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Suzana Barelli

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Le Vin Filosofia

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Você teria coragem de mudar uma vinícola vencedora?

Ao assumir os vinhedos da família, Anna Jorgensen muda o estilo dos vinhos, reduz a produção, aumenta os preços e aposta na sustentabilidade

Tem uma máxima esportiva que diz que em time que está ganhando não se mexe. Mas não é assim que pensa a enóloga portuguesa Anna Jorgensen. A Cortes de Cima, vinícola alentejana que ela herdou dos seus pais durante a pandemia, passa por uma verdadeira revolução em nome de uma viticultura mais sustentável, deixando para trás o modelo de agricultura implementado desde o final dos anos 1980 e que dava resultados positivos.

É uma mudança enorme, que lembra um pouco a revolução feita pelo italiano Josko Gravner. Na virada do século, ele deixou de lado os seus brancos com três estrela Michelin (a nota máxima) no Friulli, e feitos de maneira tradicional, para elaborar vinhos em ânforas e apenas com variedades locais. Foi incompreendido na época e hoje Gravner é uma das maiores referências nos chamados vinhos laranja.

UM VELEIRO E UM SONHO

A Cortes de Cima nasceu de um sono dos pais de Anna, o dinamarquês Hans e a americana Carrie, que chegaram ao Alentejo, na região central de Portugal, em 1988. Na época, vinham de um veleiro, com o sonho de plantar um vinhedo e construir uma família. Chegaram lá e, nestas quase quatro décadas, ergueram uma propriedade de 400 hectares (50 deles perto do litoral, e os 350 restantes, na Vidigueira) e ficaram famosos com um tinto revolucionário: o Incognito, um syrah de muita qualidade, mas que não revelava o nome de sua variedade. Explica-se: na época, o plantio da syrah não era autorizado no Alentejo.

Cortes de Cima ficou famosa por um tinto revolucionário Foto: Melanie Lemahieu/Adobe Stock

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Desde que assumiu a vinícola, pouco mais de dois anos atrás, Anna trouxe o conceito de sustentabilidade em sua forma máxima. “A única constante na vida é a mudança”, afirma ela. Formada em enologia e com passagens por vinícolas na Austrália, nos Estados Unidos, na Borgonha e na Nova Zelândia, reduziu a área de vinhas de 220 hectares para os atuais 99 hectares. Escolheu apenas os terrenos com vocação para as vinhas, depois do estudo implementado pelo chileno Pedro Parra, um dos grandes especialistas em terroir.

OVELHAS E GANSOS

Também mudou a maneira da poda e de condução das vinhas. Os vinhedos restantes estão sendo substituídos por florestas e pelo plantio de policultura. Ovelhas, patos e gansos foram trazidos para a propriedade. “Precisamos melhorar a terra para a próxima geração. Os químicos não são sustentáveis no longo prazo”, acrescenta Anna.

Sua filosofia caminha para a biodinâmica, ao menos a agricultura orgânica. A fermentação agora ocorre com leveduras indígenas, e Anna assumiu a elaboração dos brancos e tintos – na gestão dos seus pais, o enólogo era o Hamilton Reis (que hoje está na Herdade do Mouchão). A produção também caiu: da 1,5 milhão de garrafas por safra, agora são elaborados 200 mil. Os preços foram reajustados em até 40%. Agora, os preços variam de R$ 322 (o novo Chaminé Branco) a R$ 1.510 (o Incógnito). E os rótulos modernizados, com exceção do Incógnito, que segue com a mesma estampa.

A PALAVRA DO CONSUMIDOR

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É uma equação ousada. O teste agora é saber a aceitação do consumidor, com o novo estilo dos brancos e tintos. No Brasil, os novos vinhos acabaram de chegar e a Adega Alentejana, a importadora que traz esses rótulos ao Brasil, está comercializando os dois estilos do Cortes de Cima, o antigo e o novo. Manuel Chicau, o fundador da importadora, informa que ainda não dá para saber qual será a reação dos consumidores.

Na taça, as novas safras trazem menos o estilo internacional, de uma agricultura de clima quente, rótulos mais concentrados, para uma proposta de, digamos, maior sintonia com a natureza. As notas frutadas não são tão evidentes e os vinhos são mais intensos no paladar, alguns com boas notas vegetais também. Exemplifica bem a tendência de vinhos com menor intervenção na enologia e com uvas não tão exuberantes. Agora, a aceitação cabe ao consumidor.

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