Polícia investiga uso de estudantes de Medicina como ‘mulas’ do tráfico


Somente em São Paulo, dois jovens foram presos em um mesmo terminal rodoviário no período de três meses; alunos são cooptados na Bolívia e no Paraguai

Por José Maria Tomazela e Ítalo Lo Re

SÃO PAULO E SOROCABA – Estudantes brasileiros que cursam Medicina em países como Bolívia e Paraguai estão sendo cooptados como ‘mulas’ pelo tráfico para transportar drogas ao Brasil. Somente na capital paulista, dois deles foram presos em flagrante pela Polícia Civil em um mesmo terminal rodoviário em um período de três meses. As suspeitas são que há mais casos ocorrendo, o que tem ligado o alerta de investigadores.

Conforme o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), vinculado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, o aliciamento passou a ser uma das formas usadas na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia. Investigações apontam que o lucro dos estudantes que transportam drogas – normalmente de perfil mais caro, como cocaína e skank – pode chegar a R$ 5 mil em uma única remessa.

“Chamou atenção, em um período de três meses, dois estudantes que fazem Medicina fora do Brasil nessa situação”, disse ao Estadão o delegado Fernando Santiago, titular da 4ª delegacia da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil.

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Em 2020, policiais prenderam no Paraná estudante de Medicina de faculdade paraguaia com cocaína Foto: Divulgação/PRF

As prisões dos alunos de Medicina foram feitas em flagrante e ocorreram como parte de investigações que não tinham os estudantes como foco. Mas as semelhanças entre o novo perfil das ‘mulas’, como são chamadas as pessoas cooptadas pelo tráfico para transportar drogas, chamou atenção da polícia. As investigações devem ser intensificadas.

“De um tempo para cá, a gente teve três casos em um intervalo de um ano que envolviam estudantes de Medicina”, acrescentou o delegado. Além dos dois que ocorreram neste ano, de alunos que vieram da Bolívia, Santiago relembra que um estudante foi preso no ano passado após ser flagrado transportando cocaína. Ele cursava Medicina no Paraguai.

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“Eles vão para lá para estudar mesmo. Só que aí surge a oportunidade, já que eles estão vindo para o Brasil desses países que são produtores de droga, e o traficante alicia”, explicou Santiago. “Pensam ‘estou indo para São Paulo de qualquer jeito, vou ganhar R$ 4 mil, R$ 5 mil nesse transporte’ e acabam aceitando.”

O caso mais recente ocorreu na última quarta-feira, 11. Uma estudante brasileira de 29 anos foi presa após desembarcar no Terminal Barra Funda, zona noroeste de São Paulo, com quase 13 kg de skank na mala. A droga é descrita pela polícia como uma “maconha gourmet”. “O skank tem um valor de mercado muito próximo da cocaína, é uma droga que tem que ter a planta exata, que é modificada geneticamente”, explicou Santiago. 

Segundo o delegado, os traficantes pagam por volta de R$ 20 mil no kg para comprar a droga. “No varejo, esse valor vai ficar muito maior. Uma ou duas gramas, o equivalente a um cacho da planta, custa de R$ 60 a R$ 80”, disse o delegado. 

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A estudante de Medicina, apontam investigações da polícia, iria lucrar R$ 5 mil com a efetivação da transação. Ela estava com 36 pacotes da droga envoltos em um lençol e guardados em uma mala rosa. O ônibus em que estava saiu de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. 

“No caso dessa moça, fugiu até um pouco da normalidade”, explicou o delegado. “Normalmente, eles costumam apanhar 2 kg, 3 kg, 4 kg de drogas no máximo, e muitas vezes a droga fica dissimulada na mala.”

Em fevereiro deste ano, um estudante de Medicina de 34 anos foi preso em flagrante com 3 kg de cocaína costurados na parte interna da mala. Ele veio para o Brasil de um ônibus de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e também desembarcou no Terminal Barra Funda. No caso flagrado no ano passado, a droga apreendida também era a cocaína. Os estudantes foram indiciados e estão presos.

