As ovelhas negras da polícia

A execução por policiais militares (PMs) de dois suspeitos já imobilizados, no bairro do Butantã, registrada em vídeos exibidos pela TV Globo, chocou o País e o crime não pode ficar impune. O crime – cometido em 7 de setembro, poucos dias antes de a chacina que deixou 19 mortos em Osasco e Barueri, da qual os principais suspeitos são também PMs, completar um mês – deixa a área de segurança pública, em especial a Polícia Militar, em situação delicada. A esses fatos se acrescenta a afirmação do ouvidor da polícia, Júlio Cesar Fernandes Neves, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, de que existe um grupo de extermínio no aparelho policial.

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Por Redação
Atualização:

O primeiro vídeo mostra o suspeito do roubo de uma motocicleta, Paulo Henrique de Oliveira, se render, tirar a camisa para deixar claro que está desarmado, ser algemado e encostado a um muro. Pouco depois, os PMs tiram as algemas do suspeito, que é levado para um canto da rua, onde recebe dois tiros. Um dos PMs vai até uma das viaturas e volta com uma arma, colocada nas mãos do suspeito morto para simular resistência que não houve.

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O segundo vídeo mostra a execução de outro suspeito de participar do mesmo roubo, Fernando Henrique da Silva, que se escondera no telhado de uma casa, onde foi encontrado por um PM. Algemado, foi jogado na rua de uma altura de oito metros. Logo em seguida, recebe dois tiros. Um comportamento inaceitável de agentes da lei transviados, que se colocam acima dela e se julgam no direito de prender, julgar e executar suspeitos.

O mais grave, como assinala o ouvidor Fernandes Neves, é que esses não são fatos isolados. Isso já “acontece há algum tempo, só que, agora, às vistas de toda a Nação. Esses PMs (os do caso Butantã) tiveram a infelicidade, para eles, e por felicidade do povo, de serem filmados”. Ele chama a atenção para dois aspectos principais do problema. Um é a constatação de que muitas denúncias contra policiais são arquivadas no Fórum da Barra Funda e de que, quando os denunciados vão a júri, muitas vezes o promotor pede a absolvição, o que, tudo somado, faz com que poucos sejam condenados. Em outras palavras, na prática é alto o grau de impunidade nos crimes pelos quais policiais são acusados.

O outro é a existência de um grupo de policiais que resolveu fazer justiça por conta própria: “Não dá para não acreditar que não exista um grupo organizado no Estado praticando essas execuções quando, no ano passado, tivemos 801 vítimas (em supostos confrontos com policiais). É uma coisa anormal, que escapa do bom senso de qualquer cidadão comum. Neste ano já não são mais de 400 vítimas, só em confrontos”?. Não admira que, por dizer o que diz, Fernandes Neves admita que sente medo de sofrer represálias.

Suas declarações são da maior gravidade. Têm de ser medidas e analisadas, com a seriedade que impõe sua condição de ouvidor da polícia, por todos os que têm uma parcela de responsabilidade nessa questão, a começar pelo governador Geraldo Alckmin.

O juiz Fernando Oliveira Camargo, do 5.º Tribunal do Júri, decretou a prisão de cinco policiais suspeitos de participar daquelas execuções e a Justiça Militar, a de outros seis, e mais quatro tiveram sua detenção administrativa determinada pela Corregedoria da PM. Felizmente, esse caso parece avançar. Já a elucidação da Chacina de Osasco e Barueri caminha a passos lentos. Um mês depois, apenas um suspeito de participar dela está preso, o PM Fabrício Emmanuel Eleutério, que já é investigado por 34 mortes em três anos. Como evidentemente uma tragédia daquela dimensão não pode ter sido ato isolado de um indivíduo, a força-tarefa montada para cuidar do caso está devendo uma satisfação à população.

O bom desempenho da polícia depende, em grande parte, da confiança da população. A instituição tem de ser implacável com suas ovelhas negras, para que a população não se sinta ameaçada por quem deve protegê-la. Não há pior bandido do que o policial que passa para o outro lado, porque comete crimes sob a proteção do Estado, pago e armado por ele.

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