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Uma falha inaceitável

Poder público reduziu em 83% a contratação de agentes antidengue quando epidemia se avizinhava

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Por Notas & Informações
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Prevista desde meados do ano passado como desafio maior de saúde pública do último verão, a epidemia de dengue deixou até agora mais de 3,3 milhões de infectados e uma extensa relação de negligências do poder público. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) indicam que, em 2023, apenas 822 novos agentes comunitários de endemias (ACEs) foram contratados para atuar na linha de frente do combate ao mosquito Aedes aegypti pelo conjunto dos 5.568 municípios do País. No ano anterior, quando não se vislumbrava crise sanitária tão grave, mais 4.313 haviam entrado em ação. Os números estampam a mais recente omissão das autoridades de Saúde conhecida até o momento.

Desde o grande surto de dengue de 2001, epidemiologistas enfatizam que o controle do ciclo natural do Aedes aegypti – transmissor também de febre amarela, do zika vírus e da chikungunya – é o principal meio de evitar os contágios. O combate à proliferação do inseto sempre exigiu esforços diretos dos municípios que, como bem dizia o ex-governador paulista Franco Montoro, “é onde as pessoas moram”. Mesmo os economicamente inviáveis não teriam justificativas para negligenciar a tarefa, visto que os salários de atuais e novos ACEs são cobertos pelo Ministério da Saúde.

Nesse sentido, a queda de 83,3% na contratação dos agentes entre 2022 e 2023 parece ter sido ignorada pelo Ministério da Saúde, assim como o grau de desconhecimento das prefeituras sobre a grave epidemia que se avizinhava. Em teoria, nenhuma autoridade local se omitiria no campo da saúde pública em ano de eleições municipais, como é o de 2024. Além da pulverização de inseticida e da inspeção de residências e áreas comuns, o trabalho dos ACEs é imprescindível para impedir o avanço da dengue e das demais arboviroses, especialmente quando o País ainda se encontra distante de imunização universal contra a dengue no País.

Ao curto-circuito na informação prévia de gestores municipais sobre o cenário de epidemia no verão, somou-se o corte de verbas do Ministério da Saúde à propaganda de alerta à cidadania. Em meados de 2023, os principais centros de pesquisa meteorológica e climática do mundo previram um verão com temperaturas alarmantes no Hemisfério Sul por causa do fenômeno El Niño. Calor é sinônimo, entre outros, de proliferação do Aedes aegypti. No entanto, somente em novembro a pasta divulgou nota sobre “a possibilidade de uma epidemia de maiores proporções que as já documentadas na série histórica do País”.

O Ministério da Saúde pode não ter se mantido totalmente omisso, como demonstram suas ações para manter estoques adequados de medicamentos contra a doença e os repasses de recursos para a vigilância sanitária de Estados e municípios no fim de 2023 e no início deste ano. Mas, diante das 1.457 mortes por dengue confirmadas até o último dia 17 – outras 1.929 continuam em investigação –, será difícil validar sua atuação como eficaz. A epidemia certamente custaria menos vidas se houvesse maior coordenação do ministério com os municípios. Inaceitável, tal falha não pode mais se repetir.