dificuldade em abater os TB2 em combate.

Nos meses de tensão crescente que antecederam a invasão russa, as Forças Armadas ucranianas compraram grande quantidade de drones turcos, com destaque para os Bayraktar TB2, e quando a guerra explodiu, o governo de Volodmir Zelenski estava fechando um contrato com a Turquia para a produção licenciada de drones, com uma fábrica montada pelos turcos na Ucrânia.

Nos meses de tensão crescente que antecederam a invasão russa, as Forças Armadas ucranianas compraram grande quantidade de drones turcos, como o Bayraktar TB2 (foto) Foto: Gleb Garanich/ Reuters

Sem dúvida, o que estamos assistindo na Ucrânia é uma revolução naquilo que os militares chamam de como “se faz uma guerra”. Aeronaves não-tripuladas pequenas e baratas como os TB2 turcos estão começando a dominar o campo de batalha, sendo muito mais bem-sucedidas em suas missões que caríssimos jatos de combate de última geração, que exigem pilotos com anos de treinamento e preparação – profissionais altamente qualificados, cuja formação custa geralmente até mais que suas bilionárias aeronaves.

Mas aeronaves UCAVs não são novidade nas guerras. Maior potência militar do planeta, os Estados Unidos operam aparelhos desse tipo há décadas, e os usaram intensamente na longa campanha no Afeganistão (2001-2021) e em outras ocasiões.

Então, o que há de novo agora? A resposta é que por muitos anos, essas aeronaves robóticas tinham custos de aquisição e operação extremamente altos, que as tornavam “acessíveis” apenas a grandes potências militares, como os EUA, mas essa realidade mudou radicalmente nos últimos anos, com o surgimento de toda uma nova geração dessas aeronaves que são de baixo custo, mas alta eficiência em combate, como o próprio TB2 tem demonstrado.

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Segundo o chefe de Engenharia de Projetos de Aeronaves da Turkish Aerospace Industries (TAI), Burhan Çetinkaya, isso se tornou possível “graças ao desenvolvimento das tecnologias de produção ao longo dos anos e ao aumento de concorrentes nos sistemas UCAVs”. Segundo ele, “a maioria dos países produtores de drones se concentrou em modelos de grande porte e alto custo (como o europeu Male RPAS), e ainda não obteve sucesso satisfatório”. Além disso, destaca que “outra desvantagem dos drones grandes é que eles podem ser facilmente detectados por sistemas de radar”. Já os drones menos caros permitiram seu uso em missões de alto risco, sem preocupações de custos se forem perdidos em combate.

Mas o primeiro sinal dessa “revolução” não é a guerra na Ucrânia. No segundo semestre de 2020, em plena pandemia da covid-19, Armênia e Azerbaijão se envolveram num breve, mas feroz, conflito ao redor do enclave de Nagorno-Karabakh. A região está em litígio entre as duas ex-repúblicas soviéticas desde o fim da União Soviética, e nos confrontos anteriores, a Armênia havia saído vencedora. Mas isso mudou em 2020.

Preparando-se para o conflito, o Azerbaijão investiu em uma razoável frota de aeronaves UCAVs, adquiridas da Turquia e de Israel. Ao se iniciarem os combates, utilizou as aeronaves-robôs de modo extremamente eficaz, destruindo bastiões de defesa e linhas fortificadas montadas pelos armênios, e também colocando fora de combate tanques, artilharia e sistemas de defesa aéreos. Foi uma grande derrota de um exército “tradicional” para a nova tecnologia robótica de guerra. E isso aconteceu entre dois países periféricos, que pouca gente sabe apontar num mapa.

Assim, o conflito de 2020 em Nagorno-Karabakh mostrou que a “guerra dos drones” definitivamente chegou a disputas regionais, entre nações cujas Forças Armadas são pequenas e sem orçamentos bilionários. A nova tecnologia de guerra não só está hoje acessível a uma ampla variedade de países, como também permite que essas nações ganhem uma grande capacidade de golpear o inimigo – mesmo que este pareça ser muito mais poderoso, como se vê agora na Ucrânia.

Importância vital

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“Na minha opinião, o Azerbaijão poderia vencer a guerra em Nagorno-Karabakh sem usar drones. Mas a guerra teria custado mais, demorado mais, com bem mais perdas de vidas”, observa Çetinkaya. De fato, ao analisar o conflito entre as duas nações, e também operações de drones na Síria e Líbia, o secretário de Estado de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, destacou o papel decisivo dos UCAVs nos combates, considerando o seu uso de importância vital na guerra moderna, podendo efetivamente ser um fator decisivo.

Neste cenário, curiosamente, países como a Turquia e Israel têm se destacado, com empresas como a própria TAI e as israelenses Elbit e IAI colocando em operação aeronaves-robôs que estão entre as mais avançadas do mundo, e extremamente atraentes em custo/benefício, de certo modo superando até mesmo modelos dos EUA e da Europa. No caso dos turcos, embargos de ordem política, limitando o acesso à alta tecnologia militar estrangeira, incentivaram a indústria local a buscar soluções próprias, o que tem sido conseguido com notável sucesso. Um dos pontos para isso tem sido o enorme avanço da tecnologia eletrônica digital civil, utilizada em programas militares.

