Entenda o que é o racismo estrutural e o seu impacto no País


Pesquisadores e líderes do movimento negro explicam como a mentalidade racista é a base das desigualdades na sociedade brasileira

Por Diego Kerber

Há dez anos, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A concepção do estatuto tinha como objetivo combater a desigualdade racial existente no Brasil. Uma década depois, o progresso nesse sentido não foi tão significativo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo representando 55,8% da população brasileira, os negros ainda são discriminados na grande maioria dos setores da sociedade. Em 2018, a taxa de desocupação entre negros era de 14,1% frente a 9,5% entre brancos. Em questão de renda, a discrepância também é gritante: em média, os negros recebiam R$ 1.608 por mês, enquanto brancos recebiam R$ 2.796. Com relação a moradia, 42,8% da população negra brasileira não tinha acesso a sistema de esgoto frente a 26,5% da população branca. Na educação, só 10,1% dos negros completou o ensino superior, enquanto 24% dos brancos alcançaram o mesmo nível educacional.

Manifestação a favor da democracia e contra o racismo na Avenida Paulista no domingo, 14 Foto: Taba Benedicto/Estadão
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A maior desigualdade, no entanto, pode ser observada nos dados de violência e representatividade política. Segundo o IBGE, em 2017, a taxa de homicídios de negros por 100 mil habitantes era de 43,4, bem mais que os 16 por 100 mil entre os brancos. Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança também revelou que 75% dos mortos pela polícia são negros. Já na política, por mais que quase metade dos candidatos a deputado federal em 2018 fosse negra, apenas 24,4% dos deputados eleitos são pretos ou pardos.

Muito disso está associado ao chamado racismo estrutural, com práticas e políticas que, ao longo da História brasileira, contribuíram para a marginalização da população negra no País.

O que é racismo estrutural?

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De acordo com Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, onde coordena o Núcleo Afro-Cebrap, o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas. “Eu entendo o racismo como um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis da sociedade. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal.”

Homem participa de uma manifestação anti-racista, na qual também gritavam slogans contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Vestidos de preto e usando máscaras, exibiam faixas com mensagens em defesa da democracia e contra o racismo. Foto:Carl de Souza/ AFP 

A doutora em ciência da informação e membro da Uneafro, que compõe a Coalizão Negra por Direitos, Bianca Santana, afirma que o racismo é, na verdade, a base de todas as outras desigualdades no País. “Eu não costumo trabalhar com a noção de racismo estrutural, que é usada por várias pensadoras e pensadores. Eu olho para o racismo como sendo estruturante de todas as desigualdades brasileiras. Isso é muito simples de perceber quando analisamos os nossos dados de desigualdade. Quando a gente olha o que estrutura essa desigualdade, ela tem um recorte racial muito explícito.”

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Segundo as especialistas, a sociedade brasileira foi estruturada dentro da lógica racista, que acabou se perpetuando ao longo da História do Brasil.

Como foi construído o racismo estrutural no Brasil?

O racismo está presente no Brasil desde os tempos coloniais, mas o racismo foi estruturado e a perpetuado na sociedade a partir de um processo de desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social, principalmente no processo de abolição da escravidão, como explica Bianca.

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“A Lei de Terras de 1850 é um marco importante, porque a partir daquele momento ninguém podia mais receber terra, era preciso comprar. Isso restringiu o acesso de pessoas negras porque não tinham o dinheiro”, exemplifica ela. “As pessoas escravizadas também não podiam frequentar a escola. E pouco antes da abolição, o Estado brasileiro começou a negociar com outros Estados políticas de imigração com a intenção de trazer trabalhadores europeus livres, que, naquela visão racista e eugenista, eram as pessoas que tinham a condição de exercer o trabalho remunerado. Esses imigrantes foram trazidos ou com emprego garantido ou com um pedaço de terra produtivo. Essas duas coisas nunca foram oferecidas para a população negra.”

Ato pró-democracia, contra o governo do PresidenteJair Bolsonaro e contra o racismoorganizado por vários movimentos sociais reune manifestantes no Largo da Batata na zona oeste de Sao Paulo. Foto: Daniel Teixeira / Estadão 

A doutora em comunicação ainda afirma que essa discrepância de direitos e oportunidades foi crucial para a situação que os negros vivem hoje no País. “Quando chegaram os imigrantes europeus, especialmente falando de São Paulo, eles estavam em uma situação muito parecida com a que os negros viviam, mas como eles tiveram mais acesso a oportunidades, direitos, escola e trabalho, rapidamente houve uma mobilidade social desses grupos brancos, enquanto os negros continuaram ocupando o mesmo lugar na pirâmide social. Isso é uma perversidade muito grande que caracteriza o racismo brasileiro.”