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Conforme o delegado, a suspeita é que o modus operandi seja mais ou menos o mesmo. Com a droga em mãos, os estudantes passam a fronteira de van, carro ou algum outro meio de transporte com pouca fiscalização. Em seguida, pegam ônibus até a capital paulista. Quando chegam ao destino final, as ‘mulas’ são procuradas pelos traficantes que estão à espera da droga e entregam o material em locais escondidos, como pensões. Os policiais ainda não conseguiram identificar quem são os receptadores, mas as investigações prosseguem.

Fronteira

O aliciamento de estudantes brasileiros que fazem Medicina no Paraguai passou a ser uma das formas usadas pelo tráfico na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia, segundo o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), ligado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul. 

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Conforme o coronel Wagner Ferreira da Silva, diretor do DOF, o traficante escolhe pessoas que possam despertar pouca ou nenhuma suspeita, como os estudantes que estão prestes a se tornarem médicos. "Eles utilizam menores de idade, mães com seus filhos e, agora, estudantes, principalmente os de Medicina. Tentam fazer com que entrem com pequena quantidade de drogas, de 5 a 20 quilos, pulverizando o tráfico", disse.

Força especial de policiamento ostensivo, o DOF atua ao longo dos 1.180 km de fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e 398 km com a Bolívia. O patrulhamento é mais intenso na fronteira seca, em que os territórios não são separados por rios, que totaliza 730 km.

Calcula-se que entre 10 mil e 12 mil estudantes brasileiros estejam matriculados em nove faculdades de Medicina de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada de Ponta Porã por uma avenida, e em três universidades médicas de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. 

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A maior cidade boliviana fica a 600 km da fronteira com o Brasil. O que atrai tantos estudantes brasileiros é a quantidade de vagas e o custo – a mensalidade nesses dois países chega a custar até 10% do valor da mensalidade em faculdade particular brasileira.

Ainda segundo o diretor do DOF, os estudantes brasileiros se deslocam regularmente para o Brasil, a fim de visitar familiares. Eles acabam sendo convencidos a levar a droga de carro ou de ônibus em troca de pagamento.

Os traficantes 'vendem' para eles a ideia de que, sendo estudantes de Medicina, não sofrerão uma revista mais rigorosa, o que não é verdade. Muitos desses estudantes que migram para fazer Medicina fora do Brasil não têm uma condição financeira privilegiada, o que facilita o assédio do tráfico.

Em março do ano passado, o DOF prendeu um estudante de Medicina com 3,6 quilos de skank – também chamado de supermaconha – em um ônibus, na BR-463, em Ponta Porã. A droga seria levada para Campo Grande.

Em junho de 2017, um estudante de Medicina de 37 anos foi preso por uma equipe do departamento levando 60 kg de maconha, oito frascos de anabolizantes de uso proibido no Brasil, 400 munições e dois revólveres. Ele seria pago para entregar a carga em Campo Grande.

O DOF atua em conjunto com outras forças, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Em outubro de 2019, policiais rodoviários flagraram um aluno de Medicina de escola paraguaia com 228 quilos de maconha e um quilo de pasta-base de cocaína no fundo falso de uma caminhonete, em Dourados (MS).

Nessa mesma cidade, uma jovem de 24 anos, recém-formada em uma faculdade de Medicina de Pedro Juan Caballero, foi presa por guardas municipais com 45 comprimidos de ecstasy. Ela havia prestado a primeira prova do Revalida, exame para validar o diploma de medicina no Brasil. A jovem foi colocada em liberdade provisória oito dias depois e ainda responde ao processo.

Dados do departamento indicam que as apreensões de drogas vêm crescendo na região da fronteira. O volume de maconha apreendida subiu de 106,7 toneladas em 2019 para 261,4 toneladas em 2020 – ainda não foram totalizados os dados de 2021. Já as apreensões de cocaína aumentaram de 129,7 kg para 310,1 kg, as de haxixe, de 30,8 kg para 59,5 kg, e de skank, de 208 kg para 2.270 kg.

