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Juscelino Filho devolve dinheiro ao governo por viagem para ir a leilão de cavalo

Em nota oficial, ministro das Comunicações mente ao afirmar que “desconhece” ter pedido urgência na viagem e admite que sua agenda oficial se resumiu a dois dos quatro dias que disse ter tido compromissos

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Por Julia Affonso , Tácio Lorran , Vinícius Valfré e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, informou em nota nesta quinta-feira, 02, que devolveu o dinheiro de diárias recebidas do governo irregularmente para cobrir despesas de uma viagem a São Paulo que teve como agenda principal compromissos particulares. O ministro não informou se também irá devolver as despesas com o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que o trouxe de volta a Brasília quando não estava em serviço, contrariando as regras sobre o uso das aeronaves.

A decisão ocorre três dias após o Estadão revelar que em três dos quatro dias de viagem o ministro se dedicou a negócios relacionados aos seus cavalos de raça. Juscelino foi a dois leilões, a uma festa em homenagem aos cavalos e inaugurou uma praça dedicada ao Roxão, um animal de seu sócio. Todos os compromissos envolvendo cavalos foram omitidos da agenda oficial do ministro. Na inauguração da praça, ele foi anunciado como integrante da “equipe do presidente da República”. A presença de um ministro de Estado também foi destacada pelos leiloeiros nos eventos equestres.

O ministro Juscelino Filho recebeu diárias do governo para ir participar de leilão de cavalos, assunto de seu interesse particular Foto: Reprodução ABQM

Na nota, o ministro admitiu que sua agenda de trabalho em São Paulo se limitou a dois dias e não explicou porque informou ao governo em documentos oficiais que seu deslocamento era de quatro dias, de 26 a 30 de janeiro. No esclarecimento, o ministro disse que “desconhece o suposto “caráter de urgência” destacado pelo jornal” dado por ele à viagem para conseguir autorização do governo para usar a aeronave oficial. No entanto, documentos emoficiais mostram que ele mentiu no comunicado. A urgência está registrada até no Portal da Transparência, abastecido com informações da própria pasta.

Registro de pedido urgência para viagem que Juscelino Filho diz desconhecer para sua viagem a São Paulo Foto: Reprodução

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Sobre o uso da FAB na volta para Brasília na segunda-feira, o ministro disse na nota que “retornou em voo compartilhado solicitado pelo Ministério do Trabalho” e que portanto não haveria “cometimento de qualquer ilegalidade por parte do ministro das Comunicações como insistentemente alguns veículos de comunicação têm propagado”.

Juscelino, porém, informou ao governo que estava, nesta data, em “serviço”, o que ele mesmo reconhece que não é verdade. A própria nota oficial e a agenda pública dele registram que o último compromisso de trabalho em São Paulo na ocasião havia sido na manhã de sexta-feira, dia 27.

Registro de utilização de jato da FAB pelo ministro das Comunicações Foto: Reprodução

Juscelino justificou na nota que as diárias serão devolvidas aos cofres públicos, ele não informou o valor, após “averiguação nos últimos dias acerca do que ocorreu com a viagem de São Paulo”. Contudo, não esclareceu o valor que será devolvido. Ele não explicou porque solicitou diárias para quatro dias quando sua agenda se limitava a dois dias de trabalho e a duas horas e meia de reuniões na capital paulista.

Sobre os compromissos com cavalos, a nota informou que “o ministro usufruiu, sim, do seu direito de praticar atividades de foro particular em São Paulo” e que é “inaceitável aventar qualquer prática ilegal, tampouco imoral da autoridade pública ao desfrutar do seu período de folga para participar de qualquer compromisso, no caso em questão”. Nesse trecho da nota o ministro também mente. Foi ele próprio que pediu ao governo diárias referentes aos quatro dias que passou em São Paulo e avião da FAB para ir e voltar do estado, o que cobre todos os seus compromissos privados.

