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A última do sr. Juscelino

A tolerância de Lula com os malfeitos do ministro das Comunicações pode ser alta, mas a paciência dos que prezam pela decência no exercício do múnus público já se esgotou há muito tempo

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Por Notas & Informações
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A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, malversou recursos públicos quando ainda exercia o seu mandato de deputado federal, pouco antes de assumir o cargo no primeiro escalão do governo Lula da Silva. A versão preliminar de um relatório preparado pelo corpo técnico do órgão corrobora algo que este jornal revelou há quase um ano e meio: emendas parlamentares oriundas do “orçamento secreto” foram direcionadas por Juscelino Filho ao município de Vitorino Freire (MA) – dominado politicamente por sua família desde pelo menos a década de 1970 – a fim de custear uma obra de pavimentação que serviu para valorizar nada menos que oito entre as dezenas de propriedades de Juscelino e seus familiares na região, sem benefício algum para a população local, como tem alegado o ministro.

“De um total de 23,1 km, envolvendo R$ 7,5 milhões, 18,6 km, (correspondente a) 80%, beneficiariam as propriedades do (então) parlamentar e, ao que parece, de forma individual. Os restantes 4,5 km beneficiariam cinco povoações locais, e ainda de forma isolada, sem integração com a rodovia estadual nem com a sede do município”, diz um trecho do relatório preliminar dos técnicos da CGU, obtido pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmado pelo Estadão.

Se ainda faltava alguma coisa para que o presidente Lula da Silva, enfim, tomasse uma atitude firme diante da coleção de malfeitos de seu ministro das Comunicações – a obra mal explicada é apenas um deles –, já não falta mais. Afinal, trata-se de um órgão do próprio governo federal – a CGU – atestando o desvio de emendas parlamentares milionárias patrocinadas por Juscelino para o atendimento de seus interesses privados. Aqui e ali, Lula sempre deu a entender que não afastaria um ministro com base “apenas” em reportagens da imprensa profissional – de resto, quase sempre desqualificada pelos poderosos quando faz bem feito o seu trabalho de levar à sociedade informações de interesse público, especialmente no que concerne ao exercício do múnus público. Essa desculpa esfarrapada para a leniência, porém, não existe mais a partir da divulgação do relatório da CGU.

A referida obra, orçada em R$ 7,5 milhões, foi contratada pela prefeita de Vitorino Freire, Luanna Rezende, que vem a ser, ora vejam, irmã do ministro Juscelino Filho. Para adensar a já carregada nuvem de suspeição que paira sobre essa suspeitíssima contratação, o serviço foi executado por uma empreiteira, a Construservice, chefiada por um laranja. Uma investigação da Polícia Federal (PF) apontou que o verdadeiro dono da empresa é “um conhecido há mais de 20 anos” do ministro, o empresário José Barros Costa. “Eduardo Imperador”, vulgo pelo qual Costa é tratado em Vitorino Freire, foi preso cinco meses após a assinatura do contrato. Na mesma operação, deflagrada em setembro de 2023, Luanna Rezende foi afastada da prefeitura, reassumindo o mandato poucas semanas depois por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. As investigações da PF continuam e é esperado que o ministro Juscelino Filho preste depoimento no próximo dia 10.

Das duas, uma: ou a CGU tem um péssimo quadro técnico, a ponto de produzir um relatório com graves acusações contra um ministro de Estado sem qualquer substância, ou, como é óbvio que é o caso, essa mixórdia que Juscelino faz entre o interesse público e seus interesses privados foi, afinal, reconhecida por servidores do próprio governo de que ele faz parte.

Já passou muito da hora de o presidente da República afastar do primeiro escalão do Poder Executivo federal alguém que demonstra tamanha inaptidão para o cargo de ministro de Estado. Ainda que Juscelino fosse um ás das telecomunicações no Brasil, as evidentes falhas morais do ministro já o desqualificam. A tolerância de Lula com esses desvios de seu auxiliar direto pode até ser alta, mas a paciência dos que prezam pela decência na administração pública já se esgotou há muito tempo.