Muitos estudantes brasileiros procuram também uma das cinco faculdades de Medicina de Ciudad del Este, cidade paraguaia que faz fronteira com a paranaense Foz do Iguaçu. Embora o Rio Paraná separe as duas cidades, ligadas pela Ponte da Amizade, há rotas de tráfico estabelecidas na região.

Recentemente, foi aberto o segundo curso de Medicina focado no público brasileiro na pequena Salto del Guayrá, que faz fronteira com Guaíra, no Paraná. Em Guaíra, começa a fronteira seca entre Brasil e Paraguai que passa por Ponta Porã e segue até Porto Murtinho, também no MS.

Em fevereiro de 2020, policiais rodoviários federais prenderam duas mulheres brasileiras levando 20,6 quilos de cocaína escondidos no tanque de combustível do carro, em Sarandi, no Paraná. A motorista do automóvel, de 21 anos, era estudante de Medicina em Ciudad del Este, no Paraguai.

Três dias antes, um brasileiro de 29 anos, estudante de Medicina na mesma cidade paraguaia, foi preso pela PRF com 42 quilos de cocaína e 16 quilos de crack em Santa Terezinha de Itaipu, também no Paraná. A droga estava escondida no painel do carro que ele dirigia.

As rotas de tráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai são alvos de uma disputa sangrenta entre as facções criminosas brasileiras que se instalaram na região, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido em presídios paulistas, e o Comando Vermelho (CV), que atua no sistema prisional carioca.

Em outubro de 2021, duas estudantes de Medicina brasileiras e uma paraguaia foram assassinadas a tiros durante uma chacina, em Pedro Juan Caballero. A vítima paraguaia era filha do governador da província (estado) de Amambay. As jovens não tinham relação com o tráfico. O alvo dos criminosos era o homem que acompanhava as estudantes e que também foi morto. Ele foi jurado de morte pelos chefes de uma facção por, supostamente, ter desviado uma carga de drogas. Os quatro assassinatos ainda são investigados.

SÃO PAULO E SOROCABA – Estudantes brasileiros que cursam Medicina em países como Bolívia e Paraguai estão sendo cooptados como ‘mulas’ pelo tráfico para transportar drogas ao Brasil. Somente na capital paulista, dois deles foram presos em flagrante pela Polícia Civil em um mesmo terminal rodoviário em um período de três meses. As suspeitas são que há mais casos ocorrendo, o que tem ligado o alerta de investigadores.

Conforme o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), vinculado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, o aliciamento passou a ser uma das formas usadas na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia. Investigações apontam que o lucro dos estudantes que transportam drogas – normalmente de perfil mais caro, como cocaína e skank – pode chegar a R$ 5 mil em uma única remessa.

“Chamou atenção, em um período de três meses, dois estudantes que fazem Medicina fora do Brasil nessa situação”, disse ao Estadão o delegado Fernando Santiago, titular da 4ª delegacia da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil.

Em 2020, policiais prenderam no Paraná estudante de Medicina de faculdade paraguaia com cocaína Foto: Divulgação/PRF

As prisões dos alunos de Medicina foram feitas em flagrante e ocorreram como parte de investigações que não tinham os estudantes como foco. Mas as semelhanças entre o novo perfil das ‘mulas’, como são chamadas as pessoas cooptadas pelo tráfico para transportar drogas, chamou atenção da polícia. As investigações devem ser intensificadas.

“De um tempo para cá, a gente teve três casos em um intervalo de um ano que envolviam estudantes de Medicina”, acrescentou o delegado. Além dos dois que ocorreram neste ano, de alunos que vieram da Bolívia, Santiago relembra que um estudante foi preso no ano passado após ser flagrado transportando cocaína. Ele cursava Medicina no Paraguai.

“Eles vão para lá para estudar mesmo. Só que aí surge a oportunidade, já que eles estão vindo para o Brasil desses países que são produtores de droga, e o traficante alicia”, explicou Santiago. “Pensam ‘estou indo para São Paulo de qualquer jeito, vou ganhar R$ 4 mil, R$ 5 mil nesse transporte’ e acabam aceitando.”