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Decreto presidencial prevê que as aeronaves da FAB devem ser solicitadas obedecendo uma ordem de prioridade. Primeiro, em casos de emergências médicas, depois em razões de segurança, e, em seguida, viagens a serviço. O custo estimado de um voo privado, nos moldes do realizado por Juscelino, para ir e vir de Brasília a São Paulo, gira em torno de R$ 140 mil.

Juscelino Filho está em Barcelona, na Espanha, participando de um congresso sobre telecomunicações. Em suas redes sociais, o ministro tem feito publicações falando apenas do evento, sem mencionar a série de acusações sobre uso indevido de verbas públicas reveladas pelo Estadão. Ele tem apagado comentários de seus seguidores que o questionam sobre o tour em São Paulo que priorizou eventos relacionados a cavalos.

Omissão

O governo Lula segue em silêncio sobre a situação do ministro. Interlocutores do presidente Lula dizem nos bastidores que ele deveria substituir Juscelino, mas seguem a determinação do Planalto para que o caso não seja tratado em público por envolver o União Brasil, que tem três ministros, incluindo o das Comunicações.

A sigla tem 59 deputados (a terceira maior bancada) e nove senadores e é importante para assegurar governabilidade. Como mostrou o Estadão, contudo, metade do partido apoiou a CPI dos atos golpistas, o que contraria um pedido de Lula.

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A reportagem fez contato com a Comissão de Ética Pública na segunda-feira, 27, e questionou se o órgão analisaria o caso do ministro. Não houve retorno até a noite desta quarta-feira, 1. A Controladoria-Geral da União (CGU) informou à reportagem que a análise desta questão cabe à comissão.

“A CGU avalia os atos de gestão dos agentes públicos dos ministérios e a aplicação de recursos públicos federais, porém não tem competência para responsabilizar atos de ministros de Estado. Neste caso, a competência é da Comissão de Ética Pública”, explicou a Controladoria.

O Estadão questionou formalmente o Palácio do Planalto sobre o caso de Juscelino. Também não houve resposta. Em entrevista à CNN, Lula disse que consultaria a CGU em caso de malfeito de seus ministros.

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Parlamentares do PT têm pedido a troca do ministro. Questionado sobre o caso Juscelino Filho nesta quinta-feira, 2, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que foi líder do partido na Câmara entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2023, afirmou que o governo “quer a maior transparência possível”. “Ninguém defende pegar avião da FAB para fazer atividade privada”, disse o parlamentar.

Outros feitos

Numa série de reportagens, o Estadão revelou que o ministro destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda e à sua pista de pouso privada, em Vitorino Freire (MA). A obra é feita por uma empresa investigada pela Polícia Federal por supostamente pagar propina a servidores federais para obter obras no Maranhão. O servidor da Codevasf que autorizou a obra e é indicado do grupo do ministro está afastado por receber propina da empresa. Ele está proibido de entrar na sede da companhia.

A cidade é controlada pela irmã do ministro, a prefeita Luanna Rezende (União). A administração tem mais de R$ 36 milhões em contratos com pelo menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações. Todas as firmas intensificaram os negócios a partir de 2015, quando Juscelino assumiu pela primeira vez uma cadeira de deputado.

O Estadão também mostrou que, ao prestar contas da campanha à reeleição de deputado, Juscelino Filho apresentou dados falsos ao TSE. Para justificar o uso de verba pública com voos de helicóptero, ele incluiu como passageiros de 23 voos “três cabos eleitorais”. O Estadão identificou, porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez anos. A família é de São Paulo e afirma não conhecer o político.

O ministro também tem abrigado no ministério indicações do seu grupo político. O diretor de radiodifusão não tem experiência na área, mas é apadrinhado do advogado e empresário Willer Tomaz, que tem quatro rádios e uma TV no Maranhão, reduto eleitoral do ministro. Tomaz é amigo e parceiro dos senadores Flávio Bolsonaro e Weverton Rocha. Esse último compadre do ministro e fiador de sua indicação como ministro de Lula.

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