Na véspera de ato contra Copa, polícia e manifestantes reforçam tensão
Governo teme violência em protestos no Mundial e investe R$ 1,9 bilhão
O que mais se vê são opiniões consolidadas, cabeças feitas e gente convicta. A avalanche de palpites e a legião de juízes instantâneos se espalha pelo País empurrando o debate para a duvidosa sombra das certezas. Para que esperar até outubro se todos já sabem em quem vão despejar os votos? O hábito de acreditar em propaganda e na ridícula maquiagem, amplia a abolição do discernimento. No lugar de lançar dúvidas sobre os exemplos dos líderes, de indagar sobre a obsessão pelo consumo, de se inquietar por uma cultura guiada pela competição e orientada para insuflar conflitos, preferimos vereditos ditados pelo twitter.
Sob um discurso salvacionista a violência - na linguagem auto referente, na gesticulação ameaçadora, na assertividade agressiva, nos golpes sujos -- a violência continua sendo semeada desde o planalto e já germina selvagem na planície. Não é bom agouro quando o exército enfrenta a população. No País e no continente latino americano os comandantes fingem defender a liberdade, enquanto cassam os direitos de expressão. Vozes discordantes passaram a representar traidores golpistas. Toda crítica perseguida para assegurar perpetuidade no poder. O jornalismo independente é apenas a última linha a ser suprimida da pauta.
Num movimento de inspiração absolutista, o establishment político que governa parece torcer contra as instituições. Faz força para emperrar o que já é sôfrego e ineficiente. Podemos nunca ter sido sérios, mas sabotagens dessa magnitude beirariam o incompreensível se não significassem a mais pura malandragem. Reparem, num estalo podemos virar fósseis. Basta uma imagem acusatória, uma calúnia, um dossiê subsidiado para que a tinta seque na cara do adversário.
Camus tinha o faro empírico e podia ser irritantemente preciso: quando não se tem caráter é necessário um método. Ainda que nossas tormentas não sejam as mesmas experimentadas por Hamlet nas tramoias do Reino, sempre soubemos os caminhos que levavam ao desfiladeiro. Chame-se do que quiser, pressentimento, intuição, presságio. A sensação pode ser impalpável, subjetiva e difusa e embora compartilhada nos corações, o consenso continua entalado nas nossas entranhas: há algo de muito podre na República.
http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/desfacam-se-cabecas-a-duvidosa-sombra-das-certezas/