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Freio ao isolacionismo

Câmara dos EUA aprova pacote financeiro contra ambições das potências autocráticas

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Por Notas & Informações
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Uma vitória da Rússia não será só uma derrota da Ucrânia, mas um passo para submeter o Direito Internacional à lei do mais forte. No sábado, a Câmara dos Deputados dos EUA deu um passo na direção oposta, ao aprovar um projeto de lei conferindo uma ajuda de US$ 61 bilhões a Kiev. Em três outros projetos foram aprovados auxílios a Israel e Taiwan, e a exigência de que mídias sociais sejam dirigidas por empresas não chinesas para operar nos EUA. Os projetos devem ser brevemente aprovados pelo Senado e sancionados pelo presidente Joe Biden.

O pacote ilustra o modo como os EUA, à frente de seus aliados no mundo que formam o chamado “Ocidente”, entendem seu papel na nova ordem mundial. Foram seis meses de hesitações. Uma porção dos democratas votou contra a ajuda a Israel; 112 republicanos votaram contra a ajuda à Ucrânia. Mas, ao fim, o presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, articulou maiorias bipartidárias e todos os projetos foram aprovados com mais de 300 votos dos 435.

Há uma bancada republicana genuinamente isolacionista. No pior dos casos, alguns compraram a propaganda de Vladimir Putin: que a Ucrânia é governada por nazistas e a Rússia luta por valores judaico-cristãos contra o globalismo progressista. Para outros, o país simplesmente não deveria gastar um centavo com conflitos distantes.

A possibilidade de uma retração dos EUA é real, mas precisa ser relativizada. Mesmo entre os republicanos, ninguém defende a redução do orçamento militar. Até Donald Trump, visto como líder isolacionista, concedeu seu aval tácito ao pacote. Com efeito, a política de Trump, até onde se pode discernir de sua incoerência e seu estilo transacional, seria mais bem descrita como “unilateralista” do que “isolacionista”. Foi ele, afinal, que autorizou o assassinato de um general iraniano e disparou mísseis na Síria. A propósito da Ucrânia, talvez tenha percebido que a confusão geopolítica iria parar na sua mesa em um segundo mandato. E há amplo consenso bipartidário a respeito da ameaça da China.

O desafio dos “adultos na sala” é convencer uma parcela da população que medidas como as aprovadas pela Câmara servem ao seu próprio interesse. Uma vitória de Putin seria um convite a novas aventuras imperialistas, incluindo uma agressão à Otan. A China se sentiria encorajada a invadir Taiwan. Israel e Arábia Saudita buscariam de forma desconcertada conter o Irã, e uma dissuasão volátil poderia degenerar rapidamente em confronto. Os aliados dos EUA perderiam a confiança, e tanto eles quanto seus adversários buscariam desenvolver arsenais nucleares.

Mesmo os americanos com uma visão mais materialista e economicista podem ser convencidos de que rupturas nas cadeias de produção e distribuição globais teriam um custo alto, e que dar de ombros para a realidade geopolítica hoje pode custar muito mais caro amanhã – como aconteceu na 2.ª Guerra.

É incerto se os isolacionistas americanos conseguirão mais votos para suas pautas. Por ora, ao menos, o país agiu em favor do Direito Internacional e de seu interesse nacional.