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“O racismo é fruto de um processo histórico e da interpretação deste processo”, explica Márcia Lima. “Sempre houve uma enorme depreciação do papel do negro como sujeito ativo da história econômica e social do Brasil, considerando-o sem nenhuma agência, sem a menor possibilidade de lidar com qualquer tipo de transformação que ocorresse na História.”

Segundo a pesquisadora, o racismo estrutural no Brasil é mais do que uma consequência histórica. “As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de produção e reprodução de desigualdades sociais e de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos.”

A falta de atitude e o silêncio é o que perpetua o racismo

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De acordo com a pesquisa “As Faces do Racismo”, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas (CUFA) entre os dias 4 e 5 de junho, 62% dos 3.111 entrevistados acham que o racismo está na sociedade brasileira, enquanto 38% dizem que apenas alguns indivíduos são racistas.

Segundo as especialistas, o fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para a perpetuação da discriminação.

“O Brasil tem uma sofisticação no seu arcabouço legal e nas suas práticas racistas que nunca precisou ter uma placa na porta falando ‘proibida a entrada de pessoas negras’. Nunca precisou ter, porque existe uma série de mecanismos que restringem e sempre restringiram o acesso de pessoas a determinados lugares”, explica Bianca Santana. “Isso no Brasil sempre foi feito, e esse jeito não declarado pauta o nosso racismo até hoje.”

A ativista dá exemplos de situações de discriminação velada no mercado de trabalho. “Por décadas, os anúncios de emprego tinham o termo ‘boa aparência’. A ‘boa aparência’ indicava que precisava ser uma pessoa branca, esse era um combinado implícito na sociedade brasileira que todo mundo entendia exatamente o significado. Hoje em dia, basta colocar: ‘Para ocupar essa vaga, a pessoa precisa ter estudado em uma das faculdades de elite e ter inglês fluente.’ Pronto, você já traça um risco que impede pessoas negras de acessar esse lugar.”

“Ele está na violência policial, nos livros didáticos, na invisibilidade da produção intelectual negra que só muito recentemente tem sido reconhecida e valorizada, está no elevador de serviços. Temos os estereótipos raciais que traduzem homens negros como suspeitos e mulheres negras como domésticas: estas são suas representações sociais possíveis há 132 anos”, pontua Márcia. “O silêncio e a negação do racismo são os instrumentos mais eficazes para sua manutenção. As estratégias de invisibilização do racismo brasileiro é uma das maiores demonstrações de poder deste país”, afirma a professora.

Como combater o racismo estrutural no Brasil

Para Márcia Lima, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos. “Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, mas com pequenos e constantes avanços.”

Ela destaca que os vários estudos feitos sobre o tema e a crescente participação do investimento social privado na agenda anti-racista têm sido primordiais para a produção de conhecimento sobre o assunto e o combate à desigualdade. “A maior fragilidade sempre foi a participação do Estado brasileiro no combate ao racismo, desde a formulação de políticas públicas para minorar as consequências do racismo até a lei anti-racismo, que apresenta enormes dificuldades de aplicação”, completa.

Já Bianca afirma que devem ser aplicadas várias ações em conjunto para surtir algum efeito. “Não tem nada que eu faça isoladamente que vai tornar o Brasil um país não racista, exatamente porque o racismo se estrutura numa combinação de inúmeros fatores. Então, para destituir o racismo, eu preciso também de muitas ações combinadas.”

Como exemplos, ela cita políticas primordiais, como ampliar a cota racial nas universidades também para pós-graduação, garantir uma maior distribuição de recursos para candidaturas negras nas eleições, aplicar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, prevista no Estatuto da Igualdade Racial, combater a violência policial e o encarceramento em massa de jovens negros e demarcar os territórios quilombolas, entre outras ações.

“Não adianta discutir, saber o que tem que ser feito e nunca fazer. A gente precisa fazer tudo isso ao mesmo tempo com excelência para que o Brasil deixe de ser um país racista, para que o racismo deixe de estruturar essa sociedade”, completa ela.

