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Comida

Com 110 anos, Catupiry segue ‘insubstituível', mas não é consenso entre chefs

Fórmula da família Silvestrini é hors-concours entre consumidores de requeijão cremoso no País; apesar de fazer sucesso, algumas casas só usam o requeijão em datas especiais

A clássicaembalagem de madeira seguedisponívelpara oconsumidor. Foto: Daniel Teixeira/Estadão Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Mas é catupiry Catupiry mesmo?” Quem trabalha (ou trabalhou) em pizzaria em São Paulo, assim como a repórter que vos fala, certamente, já ouviu essa pergunta uma centena de vezes. É que a marca, que acaba de completar 110 anos - e virou metonímia para requeijão cremoso no País -, agrega uma legião de fãs que parece ter sido doutrinada a recusar imitações. Não à toa. “O Catupiry tem um sabor muito especial. Nenhuma marca conseguiu, até hoje, chegar perto da sua textura cremosa, que é muito específica”, declara a chef Carla Pernambuco, que há 30 anos utiliza o ingrediente na receita do famoso suflê de goiabada, que é o campeão de pedidos entre as sobremesas do Carlota - são mais de 300 por mês.

A clássicaembalagem de madeira seguedisponívelpara oconsumidor Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Segundo dados fornecidos pela marca, o food service arremata mensalmente 1.600 toneladas de Catupiry por mês - o volume total de vendas é de 2.700 toneladas. Em pensar essa história teve início em 1911, na pequena queijaria de Lambari, em Minas Gerais, onde um casal de imigrantes italianos, seu Mario e dona Rosa Silvestrini, começou a produzir um tal requeijão cremoso de forma artesanal. O nome do laticínio, que também batiza o principal produto da marca - o único até 1985, quando foi lançado o requeijão de copo - quer dizer excelente em tupi-guarani. 

Nos primórdios, essa massa láctica cozida - como é classificado o Catupiry entre as famílias tecnológicas queijeiras - era vendida embrulhada em papel celofane, dentro de charmosas caixinhas de madeira. Elas ainda seguem no mercado, mas perderam o protagonismo para as versões de embalagens voltadas para o food service. O modo de preparo, hoje em escala industrial, “é quase artesanal”. A base da receita, com creme de leite, leite desnatado e sal, é a mesma de outrora, mas passou a incluir estabilizante (pirofosfato tetrassódico) e bicarbonato de sódio.

“Apesar de ser um produto industrializado, o Catupiry é um queijo que ocupa o seu lugar no cenário queijeiro brasileiro. Ele é emblemático. Foi incorporado na cultura culinária do País, em combinações que viraram grandes clássicos, como a coxinha de frango com Catupiry”, ressalta Débora Pereira, especialista em queijos e autora do blog Só Queijo, do Paladar.

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Pizzacom Catupiry da nova pizzaria Onestta Foto: Fellipe Zanuto

Tudo de bom

Ele é cremoso, saboroso e incrementa - de um jeito que só ele sabe fazer - uma porção de receitas clássicas brasileiras. Até aqui, aparentemente, nada de errado com o Catupiry. Ainda assim, o ingrediente enfrenta o preconceito velado de alguns chefs, que não o consideram “digno” de suas receitas. Talvez por ser um produto industrializado num período de extrema valorização do artesanal. Ou quem sabe por ser considerado demodê - de tanto que foi usado, “virou um produto de uma época”, como arrisca Patrícia Ferraz, crítica de restaurantes Paladar.

Mas o que não falta é chef inventando boas desculpas para utilizá-lo “em ocasiões especiais”, sem comprometer a “filosofia” do restaurante. O aniversário de São Paulo não deixa mentir: no próximo 25 de janeiro, repare no tanto de pizzarias descoladas que vão se render à clássica cobertura de frango com Catupiry.

