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A política ignora a mudança climática

Com a tragédia gaúcha e a previsão de mais desastres, ou o País segue a politização inconsequente ou opta por reconhecer que a política tratou a agenda climática e ambiental com descaso

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Por Notas & Informações
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Há politização demais e política de menos na forma como o Brasil está lidando com as mudanças climáticas e seus efeitos nos desastres naturais cada vez mais intensos e frequentes – como é o caso da tragédia no Rio Grande do Sul, a mais grave do gênero enfrentada pelo País nos últimos anos e possivelmente o prenúncio de muitas outras que virão no futuro próximo. Da esquerda à direita, do governo federal aos governadores e prefeitos, do Congresso Nacional aos legisladores estaduais e municipais, o fato é que a agenda climática e ambiental sempre foi, e segue sendo, um tema lateral na política brasileira. A constatação se torna ainda mais relevante quando se assiste tanto à descoordenação entre as diferentes lideranças que deveriam agir de maneira concertada quanto ao tiroteio, explícito ou velado, em que cada grupo, partido ou – vá lá – ideologia busca transferir culpas pela tragédia.

Enquanto isso, a boiada tenta passar. No Congresso, apesar da recente aprovação do projeto de lei que cria diretrizes para a formulação de planos de adaptação às mudanças climáticas, tramitam 25 projetos que agridem normas ambientais. Um deles regulamenta um termo autodeclaratório de que o empreendimento está de acordo com as regras exigidas, além de estipular prazos máximos para o andamento do processo de licenciamento ambiental. Se é fato que a desburocratização dos procedimentos é uma necessidade para destravar projetos econômicos, também é verdade que o projeto de lei pode criar uma espécie de “autolicenciamento” e inibir a análise de casos mais complexos. Há mais: um projeto propõe reduzir a reserva legal na Amazônia, enquanto outro elimina a proteção de campos nativos; mais um admite a exploração mineral em unidades de conservação, enquanto outro anistia desmatadores; um esvazia o poder de fiscalização do Ibama, enquanto outro flexibiliza normas de regularização fundiária.

O problema vai além da Câmara e do Senado. Vozes lulopetistas e bolsonaristas se apressaram a colocar o dedo em riste contra o governador Eduardo Leite (PSDB), acusando-o de favorecer a alteração de 450 pontos do Código Florestal gaúcho. Não faltou oportunismo na crítica, afinal decerto tais mudanças não provocaram as enchentes. Mas convém não ignorar o fato de que as alterações não apenas são questionáveis quando se pensa nos efeitos ambientais de longo prazo, como nem sequer seriam notadas não fosse a tragédia trazida pelas chuvas. Por outro lado, enquanto as gralhas bolsonaristas gritam, resta lembrar a sucessão de retrocessos promovidos pelo governo Bolsonaro – aquele que enxergava na floresta em pé um inimigo e o aquecimento do planeta um delírio esquerdista.

O desenvolvimentismo lulopetista não fica atrás. Apesar do verniz ambientalista do terceiro mandato, o presidente Lula da Silva, o PT e a esquerda jamais deram grande atenção à pauta do clima e do meio ambiente. Essa pauta foi historicamente deixada em segundo plano, ora como uma agenda restrita a “ongueiros” amazônicos e ambientalistas radicais, ora como se fosse uma preocupação típica de liberais. Nos governos petistas, houve fartos exemplos de projetos grandiosos que não levaram em conta os impactos climáticos já previstos àquele tempo – esta semana, por exemplo, uma pesquisadora lembrou o desmonte, por Dilma Rousseff, de um programa de adaptação climática, em nome do cartão postal que grandes empreendimentos desenvolvimentistas simbolizavam para sua errática gestão.

O Brasil bateu recorde de desastres naturais em 2023, resultado da conjugação de fatores climáticos, da intervenção humana e da tibieza das lideranças políticas em todos os níveis ante o problema. Diante das evidências e da tragédia gaúcha, há dois caminhos a escolher: ou segue a politização inconsequente ou opta por reconhecer que até aqui relegamos a agenda climática e ambiental ora ao descaso, ora ao negacionismo – e sempre ao segundo plano. Tratá-la com o devido peso ajudará, primeiro, a separar o que é o catastrofismo que imobiliza do que é informação capaz de mobilizar o País à ação; e, segundo, a incluir o clima na equação dos projetos de desenvolvimento econômico. Sem isso, seguiremos sacrificando o futuro em nome do presente.