Há dez anos, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A concepção do estatuto tinha como objetivo combater a desigualdade racial existente no Brasil. Uma década depois, o progresso nesse sentido não foi tão significativo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo representando 55,8% da população brasileira, os negros ainda são discriminados na grande maioria dos setores da sociedade. Em 2018, a taxa de desocupação entre negros era de 14,1% frente a 9,5% entre brancos. Em questão de renda, a discrepância também é gritante: em média, os negros recebiam R$ 1.608 por mês, enquanto brancos recebiam R$ 2.796. Com relação a moradia, 42,8% da população negra brasileira não tinha acesso a sistema de esgoto frente a 26,5% da população branca. Na educação, só 10,1% dos negros completou o ensino superior, enquanto 24% dos brancos alcançaram o mesmo nível educacional.

Manifestação a favor da democracia e contra o racismo na Avenida Paulista no domingo, 14 Foto: Taba Benedicto/Estadão

A maior desigualdade, no entanto, pode ser observada nos dados de violência e representatividade política. Segundo o IBGE, em 2017, a taxa de homicídios de negros por 100 mil habitantes era de 43,4, bem mais que os 16 por 100 mil entre os brancos. Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança também revelou que 75% dos mortos pela polícia são negros. Já na política, por mais que quase metade dos candidatos a deputado federal em 2018 fosse negra, apenas 24,4% dos deputados eleitos são pretos ou pardos.

Muito disso está associado ao chamado racismo estrutural, com práticas e políticas que, ao longo da História brasileira, contribuíram para a marginalização da população negra no País.

O que é racismo estrutural?

De acordo com Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, onde coordena o Núcleo Afro-Cebrap, o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas. “Eu entendo o racismo como um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis da sociedade. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal.”

Homem participa de uma manifestação anti-racista, na qual também gritavam slogans contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Vestidos de preto e usando máscaras, exibiam faixas com mensagens em defesa da democracia e contra o racismo. Foto:Carl de Souza/ AFP 

A doutora em ciência da informação e membro da Uneafro, que compõe a Coalizão Negra por Direitos, Bianca Santana, afirma que o racismo é, na verdade, a base de todas as outras desigualdades no País. “Eu não costumo trabalhar com a noção de racismo estrutural, que é usada por várias pensadoras e pensadores. Eu olho para o racismo como sendo estruturante de todas as desigualdades brasileiras. Isso é muito simples de perceber quando analisamos os nossos dados de desigualdade. Quando a gente olha o que estrutura essa desigualdade, ela tem um recorte racial muito explícito.”

Segundo as especialistas, a sociedade brasileira foi estruturada dentro da lógica racista, que acabou se perpetuando ao longo da História do Brasil.

Como foi construído o racismo estrutural no Brasil?

O racismo está presente no Brasil desde os tempos coloniais, mas o racismo foi estruturado e a perpetuado na sociedade a partir de um processo de desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social, principalmente no processo de abolição da escravidão, como explica Bianca.

“A Lei de Terras de 1850 é um marco importante, porque a partir daquele momento ninguém podia mais receber terra, era preciso comprar. Isso restringiu o acesso de pessoas negras porque não tinham o dinheiro”, exemplifica ela. “As pessoas escravizadas também não podiam frequentar a escola. E pouco antes da abolição, o Estado brasileiro começou a negociar com outros Estados políticas de imigração com a intenção de trazer trabalhadores europeus livres, que, naquela visão racista e eugenista, eram as pessoas que tinham a condição de exercer o trabalho remunerado. Esses imigrantes foram trazidos ou com emprego garantido ou com um pedaço de terra produtivo. Essas duas coisas nunca foram oferecidas para a população negra.”

Ato pró-democracia, contra o governo do PresidenteJair Bolsonaro e contra o racismoorganizado por vários movimentos sociais reune manifestantes no Largo da Batata na zona oeste de Sao Paulo. Foto: Daniel Teixeira / Estadão 

A doutora em comunicação ainda afirma que essa discrepância de direitos e oportunidades foi crucial para a situação que os negros vivem hoje no País. “Quando chegaram os imigrantes europeus, especialmente falando de São Paulo, eles estavam em uma situação muito parecida com a que os negros viviam, mas como eles tiveram mais acesso a oportunidades, direitos, escola e trabalho, rapidamente houve uma mobilidade social desses grupos brancos, enquanto os negros continuaram ocupando o mesmo lugar na pirâmide social. Isso é uma perversidade muito grande que caracteriza o racismo brasileiro.”

