A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) completou 10 anos em 2020, com comprovada evolução na coleta dos materiais e substâncias descartados pela sociedade. No entanto, quando é analisada a questão da mitigação de emissões de gases do efeito estufa (GEE), a atividade ainda está devendo. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Recursos Especiais (Abrelpe), o setor de resíduos respondeu por 4% do total de emissões de gases do efeito estufa no Brasil em 2019, o que corresponde a 96 milhões de toneladas de CO2 equivalentes emitidas. Parece pouco, mas houve um crescimento de 23% ante os dados coletados em 2010.
O grande problema é que, enquanto o País estacionou na questão da gestão de seus resíduos, o crescimento da população urbana acelerou e, portanto, o descarte de materiais também. Segundo a associação, a quantidade de resíduos coletados cresceu em todas as regiões do País, passando de 59 milhões de toneladas em 2010 para 72,7 milhões de toneladas em 2019. A destinação inadequada ainda representava no ano retrasado 40,5% dos descartes, sendo que 17,5% estavam nos lixões.
O impacto tanto da liberação de metano pela decomposição de material orgânico como pela queima ilegal do lixo é colossal para o meio ambiente. No relatório que acompanhou o último Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana, divulgado pelo sindicato nacional das empresas do setor (Selurb) em parceria com a consultoria PwC, foi calculado que as 216 mil toneladas de metano liberadas pelos mais de três mil lixões brasileiros na atmosfera em 2017 representaram o equivalente a 6 milhões de toneladas de CO2, mais do que o vulcão Etna despeja anualmente. Isso também equivale à poluição causada por 3,2 milhões de automóveis num ano.
Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe, lamenta o tempo perdido pelo País desde que a lei entrou em vigor. “Após mais de uma década de vigência da lei, os índices de recuperação permanecem os mesmos. E o prazo para que as cidades erradiquem os lixões, dando destino ambientalmente correto aos resíduos sólidos e investindo na construção de aterros sanitários, acabaria em 2020, mas foi prorrogado para o final de 2024”, lembra.
A esperança de melhora reside em alguns avanços de legislação. O novo marco legal do saneamento, aprovado pelo Congresso Nacional em 2020, determina que os municípios avancem em seus planos de gestão de resíduos e que tenham mecanismos de cobrança para garantir a sustentabilidade econômico-financeira dos programas. Essa não é uma questão aleatória. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), órgão do Ministério do Desenvolvimento Regional, apenas 44,8% dos municípios fazem cobrança pelos serviços de coleta e o valor arrecadado cobre apenas 57,2% dos custos.
Um alento é que os planos de gestão também experimentam uma aceleração. O plano nacional está em consulta pública e a nova versão do plano estadual de São Paulo foi finalizada no ano passado. Embora sejam documentos com mais intenções do que orientações concretas para a ação, eles avançam para uma mensuração mais precisa do estágio da atividade, o que permite criar metas factíveis.
O problema é que o relógio está correndo. Silva lembra que a cidade de São Paulo gera 15 mil toneladas de resíduos por dia (um volume equivalente ao de países inteiros, como o Uruguai e a Suécia). Metade disso vai para um aterro em Caieiras e os outros 50% são enviados para uma área em São Mateus, na zona leste. “Nossa perspectiva é que a vida útil desse último aterro se esgote em 2026. E não temos novas áreas para construir”, alerta o presidente da Abrelpe.
Mesmo com essa estimativa preocupante, Carlos Silva Filho vê possibilidade de recuperar esse tempo perdido. Ele destaca pesquisas internacionais que mostram o segmento de resíduos como a atividade com maior potencial de zerar suas emissões de gases do efeito estufa, com a vantagem de poder se transformar em geradora de energia.
Para Silva o “estado da arte” na gestão de resíduos começaria pela descentralização da estrutura de compostagem e pelo desenvolvimento de ecoparques. Essas áreas utilizariam novas tecnologias para a triagem dos materiais, com a devida recuperação da fração seca e unidades prontas para fazer a digestão da porção orgânica. Dependendo da escala, o ecoparque teria acoplada uma unidade de aproveitamento energético. (RL)
55 anos pela frente
Estimativas da Abrelpe indicam que, se for mantido o fluxo de encerramento dos lixões e aterros controlados no País da última década, serão necessários mais 55 anos para que os resíduos sólidos parem de contaminar a população e os solos. Atualmente, mais de 40% dos resíduos sólidos gerados nas regiões do Brasil estão sendo armazenados de forma inadequada. O que gera vários problemas tanto ambientais quanto de saúde pública.
A Abrelpe, que monitora a situação há mais de uma década, classifica como “chaga medieval” o fato de várias unidades da federação ainda manterem lixões funcionando em seu território. Para a instituição é urgente que soluções a favor da sustentabilidade sejam tomadas de forma rápida e contínua.
Apesar de a situação ser crítica, no Brasil, a maior parte dos RSUs coletados segue para disposição em aterros sanitários, tendo registrado um aumento de 10 milhões de toneladas em uma década, passando de 33 milhões de toneladas por ano para 43 milhões de toneladas. Por outro lado, a quantidade de resíduos que seguem para unidades inadequadas (lixões e aterros controlados) também cresceu, passando de 25 milhões de toneladas por ano para pouco mais 29 milhões de toneladas por ano.
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