BRASÍLIA – O governo Lula não quer transformar a questão dos deportados brasileiros em um cabo de guerra com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em reunião realizada nesta segunda-feira, 27, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Mauro Vieira, ficou decidido que o Itamaraty cobrará explicações da diplomacia norte-americana sobre o que ocorreu no voo que trouxe 88 brasileiros deportados na sexta-feira, 24, com algemas e correntes nos pés. Mas adotará tom cauteloso e evitará confrontos com Trump.
A primeira providência foi chamar o encarregado de Negócios da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, Gabriel Escobar, para uma conversa na tarde desta segunda-feira, no Itamaraty. Quem conduziu a reunião foi a embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares. Loureiro disse ao colega que o Brasil considerava “desrespeitoso e inaceitável” o tratamento dado aos deportados durante o voo de repatriação e pediu uma solução para o problema do uso indiscriminado de algemas e correntes.
Escobar está à frente da Embaixada dos EUA, como interino, enquanto um novo nome não é designado para o cargo. Em geral, são os secretários das áreas temáticas ou geográficas – como é o caso de Loureiro – que recebem os encarregados de Negócios, e por isso Mauro Vieira não participou do encontro.
Na avaliação do governo brasileiro, é preciso uma reação firme às denúncias de que os imigrantes ilegais foram maltratados na aeronave, que também apresentou problemas no ar condicionado. Nada, porém, que pareça um embate político com Trump porque, no diagnóstico do Itamaraty, a polarização é tudo o que o novo presidente dos Estados Unidos quer.
A ordem é também não partir para o enfrentamento com os EUA na reunião de emergência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e focar nos problemas concretos. O encontro foi convocado pela presidente de Honduras, Xiomara Castro, que comanda a Celac, e será realizado em Tegucigalpa, capital daquele país. Castro atendeu a pedido do presidente da Colômbia, Gustavo Petro.

Desde 2021, o Brasil tem reiterado aos EUA, em reuniões consulares e por meio de notas diplomáticas, que algemas em deportados somente são aceitáveis em “casos de extrema necessidade”, quando há imigrantes condenados por crimes dentro do voo.
Na lista dos 88 brasileiros que desembarcaram em Manaus na sexta-feira, 24, no entanto, não havia condenados. Passageiros relataram que foram agredidos por agentes norte-americanos, impedidos até de beber água. Mulheres e crianças passaram mal. A Polícia Federal apura as denúncias de maus-tratos.
A aeronave teve de pousar em Manaus por problemas técnicos e muitos desceram em solo brasileiro algemados. Por ordem de Lula, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) foi acionado para levar os deportados da capital do Amazonas até Belo Horizonte.
Embora o caso das algemas nos voos de repatriação tenha vindo à tona com mais evidência agora, outros brasileiros chegaram ao País nas mesmas condições durante o governo de Joe Biden.
Os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos pretendem montar um plano de acolhimento de brasileiros deportados dos Estados Unidos, pois têm informações de que esse número vai aumentar muito nos próximos meses. O assunto será discutido nesta terça-feira, 28, em mais uma reunião de Lula no Planalto, com a presença dos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça), José Múcio Monteiro (Defesa) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos).
Ao participar nesta segunda, 27, de almoço com empresários, promovido pelo grupo Lide, Lewandowski afirmou que a reação do governo brasileiro ao episódio dos deportados foi sóbria. “Não queremos provocar o governo americano até porque a deportação está prevista em tratado. Mas, obviamente, essa deportação tem que ser feita com respeito aos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo daqueles que não são criminosos”, disse o ministro da Justiça.