No Dia da Vitória, Putin defende a guerra na Ucrânia, mas evita escalada militar

Em rara referência às baixas russas, presidente reconheceu o custo da guerra para o país, mas evocou memória soviética para manter a ‘desnazificação’ da Ucrânia

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Por Redação
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MOSCOU - Não houve reivindicação de vitória, anúncio de “missão cumprida” ou promessa de que a guerra da Ucrânia possa terminar em breve. Mas também não houve um novo pedido de mobilização de tropas, ameaça de ataque nuclear ou escalada do embate com o Ocidente. Em vez disso, o discurso do presidente Vladimir Putin no Dia da Vitória evocou a memória do heroísmo soviético na 2ª Guerra para reforçar a narrativa padrão do Kremlin desde o início da guerra na Ucrânia: que a “operação militar especial” busca “desnazificar” o governo de Kiev e que o Ocidente pressionou a Rússia em direção a um confronto.

Putin discursou na manhã desta segunda-feira, 9, diante de cerca de 11 mil militares que participaram do desfile do Dia da Vitória na Praça Vermelha, em Moscou. Falando de uma tribuna montada no Mausoléu de Lênin, o presidente russo classificou a ação militar na Ucrânia como “necessária, oportuna e a única solução certa” e descreveu a invasão como uma “resposta preventiva” às ações da Otan, criticando os EUA e os países europeus por seus papéis antes e durante a guerra.

Putin disse que a Rússia tentou ter um diálogo honesto sobre segurança europeia, mas “os países da Otan não queriam nos ouvir, o que significa que, de fato, eles tinham planos completamente diferentes. E nós vimos isso”, disse, acusando a aliança de preparar uma ação para invadir “terras históricas” da Rússia, incluindo a Crimeia, anexada em 2014.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa durante desfile militar do Dia da Vitória, nesta segunda, 9. Foto: Sputnik/Mikhail Metzel/Pool via REUTERS

“Dessa forma, uma ameaça absolutamente inaceitável foi sistematicamente criada para nós e bem próximo às nossas fronteiras. Tudo dizia que um confronto com os neonazistas (apoiados pelos EUA e seus companheiros menores) seria inevitável”, disse Putin, acrescentando que a Otan estava enviando armas e conselheiros militares para a Ucrânia.

Ainda na manhã de segunda, o secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, rebateu as acusações de Putin sobre possíveis planos bélicos da Otan contra a Rússia. “O presidente Putin fez uma série de alegações fantasiosas por meses e anos”, disse Wallace durante um discurso em Londres. “Ninguém está planejando invadir, a Otan não está cercando a Rússia.”

Wallace também acusou o presidente russo e seus generais de espelhar o fascismo e a tirania, como a Alemanha nazista. “Através da invasão da Ucrânia, Putin e seu círculo íntimo de generais estão agora espelhando o fascismo e a tirania de 77 anos atrás, repetindo os erros do regime totalitário do século passado”.

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O secretário da Defesa britânico, Ben Wallace, condenou declarações de Vladimir Putin. Foto: Dominic Lipinski/PA via AP

Ao todo, o presidente russo se dirigiu ao público durante cerca de onze minutos -- incluindo um minuto de silêncio em homenagem aos caídos em combate. Em um raro reconhecimento do preço da guerra, Putin afirmou que a perda de cada soldado era um “peso para todos” e assinou um decreto que garante apoio governamental para a família de militares mortos ou feridos na Ucrânia.

Ele também se dirigiu diretamente às tropas russas que estão em atividade no país vizinho. “Vocês estão lutando pela Pátria, por seus futuros, para que ninguém se esqueça das lições da 2ª Guerra. Para que não haja lugar no mundo para carrascos, justiceiros e nazistas”, disse.

A aparição pública de Putin foi marcada igualmente pelo que foi dito e pelo que foi silenciado. Sem qualquer referência a uma vitória militar, o presidente russo não deu nenhuma indicação de quanto tempo mais o conflito pode durar. Somada a afirmação de que as tropas russas no leste da Ucrânia estão lutando “em suas terras” -- uma indicação de que Moscou não pretende abrir mão dos territórios tomados nos últimos meses -- o prognóstico é que o embate ainda deve se arrastar.

