Pressa que ameaça vidas

No Brasil têm sido dados muitos passos para trás na economia, comprometendo conquistas como a estabilidade fiscal e financeira. Agora se está jogando fora o que foi construído nos últimos 40 anos em termos de fiscalização na área de saúde. Não podia haver momento pior para a presidente Dilma Rousseff avalizar a decisão precipitada do Congresso Nacional de liberar, por lei, o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como a “pílula do câncer”, sem nada que garanta a eficácia e a segurança dela. A sanção presidencial ao projeto originário do Congresso foi uma decisão pouco responsável, tomada em meio à crise moral, política e econômica que abala o País e em pleno caos na saúde pública, particularmente em prejuízo dos mais carentes.

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Por Redação
Atualização:

O poder público precipitou-se ao autorizar a produção, manufatura, distribuição e dispensação da substância, sem atentar para a falta de provas de que ela de fato cura sem prejudicar a saúde de quem a usa. Muito requisitada por pacientes terminais de câncer, a cápsula em questão é fabricada há 20 anos num laboratório do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, no interior paulista. A atividade tem provocado intensa polêmica.

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Em 2014, a USP proibiu a entrega de produtos experimentais a pacientes e a proibição se estendeu à fosfoetanolamina sintética. Mas era tal seu êxito de vendas que a instituição teve de responder na Justiça a 15 mil ações. Esses processos chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que normalmente adota uma atitude prudente, e, se concede liminares aos pacientes, logo recua dessas decisões. A questão levantou mais celeuma ainda depois que a universidade mandou lacrar o laboratório que a produzia. Isso não pôs fim à confusão, pois o STF mandou entregar cápsulas até o estoque acabar.

O Legislativo deu, então, sua contribuição para a lambança. A toque de caixa, contrariando o moroso ritmo habitual do trâmite legislativo, um projeto de autoria de 26 deputados federais foi aprovado na Câmara e no Senado. Os parlamentares não o discutiram nem deram ouvidos a especialistas cônscios dos riscos que correm pacientes que abandonem tratamentos e remédios já testados para adotar outro, sobre cujos efeitos no combate à gravíssima moléstia, ou colaterais no organismo, não há nenhuma comprovação científica.

A Lei 13.269 de 2016 foi sancionada sem nenhum veto da presidente da República, que não deu a mínima importância para as advertências feitas por autoridades e especialistas em saúde. Dilma Rousseff não levou em conta nenhum dos argumentos deles, como o fato de a tal pílula só ter sido testada em camundongos, nunca em humanos. De acordo com técnicos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), esta não se mostrou pura nem eficaz contra o câncer em testes in vitro. E, açodados, Legislativo, Executivo e Judiciário não esperaram a conclusão de testes clínicos feitos no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

O empenho em atender ao clamor dos pacientes não justifica o açodamento. Os legisladores só pensaram nos votos que podem ganhar nas próximas eleições com a divulgação de seu apoio à aprovação da lei. Dilma não levou em conta o risco de vida dos pacientes, sobre o qual foi alertada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Emília Curi, titular do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, interina como vários colegas na Esplanada dos Ministérios na atual quadra política, disse que a sanção presidencial é uma reação à “comoção da sociedade”. A Anvisa, porém, recorrerá à Justiça, na esperança de que o STF perceba que não há nenhum motivo lógico para tanta precipitação em assunto de tal gravidade. Como advertiu em nota, o Conselho Federal de Medicina não recomenda a “pílula do câncer”, pelo menos até que a eficácia e a segurança dela sejam reconhecidas em pesquisas científicas abalizadas. Que mal haverá em esperar um pouco mais?