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Txangurro se come com o corpo todo

Caranguejo basco requer dedicação. De tão bom, confunde as idéias e estonteia os sentidos

Txangurro se come com o corpo todoFoto:

Aqui chamamos a centolla de txangurro, que costuma ser confundido com o buey de mar, sem garras e de carapaça lisa, que os franceses chamam de torteau. Nós os fervemos e, quando voltam à temperatura ambiente, comemos de calças arriadas, quer dizer, de mangas arregaçadas, guardanapo no pescoço e muita dedicação, respingando tudo e perdendo o fôlego na aventura. As tenazes e as patas são quebradas e cavucamos as carninhas interiores. Com a carapaça é preciso mudar o ritmo e comer às colheradas, aproveitando desta maneira a melhor sopa marinha jamais oferecida pela mãe natureza. É verdade. Há um costume, que não compartilho, de acrescentar umas gotas de jerez a essa comidinha marítima, mexer e continuar sorvendo sem dó nem piedade. Tem gosto prá tudo. Seja como for, a maneira canônica basca de prepará-lo, a que nunca falta numa mesa de festa digna do nome, é o txangurro à la donostiarra, o caranguejo cozido e com as carnes desfiadas, com todos os caldinhos e coral do seu interior, a que se acrescenta um refogado de cebolas, alho-poró e tomate (e um pouco de páprica), que se deixa cozinhar lentamente em azeite virgem até que adquira um aspecto de ambrosia de beira-mar. Nos povoados costeiros se usa a própria carapaça como vasilha, cobrindo com uma fina camada de farinha de pão e um toque de manteiga e levando para gratinar no forno, até ganhar um aspecto tão apetitoso que é difícil de contar por escrito. O txangurro preparado dessa forma confunde as idéias e estonteia os sentidos, razão pela qual nós bascos falamos uma língua esquisita e nos expressamos com relativa dificuldade, pois como sabem, a boa cozinha faz uma marmelada da cabeça das pessoas. Algo por aí. Para mim não se deve cozinhar demasiado o txangurro com os vegetais, para que suas fibras não ressequem. Recomendo cozinhar as verduras eternamente, e só no final, no sétimo dia, como um criador qualquer, acrescentar a carne do caranguejo, evitando que seque e perca a graça. Et voilá! * David De Jorge, premiado duas vezes como melhor cozinheiro jovem da Espanha, trabalha nos bastidores da criação de Martin Berasategui e Andoni Luis Aduriz, em San Sebastián. Veja a receita no site estadão.com.br

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