“O racismo é fruto de um processo histórico e da interpretação deste processo”, explica Márcia Lima. “Sempre houve uma enorme depreciação do papel do negro como sujeito ativo da história econômica e social do Brasil, considerando-o sem nenhuma agência, sem a menor possibilidade de lidar com qualquer tipo de transformação que ocorresse na História.”

Segundo a pesquisadora, o racismo estrutural no Brasil é mais do que uma consequência histórica. “As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de produção e reprodução de desigualdades sociais e de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos.”

A falta de atitude e o silêncio é o que perpetua o racismo

De acordo com a pesquisa “As Faces do Racismo”, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas (CUFA) entre os dias 4 e 5 de junho, 62% dos 3.111 entrevistados acham que o racismo está na sociedade brasileira, enquanto 38% dizem que apenas alguns indivíduos são racistas.

Segundo as especialistas, o fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para a perpetuação da discriminação.

“O Brasil tem uma sofisticação no seu arcabouço legal e nas suas práticas racistas que nunca precisou ter uma placa na porta falando ‘proibida a entrada de pessoas negras’. Nunca precisou ter, porque existe uma série de mecanismos que restringem e sempre restringiram o acesso de pessoas a determinados lugares”, explica Bianca Santana. “Isso no Brasil sempre foi feito, e esse jeito não declarado pauta o nosso racismo até hoje.”

A ativista dá exemplos de situações de discriminação velada no mercado de trabalho. “Por décadas, os anúncios de emprego tinham o termo ‘boa aparência’. A ‘boa aparência’ indicava que precisava ser uma pessoa branca, esse era um combinado implícito na sociedade brasileira que todo mundo entendia exatamente o significado. Hoje em dia, basta colocar: ‘Para ocupar essa vaga, a pessoa precisa ter estudado em uma das faculdades de elite e ter inglês fluente.’ Pronto, você já traça um risco que impede pessoas negras de acessar esse lugar.”

“Ele está na violência policial, nos livros didáticos, na invisibilidade da produção intelectual negra que só muito recentemente tem sido reconhecida e valorizada, está no elevador de serviços. Temos os estereótipos raciais que traduzem homens negros como suspeitos e mulheres negras como domésticas: estas são suas representações sociais possíveis há 132 anos”, pontua Márcia. “O silêncio e a negação do racismo são os instrumentos mais eficazes para sua manutenção. As estratégias de invisibilização do racismo brasileiro é uma das maiores demonstrações de poder deste país”, afirma a professora.

Como combater o racismo estrutural no Brasil

Para Márcia Lima, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos. “Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, mas com pequenos e constantes avanços.”

Ela destaca que os vários estudos feitos sobre o tema e a crescente participação do investimento social privado na agenda anti-racista têm sido primordiais para a produção de conhecimento sobre o assunto e o combate à desigualdade. “A maior fragilidade sempre foi a participação do Estado brasileiro no combate ao racismo, desde a formulação de políticas públicas para minorar as consequências do racismo até a lei anti-racismo, que apresenta enormes dificuldades de aplicação”, completa.

Já Bianca afirma que devem ser aplicadas várias ações em conjunto para surtir algum efeito. “Não tem nada que eu faça isoladamente que vai tornar o Brasil um país não racista, exatamente porque o racismo se estrutura numa combinação de inúmeros fatores. Então, para destituir o racismo, eu preciso também de muitas ações combinadas.”

Como exemplos, ela cita políticas primordiais, como ampliar a cota racial nas universidades também para pós-graduação, garantir uma maior distribuição de recursos para candidaturas negras nas eleições, aplicar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, prevista no Estatuto da Igualdade Racial, combater a violência policial e o encarceramento em massa de jovens negros e demarcar os territórios quilombolas, entre outras ações.

“Não adianta discutir, saber o que tem que ser feito e nunca fazer. A gente precisa fazer tudo isso ao mesmo tempo com excelência para que o Brasil deixe de ser um país racista, para que o racismo deixe de estruturar essa sociedade”, completa ela.

Há dez anos, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A concepção do estatuto tinha como objetivo combater a desigualdade racial existente no Brasil. Uma década depois, o progresso nesse sentido não foi tão significativo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo representando 55,8% da população brasileira, os negros ainda são discriminados na grande maioria dos setores da sociedade. Em 2018, a taxa de desocupação entre negros era de 14,1% frente a 9,5% entre brancos. Em questão de renda, a discrepância também é gritante: em média, os negros recebiam R$ 1.608 por mês, enquanto brancos recebiam R$ 2.796. Com relação a moradia, 42,8% da população negra brasileira não tinha acesso a sistema de esgoto frente a 26,5% da população branca. Na educação, só 10,1% dos negros completou o ensino superior, enquanto 24% dos brancos alcançaram o mesmo nível educacional.