O caso mais recente ocorreu na última quarta-feira, 11. Uma estudante brasileira de 29 anos foi presa após desembarcar no Terminal Barra Funda, zona noroeste de São Paulo, com quase 13 kg de skank na mala. A droga é descrita pela polícia como uma “maconha gourmet”. “O skank tem um valor de mercado muito próximo da cocaína, é uma droga que tem que ter a planta exata, que é modificada geneticamente”, explicou Santiago. 

Segundo o delegado, os traficantes pagam por volta de R$ 20 mil no kg para comprar a droga. “No varejo, esse valor vai ficar muito maior. Uma ou duas gramas, o equivalente a um cacho da planta, custa de R$ 60 a R$ 80”, disse o delegado. 

A estudante de Medicina, apontam investigações da polícia, iria lucrar R$ 5 mil com a efetivação da transação. Ela estava com 36 pacotes da droga envoltos em um lençol e guardados em uma mala rosa. O ônibus em que estava saiu de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. 

“No caso dessa moça, fugiu até um pouco da normalidade”, explicou o delegado. “Normalmente, eles costumam apanhar 2 kg, 3 kg, 4 kg de drogas no máximo, e muitas vezes a droga fica dissimulada na mala.”

Em fevereiro deste ano, um estudante de Medicina de 34 anos foi preso em flagrante com 3 kg de cocaína costurados na parte interna da mala. Ele veio para o Brasil de um ônibus de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e também desembarcou no Terminal Barra Funda. No caso flagrado no ano passado, a droga apreendida também era a cocaína. Os estudantes foram indiciados e estão presos.

Conforme o delegado, a suspeita é que o modus operandi seja mais ou menos o mesmo. Com a droga em mãos, os estudantes passam a fronteira de van, carro ou algum outro meio de transporte com pouca fiscalização. Em seguida, pegam ônibus até a capital paulista. Quando chegam ao destino final, as ‘mulas’ são procuradas pelos traficantes que estão à espera da droga e entregam o material em locais escondidos, como pensões. Os policiais ainda não conseguiram identificar quem são os receptadores, mas as investigações prosseguem.

Fronteira

O aliciamento de estudantes brasileiros que fazem Medicina no Paraguai passou a ser uma das formas usadas pelo tráfico na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia, segundo o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), ligado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul. 

Conforme o coronel Wagner Ferreira da Silva, diretor do DOF, o traficante escolhe pessoas que possam despertar pouca ou nenhuma suspeita, como os estudantes que estão prestes a se tornarem médicos. "Eles utilizam menores de idade, mães com seus filhos e, agora, estudantes, principalmente os de Medicina. Tentam fazer com que entrem com pequena quantidade de drogas, de 5 a 20 quilos, pulverizando o tráfico", disse.

Força especial de policiamento ostensivo, o DOF atua ao longo dos 1.180 km de fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e 398 km com a Bolívia. O patrulhamento é mais intenso na fronteira seca, em que os territórios não são separados por rios, que totaliza 730 km.

Calcula-se que entre 10 mil e 12 mil estudantes brasileiros estejam matriculados em nove faculdades de Medicina de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada de Ponta Porã por uma avenida, e em três universidades médicas de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. 

A maior cidade boliviana fica a 600 km da fronteira com o Brasil. O que atrai tantos estudantes brasileiros é a quantidade de vagas e o custo – a mensalidade nesses dois países chega a custar até 10% do valor da mensalidade em faculdade particular brasileira.

Ainda segundo o diretor do DOF, os estudantes brasileiros se deslocam regularmente para o Brasil, a fim de visitar familiares. Eles acabam sendo convencidos a levar a droga de carro ou de ônibus em troca de pagamento.

Os traficantes 'vendem' para eles a ideia de que, sendo estudantes de Medicina, não sofrerão uma revista mais rigorosa, o que não é verdade. Muitos desses estudantes que migram para fazer Medicina fora do Brasil não têm uma condição financeira privilegiada, o que facilita o assédio do tráfico.