“Os UCAVs são consideravelmente mais baratos do que os aviões de combate modernos, e com tecnologias recém-desenvolvidas, podem ser usados de forma autônoma ou remota de maneira barata, e sem colocar em risco pilotos e soldados qualificados. Hoje, podemos ver que países de baixo orçamento estão buscando cada vez mais por UCAVs acessíveis e de alta eficiência, em vez das forças tradicionais, de sistemas dispendiosos como aeronaves tripuladas e helicópteros”, comenta Çetinkaya.

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Respondendo a isso, estão surgindo aeronaves-robôs de capacidades de combate cada vez maiores. Um exemplo é o Aksungur, um dos mais novos UCAVs da TAI, que já quebrou um recorde de autonomia, ficando mais de 60 horas em voo sem reabastecimento, e já mostrou ser capaz de missões de mais de 30 horas com uma carga de mísseis de 750 kg.

“Podemos ver na história que exércitos, que eram muito poucos em número, mas inovaram em armas e táticas, derrotaram exércitos muitas vezes maiores, e hoje, com os desenvolvimentos na indústria de defesa, a importância da tecnologia aumentou significativamente. Os UCAVs podem (ainda) não ser indispensáveis para vencer guerras, mas a importância dessa tecnologia não pode ser menosprezada para países mais fracos que querem se defender com sucesso, permitindo a vitória em menos tempo com muito menos baixas”, destaca.

Autonomia

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Se os UCAVs atuais ainda precisam de ordens humanas para lançar suas armas, já está nascendo uma geração capaz de decidir sozinha o emprego de força letal – o que preocupa observadores. Segundo um relatório da ONU, em 27 de março de 2020, na guerra civil da Líbia, após uma vitória do Governo de União Nacional (GUN) contra tropas das Forças Afiliadas de Haftar (FAH), forças do GUN lançaram diversos drones armados, incluindo os chamados “suicidas”, para atacar comboios militares e as forças em retirada das FAH, e entre os drones usados estava o STM Kargu-2.

Ele é um pequeno quadricóptero controlado por Inteligência Artificial (IA), que permite que atue de modo autônomo, e em “alcateias” de até 20 drones operando em conjunto, capazes de “caçar” e então atacar seus alvos de modo suicida, com sua carga explosiva – tudo, sem necessidade de interação (e autorização) humana após a decolagem e início da missão.

Assim, os STM Kargu-2 teriam literalmente “caçado” as tropas em retirada das FAH, causando sérias baixas – ou seja, matando diversos combatentes desta força militar, segundo relatório do Painel de Peritos da ONU enviado ao Conselho de Segurança.

Desenvolvido pela empresa STM, uma das cem maiores do mundo na área de defesa, e ligada ao governo da Turquia, o Kargu-2 foi colocado em produção em série no início de 2020, após um programa de vários anos.

Não sem motivo, portanto, cerca de três anos antes da ação na Líbia, em agosto de 2017, mais de 100 líderes da área de tecnologia, incluindo Elon Musk, assinaram uma carta aberta à ONU, solicitando o banimento do uso de IA para fins armamentistas. Em 2 de novembro daquele ano, centenas de cientistas do Canadá e da Austrália, envolvidos com a área de IA, encaminharam cartas abertas a seus governos clamando pelo empenho destes junto à ONU pelo banimento do uso militar da IA. Mas nada foi feito nesse sentido.

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Um drone Bayraktar TB2 é mostrado durante feira tecnológica em Baku, capital do Azerbaijão Foto: Aziz Karimov/Reuters - 27.05.2022

Ao contrário, países como EUA e a própria Turquia, têm defendido o desenvolvimento e operação de drones dotados de IA, argumentando que, ao contrário de representarem um perigo às pessoas, tais robôs aéreos armados reduzirão as perdas de vidas, pois são muito menos passíveis de erros do que os sistemas de armas guiadas por humanos.

Apesar disso, Çetinkaya destaca o cuidado extremo de se usar essa tecnologia, que “pode ter efeitos negativos para a humanidade”, como “cair nas mãos de grupos terroristas, colocando civis e inocentes em perigo”.

O uso de IA e de recursos de reconhecimento facial não são tecnologias novas, e após os atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA usaram estes recursos para encontrar os líderes terroristas da Al-Qaeda no Afeganistão, mas sem grande sucesso, pois a tecnologia de reconhecimento facial não estava ainda “muito madura” na época. Mas, hoje, os recursos tecnológicos de reconhecimento e a identificação estão avançados, até mesmo a grande distância, e sistemas de segurança pública com base nessa tecnologia já existem, com reconhecimento facial através de câmeras de segurança. Estes mesmos recursos já são utilizados nessa nova geração de drones, como o STM Kargu-2 utilizado na Líbia – abrindo a possibilidade de ações específicas contra líderes militares, por exemplo.

Não por acaso, recentemente, o Exército turco mudou o lugar das insígnias nos uniformes militares, retirando-as da posição tradicional nos ombros, de modo a dificultar a identificação por IA tanto das identidades individuais quanto de patentes e posições de comando.

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