Manifestação a favor da democracia e contra o racismo na Avenida Paulista no domingo, 14 Foto: Taba Benedicto/Estadão

A maior desigualdade, no entanto, pode ser observada nos dados de violência e representatividade política. Segundo o IBGE, em 2017, a taxa de homicídios de negros por 100 mil habitantes era de 43,4, bem mais que os 16 por 100 mil entre os brancos. Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança também revelou que 75% dos mortos pela polícia são negros. Já na política, por mais que quase metade dos candidatos a deputado federal em 2018 fosse negra, apenas 24,4% dos deputados eleitos são pretos ou pardos.

Muito disso está associado ao chamado racismo estrutural, com práticas e políticas que, ao longo da História brasileira, contribuíram para a marginalização da população negra no País.

O que é racismo estrutural?

De acordo com Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, onde coordena o Núcleo Afro-Cebrap, o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas. “Eu entendo o racismo como um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis da sociedade. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal.”

Homem participa de uma manifestação anti-racista, na qual também gritavam slogans contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Vestidos de preto e usando máscaras, exibiam faixas com mensagens em defesa da democracia e contra o racismo. Foto:Carl de Souza/ AFP 

A doutora em ciência da informação e membro da Uneafro, que compõe a Coalizão Negra por Direitos, Bianca Santana, afirma que o racismo é, na verdade, a base de todas as outras desigualdades no País. “Eu não costumo trabalhar com a noção de racismo estrutural, que é usada por várias pensadoras e pensadores. Eu olho para o racismo como sendo estruturante de todas as desigualdades brasileiras. Isso é muito simples de perceber quando analisamos os nossos dados de desigualdade. Quando a gente olha o que estrutura essa desigualdade, ela tem um recorte racial muito explícito.”

Segundo as especialistas, a sociedade brasileira foi estruturada dentro da lógica racista, que acabou se perpetuando ao longo da História do Brasil.

Como foi construído o racismo estrutural no Brasil?

O racismo está presente no Brasil desde os tempos coloniais, mas o racismo foi estruturado e a perpetuado na sociedade a partir de um processo de desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social, principalmente no processo de abolição da escravidão, como explica Bianca.

“A Lei de Terras de 1850 é um marco importante, porque a partir daquele momento ninguém podia mais receber terra, era preciso comprar. Isso restringiu o acesso de pessoas negras porque não tinham o dinheiro”, exemplifica ela. “As pessoas escravizadas também não podiam frequentar a escola. E pouco antes da abolição, o Estado brasileiro começou a negociar com outros Estados políticas de imigração com a intenção de trazer trabalhadores europeus livres, que, naquela visão racista e eugenista, eram as pessoas que tinham a condição de exercer o trabalho remunerado. Esses imigrantes foram trazidos ou com emprego garantido ou com um pedaço de terra produtivo. Essas duas coisas nunca foram oferecidas para a população negra.”

Ato pró-democracia, contra o governo do PresidenteJair Bolsonaro e contra o racismoorganizado por vários movimentos sociais reune manifestantes no Largo da Batata na zona oeste de Sao Paulo. Foto: Daniel Teixeira / Estadão 

A doutora em comunicação ainda afirma que essa discrepância de direitos e oportunidades foi crucial para a situação que os negros vivem hoje no País. “Quando chegaram os imigrantes europeus, especialmente falando de São Paulo, eles estavam em uma situação muito parecida com a que os negros viviam, mas como eles tiveram mais acesso a oportunidades, direitos, escola e trabalho, rapidamente houve uma mobilidade social desses grupos brancos, enquanto os negros continuaram ocupando o mesmo lugar na pirâmide social. Isso é uma perversidade muito grande que caracteriza o racismo brasileiro.”

“O racismo é fruto de um processo histórico e da interpretação deste processo”, explica Márcia Lima. “Sempre houve uma enorme depreciação do papel do negro como sujeito ativo da história econômica e social do Brasil, considerando-o sem nenhuma agência, sem a menor possibilidade de lidar com qualquer tipo de transformação que ocorresse na História.”