Na visão de alguns analistas, o discurso de Putin foi calibrado para o povo russo: sem uma escalada do conflito, como previam autoridades ocidentais, não é preciso lutar pelo apoio popular a um conflito mais amplo. Na prática, o plano continua sendo o mesmo: manter os militares em atividade na luta para livrar a Ucrânia dos “torturadores, esquadrões da morte e nazistas”.

Tanques russos participam de desfile militar na Praça Vermelha, em homenagem ao Dia da Vitória. Foto: EFE/EPA/MAXIM SHIPENKOV

Pouco antes do discurso do presidente russo, o líder ucraniano Volodmir Zelenski divulgou um vídeo em que caminhava sozinho pelas ruas de Kiev, acusando Putin de continuar o legado de Adolf Hitler. “No dia da vitória sobre o nazismo, estamos lutando por uma nova vitória”, disse Zelenski, enquanto passava por prédios governamentais protegidos com barreiras e arame farpado. “O caminho para isso é difícil, mas não temos dúvidas de que venceremos.”

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“Ele está condenado”, completou Zelenski, “Porque ele foi amaldiçoado por milhões de ancestrais quando começou a imitar seu assassino. E, portanto, ele perderá tudo.”

Críticos de Putin também condenaram o que consideraram uma “manipulação” do Kremlin para relacionar a invasão da Ucrânia ao combate à Alemanha nazista na 2ª Guerra. “Esqueça o 9 de maio. Este não é o seu feriado”, escreveu Mikhail Khodorkovski, um ex-bilionário russo crítico de Putin, no Telegram.

Anna Mongait, jornalista independente, transmitiu o desfile em seu canal no YouTube, intercalando o vídeo oficial com seus próprios comentários e entrevistas com pessoas ao longo do trajeto. “Antes, esta era uma mostra de equipamento técnico-militar que víamos uma vez por ano”, disse Mongait, que está exilada na Geórgia. “Agora vemos isso como as armas da morte, e há mortes concretas, cadáveres reais. É impossível ficar indiferente. Eu não entendo como as pessoas podem ficar lá e aplaudir.”

Dia da Vitória

O discurso de Putin foi seguido por um desfile militar na Praça Vermelha, que apresentou os mais recentes tanques russos Armata e T-90M Proryv. Também foram apresentados sistemas de foguetes de lançamento múltiplo e mísseis balísticos intercontinentais. Por causa das condições climáticas, uma apresentação com aviões de guerra, incluindo jatos de combate, foi cancelada.

Putin então colocou uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido e colocou cravos vermelhos em memoriais comemorativos das Cidades Heroicas Soviéticas que resistiram às forças de Hitler. Eles incluíam Kiev e Odessa - um lembrete das enormes perdas sofridas por ucranianos e russos na guerra.

Putin deposita flores na Tumba do Soldado Desconhecido durante celebração do Dia da Vitória. Foto: EFE/EPA/ANTON NOVODEREZHKIN / KREMLIN POOL / SPUTNIK

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Como já é costumeiro, o presidente se juntou meis tarde a milhares de cidadãos que lotaram a larga avenida principal de Moscou, a Rua Tverskaya, para caminhar pela Praça Vermelha carregando cartazes com fotos de parentes que morreram na 2ª Guerra - o chamado “Regimento Imortal “. Putin carregava uma fotografia de seu pai, também chamado Vladimir, em uniforme naval, que o Kremlin diz ter lutado na linha de frente.

Putin carrega foto do pai, Vladimir, durante marcha do 'regimento imortal' que homenageia os soldados soviéticos que lutaram na 2ª Guerra. Foto: AP Photo/Alexander Zemlianichenko

A demonstração de poder bélico-militar, no entanto, não pode mascarar o fato de que 75 dias depois da invasão da Ucrânia, o exército russo não conseguiu entregar uma vitória decisiva. Atormentado por problemas de logística, equipamentos e má coordenação tática, os militares russos foram repelidos em uma tentativa inicial de invadir Kiev e, posteriormente, declarou um objetivo mais limitado de tomar o Donbas.

Mas mesmo na região do leste ucraniano, as tropas também tem lutado para fazer progressos decisivos, enquanto a guerra já matou dezenas de milhares de pessoas e forçou o deslocamento de milhões.

Kiev e o Ocidente admitem que o número de mortos da Rússia na guerra já excede os 15 mil soldados soviéticos mortos na Guerra do Afeganistão (1979-1989). A Rússia não atualiza seus números de baixas desde 25 de março, quando disse que 1.351 soldados foram mortos./ NYT, WPOST e REUTERS