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Uma jogada de risco do Irã

O inédito ataque a Israel expôs vulnerabilidades que podem ser exploradas pelos israelenses em prol de sua segurança, e por seus aliados e os árabes em prol da estabilidade regional

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Por Notas & Informações
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O ataque do Irã a Israel no fim de semana foi histórico. Há décadas ambos travam uma guerra nas sombras: o Irã por meio de milícias do chamado “Eixo da Resistência”; Israel por meio de ataques cirúrgicos a alvos militares iranianos. Desde a agressão de uma dessas milícias a Israel, o Hamas, em outubro, a batalha se intensificou. O Hezbollah, no Líbano, e os houthis, no Iêmen, conduzem disparos controlados, mas regulares. Em contrapartida, Israel abateu uma série de alvos iranianos, culminando com o ataque a instalações diplomáticas na Síria que matou oficiais da Guarda Revolucionária iraniana. No sábado, essa guerra nas sombras veio à luz com a retaliação do Irã: uma bateria de mais de 300 drones e mísseis. Foi a primeira vez que o Irã atacou abertamente Israel, com projéteis lançados de seu próprio território.

Se era para ser uma demonstração de força, malogrou. Mais de 99% dos projéteis foram interceptados, muitos pelos americanos, britânicos e franceses. A Jordânia não só destruiu alguns mísseis, como liberou seu espaço aéreo para as defesas israelenses. Outros países árabes podem ter atuado indiretamente.

Há riscos sérios de uma conflagração regional. Mas as partes envolvidas, incluindo Israel e Irã, têm razões para evitá-la.

É incerto até que ponto foi uma demonstração de força ou uma retaliação simbólica. O Irã poderia ter disparado mais mísseis, e, quando os projéteis ainda estavam no ar, diplomatas iranianos anunciaram que “a questão estava concluída”.

Mas, mesmo que tenha sido um ataque simbólico, ele expôs limitações iranianas. Alguns dos foguetes falharam de saída, e, mesmo ciente das capacidades das defesas israelenses, Teerã esperava atingir ao menos alguns alvos. Se o Hezbollah tivesse atacado, a pressão sobre Israel seria brutal. Também é incerto se não atacou por moderação do Irã ou porque não queria se expor ao risco de uma contraofensiva. De todo modo, o ataque serviu a Teerã para testar as defesas de Israel e tirar lições que podem ser usadas em uma nova ofensiva.

A iniciativa agora está com Israel. O país está sob pressão dos EUA para não retaliar. “Satisfaça-se com a vitória”, teria dito o presidente Joe Biden ao premiê Benjamin Netanyahu. É possível que o faça. Alguma retaliação é provável, mas pode ser calibrada para extrair vantagens políticas.

O governo israelense vinha sofrendo pressões dos aliados pela violência em Gaza, mas o ataque mudou o foco para a ameaça do Irã. Israel pode permutar, por assim dizer, moderação na resposta a Teerã pelo fortalecimento da aliança explícita dos ocidentais e implícita dos árabes contra o Irã. Em contrapartida, esses países podem pressionar Israel por alívio aos civis em Gaza e pela reativação de negociações pela normalização com os sauditas e de um processo político para a instauração de um Estado palestino.

Os grandes riscos são internos. O Irã vinha conquistando ganhos com o conflito em Gaza, sobretudo o isolamento crescente de Israel. O ataque foi uma jogada de risco de um regime que enfrenta problemas econômicos e instabilidade interna, e seu malogro pode intensificar essa instabilidade. Racionalmente, o país deveria buscar uma desescalada. Mas agora que o Rubicão foi atravessado, os aiatolás podem dobrar a aposta, promovendo uma “fuga” de seus problemas internos através de um conflito externo contra Israel. Para Israel, tampouco é racional abrir outras frentes de combate. Mas os extremistas que apoiam o governo de Netanyahu podem botá-lo contra a parede, exigindo mais agressividade em troca de sua sobrevivência política – e Netanyahu já mostrou mais de uma vez que essa é a sua prioridade.

O fato de que a aliança de ocasião anti-iraniana conseguiu bloquear o ataque sem maiores danos a Israel expôs a vulnerabilidade do Irã e abriu uma janela de oportunidades para fortalecer essa aliança e reorientar o conflito em Gaza a um caminho mais produtivo para israelenses, árabes e seus aliados ocidentais. Mas erros de cálculo são cometidos sob pressão. Foi o que aconteceu no ataque do Irã e pode acontecer com a resposta de Israel.