Segundo a pesquisadora, o racismo estrutural no Brasil é mais do que uma consequência histórica. “As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de produção e reprodução de desigualdades sociais e de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos.”

A falta de atitude e o silêncio é o que perpetua o racismo

De acordo com a pesquisa “As Faces do Racismo”, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas (CUFA) entre os dias 4 e 5 de junho, 62% dos 3.111 entrevistados acham que o racismo está na sociedade brasileira, enquanto 38% dizem que apenas alguns indivíduos são racistas.

Segundo as especialistas, o fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para a perpetuação da discriminação.

“O Brasil tem uma sofisticação no seu arcabouço legal e nas suas práticas racistas que nunca precisou ter uma placa na porta falando ‘proibida a entrada de pessoas negras’. Nunca precisou ter, porque existe uma série de mecanismos que restringem e sempre restringiram o acesso de pessoas a determinados lugares”, explica Bianca Santana. “Isso no Brasil sempre foi feito, e esse jeito não declarado pauta o nosso racismo até hoje.”

A ativista dá exemplos de situações de discriminação velada no mercado de trabalho. “Por décadas, os anúncios de emprego tinham o termo ‘boa aparência’. A ‘boa aparência’ indicava que precisava ser uma pessoa branca, esse era um combinado implícito na sociedade brasileira que todo mundo entendia exatamente o significado. Hoje em dia, basta colocar: ‘Para ocupar essa vaga, a pessoa precisa ter estudado em uma das faculdades de elite e ter inglês fluente.’ Pronto, você já traça um risco que impede pessoas negras de acessar esse lugar.”

“Ele está na violência policial, nos livros didáticos, na invisibilidade da produção intelectual negra que só muito recentemente tem sido reconhecida e valorizada, está no elevador de serviços. Temos os estereótipos raciais que traduzem homens negros como suspeitos e mulheres negras como domésticas: estas são suas representações sociais possíveis há 132 anos”, pontua Márcia. “O silêncio e a negação do racismo são os instrumentos mais eficazes para sua manutenção. As estratégias de invisibilização do racismo brasileiro é uma das maiores demonstrações de poder deste país”, afirma a professora.

Como combater o racismo estrutural no Brasil

Para Márcia Lima, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos. “Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, mas com pequenos e constantes avanços.”

Ela destaca que os vários estudos feitos sobre o tema e a crescente participação do investimento social privado na agenda anti-racista têm sido primordiais para a produção de conhecimento sobre o assunto e o combate à desigualdade. “A maior fragilidade sempre foi a participação do Estado brasileiro no combate ao racismo, desde a formulação de políticas públicas para minorar as consequências do racismo até a lei anti-racismo, que apresenta enormes dificuldades de aplicação”, completa.

Já Bianca afirma que devem ser aplicadas várias ações em conjunto para surtir algum efeito. “Não tem nada que eu faça isoladamente que vai tornar o Brasil um país não racista, exatamente porque o racismo se estrutura numa combinação de inúmeros fatores. Então, para destituir o racismo, eu preciso também de muitas ações combinadas.”

Como exemplos, ela cita políticas primordiais, como ampliar a cota racial nas universidades também para pós-graduação, garantir uma maior distribuição de recursos para candidaturas negras nas eleições, aplicar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, prevista no Estatuto da Igualdade Racial, combater a violência policial e o encarceramento em massa de jovens negros e demarcar os territórios quilombolas, entre outras ações.

“Não adianta discutir, saber o que tem que ser feito e nunca fazer. A gente precisa fazer tudo isso ao mesmo tempo com excelência para que o Brasil deixe de ser um país racista, para que o racismo deixe de estruturar essa sociedade”, completa ela.

Há dez anos, foi instituído o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). A concepção do estatuto tinha como objetivo combater a desigualdade racial existente no Brasil. Uma década depois, o progresso nesse sentido não foi tão significativo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mesmo representando 55,8% da população brasileira, os negros ainda são discriminados na grande maioria dos setores da sociedade. Em 2018, a taxa de desocupação entre negros era de 14,1% frente a 9,5% entre brancos. Em questão de renda, a discrepância também é gritante: em média, os negros recebiam R$ 1.608 por mês, enquanto brancos recebiam R$ 2.796. Com relação a moradia, 42,8% da população negra brasileira não tinha acesso a sistema de esgoto frente a 26,5% da população branca. Na educação, só 10,1% dos negros completou o ensino superior, enquanto 24% dos brancos alcançaram o mesmo nível educacional.

