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Repetitivo? Não, só clássico

Publicado no Paladar 02/10/2008 Luiz Américo Camargo As mesmas perguntas, as proposições de sempre, as mesuras já velhas conhecidas: "Boa noite, seja bem-vindo. O senhor quer aguardar no bar? Gostaria de tomar uma bebida no balcão?" Eu fui direto para a mesa, mas com um certo alívio. Um déja-vu sem desconforto, até tranqüilizador. O La Cocagne parecia como da última vez. Voltar a um restaurante tradicional exige um estado de espírito adequado. Na hora errada, pode ser apenas o tédio. Mas se for o dia certo, é o encontro feliz da memória de um gosto com a realidade reconstruída em um prato. E estavam lá os mesmos engravatados, os mesmos casais que tomam drinques preparados pelo barman antes de começar a refeição. Os mesmos garçons que, por anos a fio, aprenderam a falar o francês do cardápio abrindo vogais, arredondando consoantes. E o mesmo menu, conciso, com uma ou outra mudança sazonal. Desde 1966 ? a casa nasceu no Centro, e só muito depois foi para o Itaim ? servindo o mesmo steak au poivre, o mesmo canard à l'orange, o mesmo coupe mont blanc, religiosamente. Seria então a renúncia a qualquer lampejo de criatividade? Não, porque não existe tal pretensão. É apenas o exercício constante de um estilo, da fidelidade a um receituário que, talvez como o espaguete ao sugo, esteja destinado à imortalidade. Afinal, provavelmente esta é a razão de ser de um clássico. A terrine de foie gras (R$ 59) continua muito boa. E é só a experiência que ensina a determinar a quantidade exata da porção: duas fatias bem cortadas, servidas com geléia picante e torradas. Menos, seria insatisfatório. Mais, poderia comprometer a fruição do prato principal. E assim eu estava preparado para o filé Henry IV (R$ 54) com batata suflê. A carne chega ao ponto ? pedido que o maître havia anotado na comanda como quem assume um compromisso ?, ao lado de uma béarnaise absolutamente equilibrada. De sobremesa, um doce que quase não é doce, mas um jogo de texturas e sabores: poire aux amandes (R$ 18), a pêra cozida no vinho branco com amêndoas e creme inglês. Não há turbulências nem acelerações alucinantes. Só uma viagem em velocidade de cruzeiro, mas que dá o que pensar. Restaurantes desse estilo, dessa longevidade, precisavam custar tanto em São Paulo? Por que aquela que é quase uma cozinha de domínio público, ainda que feita com ingredientes nobres, acaba praticando preços de alta gastronomia? No universo dos decanos bistrôs da cidade, parece que a maioria escolheu ser tão cara quanto o parisiense Benoit. Mas no ato final da refeição, eu quase agradeci pelo expresso assimétrico, quente demais, de torra excessiva. Por um momento, seus defeitos foram reconfortantes diante da padronização do cafezinho que tem tomado conta de tantos restaurantes. Que continue assim, incorreto. La Cocagne R. Campos Bicudo, 129, Itaim-Bibi, 3079-5177 (52 lug.) 12h/15h e 19h/0h; sáb. só jantar, 19h/1h; dom. só almoço, 12h/17h Cartões: A, M e V Cardápio: francês, com uma ou outra massa e risoto. Avaliação: se a fome é por cozinha à antiga, no bom sentido, aposte.

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