“É preciso tomar cuidado com a maneira como enxergamos o que é nosso. Eu, como profissional da área, não posso ignorar um ingrediente nacional que faz tanto sucesso e que é parte da nossa cultura gastronômica. Só porque um produto é industrializado não quer dizer que ele seja ruim”, defende o chef Luiz Filipe Souza, da Evvita, onde o Catupiry brilha em três opções de pizzas do cardápio: na quatro queijos, que além do requeijão cremoso leva outros três queijos brasileiros (muçarela, Tulha e marajó, de búfala); na frango com Catupiry, cujo peito orgânico da ave é cozido lentamente em gordura de porco e defumado a frio com pau-brasil; e na Catupiralho, que além do Catupiry, do alho e do nome, digamos, espirituoso, leva também tomatinhos confit.

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TortaRomeu eJulieta, da confeiteira MariliaZylbersztajn Foto: Rubens Kato

Na hora de descrever seus pratos no cardápio, chefs costumam escolher as palavras a dedo para deixar o cliente com água na boca. Crocante, suculento, fresco - só de ler, dá vontade de comer. “Catupiry, para mim, é uma dessas palavras que conquistam as pessoas. Você lê e já relaciona com algo cremoso, gostoso”, atesta o chef Fellipe Zanuto.

O ingrediente faz parte da lista de compras de todos os seus restaurantes. “O paulistano ama Catupiry”, afirma. Na Hospedaria, o destaque são as tortas. A de frango com creme de abóbora, milho, palmito, cogumelos e ervilha fresca, bem caseira e muito bem servida, recebe uma “camadona” de Catupiry por cima do recheio. As empadas, de palmito e de camarão, também fazem sucesso. Em vez da tradicional tampa de massa podre, elas são cobertas por um purê de batata com o requeijão cremoso - “e saem do forno gratinadas”. 

Já a nova Onesttà, também sob a batuta de Zanuto, oferece “la vera pizza di bairro” com Catupiry em uma porção de coberturas, claro. Além das clássicas quatro queijos, frango, atum e calabresa com Catupiry, há também combinações autorais, como a de palmito, molho pesto, tapenade de tomate seco e Catupiry.

Pizzacom Catupiry da Evvita, do chef Luiz Filipe Souza Foto: Tadeu Brunelli

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Até a confeiteira Marilia Zylbersztajn rendeu-se ao ingrediente na concepção de sua torta cremosa de goiabada com Catupiry. "Quando desenvolvi a massa do Romeu e Julieta, tinha na cabeça uma cobertura com a consistência do frosting de cream cheese americano, mas eu queria uma opção brasileira para casar com a goiabada, que trouxesse a mesma textura, além de um salgadinho para equilibrar o sabor. Não tive dúvidas que o melhor caminho era o Catupiry."

Alta gastronomia

Em 2015, com a missão de representar o Brasil na etapa nacional do Bocuse D’Or, competição que é considerada a copa do mundo do gastronomia, Giovanna Grossi, que está hoje à frente do restaurante Animus, apresentou aos jurados um miolo de alcatra envolto em ora-pro-nóbis servido com arroz cremoso e mil-folhas com camadas gelatinosas de acerola e, adivinhe, Catupiry. Com esse prato - e com a pescadinha com musse de beterraba, nhoque de chuchu e infusão de chuchu com gengibre -, a chef venceu a prova e foi direto para a etapa latino-americana, na qual também foi campeã.

“A ideia do mil-folhas era reinterpretar o romeu e julieta, combinação clássica brasileira. No lugar do queijo fresco, decidimos trabalhar com Catupiry, um produto nacional muito antigo e de renome, pela sua cremosidade, além de ser muito fácil de trabalhar com ele”, conta Giovanna.

Dois anos antes, Alex Atala levou o Catupiry para a Espanha, para usá-lo num dos pratos preparados durante sua apresentação no Madrid Fusión, outro evento gastronômico de peso. A receita consistia num bloco de mandioca compactado com manteiga e queijo, servido com Catupiry e redução de vinho do Porto. Versão semelhante era servida como amüse bouche no D.O.M., que à época ocupava a 6ª posição entre os 50 melhores restaurantes do mundo: um mil-folhas de mandioca com creme de Catupiry e gotinhas de manteiga de garrafa e de açaí.

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