Manifestação a favor da democracia e contra o racismo na Avenida Paulista no domingo, 14 Foto: Taba Benedicto/Estadão

A maior desigualdade, no entanto, pode ser observada nos dados de violência e representatividade política. Segundo o IBGE, em 2017, a taxa de homicídios de negros por 100 mil habitantes era de 43,4, bem mais que os 16 por 100 mil entre os brancos. Um relatório da Rede de Observatórios da Segurança também revelou que 75% dos mortos pela polícia são negros. Já na política, por mais que quase metade dos candidatos a deputado federal em 2018 fosse negra, apenas 24,4% dos deputados eleitos são pretos ou pardos.

Muito disso está associado ao chamado racismo estrutural, com práticas e políticas que, ao longo da História brasileira, contribuíram para a marginalização da população negra no País.

O que é racismo estrutural?

De acordo com Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, onde coordena o Núcleo Afro-Cebrap, o racismo atua em diversas dimensões, sendo a estrutural uma delas. “Eu entendo o racismo como um fenômeno estruturante da sociedade. Ele atua em diversas dimensões e camadas e pode ser observado em diferentes níveis da sociedade. Mas entendo que a distinção entre estrutural e institucional busca demonstrar que os diferentes níveis da sociedade instrumentalizam o racismo de maneira diferente. O mesmo acontece quando falamos do racismo cotidiano, nas situações de interação pessoal.”

Homem participa de uma manifestação anti-racista, na qual também gritavam slogans contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro. Vestidos de preto e usando máscaras, exibiam faixas com mensagens em defesa da democracia e contra o racismo. Foto:Carl de Souza/ AFP 

A doutora em ciência da informação e membro da Uneafro, que compõe a Coalizão Negra por Direitos, Bianca Santana, afirma que o racismo é, na verdade, a base de todas as outras desigualdades no País. “Eu não costumo trabalhar com a noção de racismo estrutural, que é usada por várias pensadoras e pensadores. Eu olho para o racismo como sendo estruturante de todas as desigualdades brasileiras. Isso é muito simples de perceber quando analisamos os nossos dados de desigualdade. Quando a gente olha o que estrutura essa desigualdade, ela tem um recorte racial muito explícito.”

Segundo as especialistas, a sociedade brasileira foi estruturada dentro da lógica racista, que acabou se perpetuando ao longo da História do Brasil.

Como foi construído o racismo estrutural no Brasil?

O racismo está presente no Brasil desde os tempos coloniais, mas o racismo foi estruturado e a perpetuado na sociedade a partir de um processo de desvalorização e restrição de acesso dos negros a oportunidades de ascensão social, principalmente no processo de abolição da escravidão, como explica Bianca.

“A Lei de Terras de 1850 é um marco importante, porque a partir daquele momento ninguém podia mais receber terra, era preciso comprar. Isso restringiu o acesso de pessoas negras porque não tinham o dinheiro”, exemplifica ela. “As pessoas escravizadas também não podiam frequentar a escola. E pouco antes da abolição, o Estado brasileiro começou a negociar com outros Estados políticas de imigração com a intenção de trazer trabalhadores europeus livres, que, naquela visão racista e eugenista, eram as pessoas que tinham a condição de exercer o trabalho remunerado. Esses imigrantes foram trazidos ou com emprego garantido ou com um pedaço de terra produtivo. Essas duas coisas nunca foram oferecidas para a população negra.”

Ato pró-democracia, contra o governo do PresidenteJair Bolsonaro e contra o racismoorganizado por vários movimentos sociais reune manifestantes no Largo da Batata na zona oeste de Sao Paulo. Foto: Daniel Teixeira / Estadão 

A doutora em comunicação ainda afirma que essa discrepância de direitos e oportunidades foi crucial para a situação que os negros vivem hoje no País. “Quando chegaram os imigrantes europeus, especialmente falando de São Paulo, eles estavam em uma situação muito parecida com a que os negros viviam, mas como eles tiveram mais acesso a oportunidades, direitos, escola e trabalho, rapidamente houve uma mobilidade social desses grupos brancos, enquanto os negros continuaram ocupando o mesmo lugar na pirâmide social. Isso é uma perversidade muito grande que caracteriza o racismo brasileiro.”

“O racismo é fruto de um processo histórico e da interpretação deste processo”, explica Márcia Lima. “Sempre houve uma enorme depreciação do papel do negro como sujeito ativo da história econômica e social do Brasil, considerando-o sem nenhuma agência, sem a menor possibilidade de lidar com qualquer tipo de transformação que ocorresse na História.”

