No Brasil, guerra na Ucrânia afeta preço de alimentos e bem-estar

Aumentos podem ser vistos em feiras e supermercados do País que é, segundo diretor do FGV Social, ‘a fazenda do mundo’

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Por Daniela Amorim e Bruno Villas Bôas / RIO
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3 min de leitura

RIO - Os preços dos alimentos no Brasil, que vinham em alta desde o início da pandemia, ganharam novo impulso após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro. O fenômeno atingiu especialmente itens produzidos nos dois países envolvidos no conflito, como milho, trigo e óleo vegetal. O aumento trouxe pressão extra para o bolso dos consumidores brasileiros e preocupa governos mundo afora, acendendo um alerta sobre a insegurança alimentar da população mais vulnerável.

Uma vez por semana, a cuidadora Emanuelly Ximenes, de 35 anos, percorre de ponta a ponta uma feira livre na zona sul do Rio de Janeiro comparando preços das barracas. Praticamente tudo está mais caro. Para abastecer a despensa da patroa, uma idosa de 94 anos, ela gastava de R$ 40 a R$ 60 por semana um ano atrás. Agora, as despesas pela mesma quantidade estão mais altas, na faixa de R$ 60 a R$ 90 por semana.

“Folhas como alface e agrião custavam aqui na feira R$ 1, R$ 1 e pouco. Agora, custa quase o dobro”, diz Emanuelly, apontando para a placa de preço de uma das barracas da feira, com R$ 1,99 escrito. “Frutas também ficaram mais caras, como mamão. Eu continuo comprando tudo que está na lista, não faço substituições, porque são coisas que ela precisa, mas evito comprar em supermercados.”

Custos

Os alimentos vendidos para consumo em casa, como os comprados em supermercados e feiras, subiram 3,09% desde o começo da guerra, segundo a inflação oficial medida pelo IPCA. Sob influência da cotação internacional, houve aumento de preços de óleo de soja (8,99%), farinha de trigo (4,03%) e macarrão (2,69%). O pão francês subiu 2,97%. O comportamento não é muito diferente do restante do mundo. Segundo a ONU, os preços dos alimentos dispararam 13% em março no mundo.

Emanuelly pesquisa preços em feira do Rio; aumentos trouxeram pressão ao bolso dos brasileiros Foto: WILTON JUNIOR

Moradora da zona sul do Rio, a engenheira Laila Cruz, de 35 anos, notou o aumento de preços, sobretudo de grãos e farelos, como arroz e farinha de trigo. “Tenho optado por comprar mais frango, que também ficou mais caro, mas ainda tem o preço mais em conta”, disse. Ela notou a escassez de óleo de girassol, produto produzido e exportado pela Ucrânia e com oferta mais escassa no mundo.

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Bem-estar

Especialistas afirmam que a pressão dos preços resultou em perda de bem-estar, especialmente na parcela mais pobre da população. Desde o início da pandemia, a confiança das famílias de baixa renda permanece inferior à das famílias de renda mais alta, segundo estudo da FGV. Em março de 2022, a confiança do consumidor com renda familiar de até R$ 2.100 mensais estava em 69 pontos, 17% mais baixa que a do grupo com renda familiar acima de R$ 9.600, de 83,6 pontos.

“Mesmo que a inflação fosse igual para todas as faixas de renda, ela ainda afetaria mais os mais pobres, pois eles não têm reservas, não têm estoque de poupança, nem folga no fluxo de renda mensal”, ressaltou Aloisio Campelo Júnior, superintendente de estatísticas públicas do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV). “Pelo contrário, elas (as famílias mais pobres) tendem a despoupar, ou seja, consomem mais do que auferem de renda.”

Marcelo Neri, diretor do FGV Social, afirma que o cenário agrava a insegurança alimentar. Levantamento da FGV Social a partir de dados do Gallup World Poll mostra que 17% da população do Brasil concordava que não tinha recursos financeiros suficientes para se alimentar em 2014. Esse porcentual cresceu para 28%, em novembro de 2020. “O Brasil é a fazenda do mundo e tem pessoas em insegurança alimentar”, disse Neri.

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