Segundo a pesquisadora, o racismo estrutural no Brasil é mais do que uma consequência histórica. “As dificuldades enfrentadas pela população negra são decorrentes dos mecanismos discriminatórios contemporâneos e não simples legado do passado. A discriminação racial é uma forma de produção e reprodução de desigualdades sociais e de preservação de privilégios e de ganhos materiais e simbólicos.”

A falta de atitude e o silêncio é o que perpetua o racismo

De acordo com a pesquisa “As Faces do Racismo”, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única de Favelas (CUFA) entre os dias 4 e 5 de junho, 62% dos 3.111 entrevistados acham que o racismo está na sociedade brasileira, enquanto 38% dizem que apenas alguns indivíduos são racistas.

Segundo as especialistas, o fato de muitos brasileiros ainda não aceitarem que o racismo é parte da estrutura da sociedade é um dos motivos para a perpetuação da discriminação.

“O Brasil tem uma sofisticação no seu arcabouço legal e nas suas práticas racistas que nunca precisou ter uma placa na porta falando ‘proibida a entrada de pessoas negras’. Nunca precisou ter, porque existe uma série de mecanismos que restringem e sempre restringiram o acesso de pessoas a determinados lugares”, explica Bianca Santana. “Isso no Brasil sempre foi feito, e esse jeito não declarado pauta o nosso racismo até hoje.”

A ativista dá exemplos de situações de discriminação velada no mercado de trabalho. “Por décadas, os anúncios de emprego tinham o termo ‘boa aparência’. A ‘boa aparência’ indicava que precisava ser uma pessoa branca, esse era um combinado implícito na sociedade brasileira que todo mundo entendia exatamente o significado. Hoje em dia, basta colocar: ‘Para ocupar essa vaga, a pessoa precisa ter estudado em uma das faculdades de elite e ter inglês fluente.’ Pronto, você já traça um risco que impede pessoas negras de acessar esse lugar.”

“Ele está na violência policial, nos livros didáticos, na invisibilidade da produção intelectual negra que só muito recentemente tem sido reconhecida e valorizada, está no elevador de serviços. Temos os estereótipos raciais que traduzem homens negros como suspeitos e mulheres negras como domésticas: estas são suas representações sociais possíveis há 132 anos”, pontua Márcia. “O silêncio e a negação do racismo são os instrumentos mais eficazes para sua manutenção. As estratégias de invisibilização do racismo brasileiro é uma das maiores demonstrações de poder deste país”, afirma a professora.

Como combater o racismo estrutural no Brasil

Para Márcia Lima, a luta constante da população negra por igualdade tem surtido algum efeito, mesmo que a passos bem curtos. “Há décadas de denúncias sistemáticas do movimento negro que também sempre foram invisibilizadas, mas que incomodam e que de certa forma vêm surtindo efeito, não na magnitude devida, mas com pequenos e constantes avanços.”

Ela destaca que os vários estudos feitos sobre o tema e a crescente participação do investimento social privado na agenda anti-racista têm sido primordiais para a produção de conhecimento sobre o assunto e o combate à desigualdade. “A maior fragilidade sempre foi a participação do Estado brasileiro no combate ao racismo, desde a formulação de políticas públicas para minorar as consequências do racismo até a lei anti-racismo, que apresenta enormes dificuldades de aplicação”, completa.

Já Bianca afirma que devem ser aplicadas várias ações em conjunto para surtir algum efeito. “Não tem nada que eu faça isoladamente que vai tornar o Brasil um país não racista, exatamente porque o racismo se estrutura numa combinação de inúmeros fatores. Então, para destituir o racismo, eu preciso também de muitas ações combinadas.”

Como exemplos, ela cita políticas primordiais, como ampliar a cota racial nas universidades também para pós-graduação, garantir uma maior distribuição de recursos para candidaturas negras nas eleições, aplicar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, prevista no Estatuto da Igualdade Racial, combater a violência policial e o encarceramento em massa de jovens negros e demarcar os territórios quilombolas, entre outras ações.

“Não adianta discutir, saber o que tem que ser feito e nunca fazer. A gente precisa fazer tudo isso ao mesmo tempo com excelência para que o Brasil deixe de ser um país racista, para que o racismo deixe de estruturar essa sociedade”, completa ela.

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