Em março do ano passado, o DOF prendeu um estudante de Medicina com 3,6 quilos de skank – também chamado de supermaconha – em um ônibus, na BR-463, em Ponta Porã. A droga seria levada para Campo Grande.

Em junho de 2017, um estudante de Medicina de 37 anos foi preso por uma equipe do departamento levando 60 kg de maconha, oito frascos de anabolizantes de uso proibido no Brasil, 400 munições e dois revólveres. Ele seria pago para entregar a carga em Campo Grande.

O DOF atua em conjunto com outras forças, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Em outubro de 2019, policiais rodoviários flagraram um aluno de Medicina de escola paraguaia com 228 quilos de maconha e um quilo de pasta-base de cocaína no fundo falso de uma caminhonete, em Dourados (MS).

Nessa mesma cidade, uma jovem de 24 anos, recém-formada em uma faculdade de Medicina de Pedro Juan Caballero, foi presa por guardas municipais com 45 comprimidos de ecstasy. Ela havia prestado a primeira prova do Revalida, exame para validar o diploma de medicina no Brasil. A jovem foi colocada em liberdade provisória oito dias depois e ainda responde ao processo.

Dados do departamento indicam que as apreensões de drogas vêm crescendo na região da fronteira. O volume de maconha apreendida subiu de 106,7 toneladas em 2019 para 261,4 toneladas em 2020 – ainda não foram totalizados os dados de 2021. Já as apreensões de cocaína aumentaram de 129,7 kg para 310,1 kg, as de haxixe, de 30,8 kg para 59,5 kg, e de skank, de 208 kg para 2.270 kg.

Muitos estudantes brasileiros procuram também uma das cinco faculdades de Medicina de Ciudad del Este, cidade paraguaia que faz fronteira com a paranaense Foz do Iguaçu. Embora o Rio Paraná separe as duas cidades, ligadas pela Ponte da Amizade, há rotas de tráfico estabelecidas na região.

Recentemente, foi aberto o segundo curso de Medicina focado no público brasileiro na pequena Salto del Guayrá, que faz fronteira com Guaíra, no Paraná. Em Guaíra, começa a fronteira seca entre Brasil e Paraguai que passa por Ponta Porã e segue até Porto Murtinho, também no MS.

Em fevereiro de 2020, policiais rodoviários federais prenderam duas mulheres brasileiras levando 20,6 quilos de cocaína escondidos no tanque de combustível do carro, em Sarandi, no Paraná. A motorista do automóvel, de 21 anos, era estudante de Medicina em Ciudad del Este, no Paraguai.

Três dias antes, um brasileiro de 29 anos, estudante de Medicina na mesma cidade paraguaia, foi preso pela PRF com 42 quilos de cocaína e 16 quilos de crack em Santa Terezinha de Itaipu, também no Paraná. A droga estava escondida no painel do carro que ele dirigia.

As rotas de tráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai são alvos de uma disputa sangrenta entre as facções criminosas brasileiras que se instalaram na região, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido em presídios paulistas, e o Comando Vermelho (CV), que atua no sistema prisional carioca.

Em outubro de 2021, duas estudantes de Medicina brasileiras e uma paraguaia foram assassinadas a tiros durante uma chacina, em Pedro Juan Caballero. A vítima paraguaia era filha do governador da província (estado) de Amambay. As jovens não tinham relação com o tráfico. O alvo dos criminosos era o homem que acompanhava as estudantes e que também foi morto. Ele foi jurado de morte pelos chefes de uma facção por, supostamente, ter desviado uma carga de drogas. Os quatro assassinatos ainda são investigados.

SÃO PAULO E SOROCABA – Estudantes brasileiros que cursam Medicina em países como Bolívia e Paraguai estão sendo cooptados como ‘mulas’ pelo tráfico para transportar drogas ao Brasil. Somente na capital paulista, dois deles foram presos em flagrante pela Polícia Civil em um mesmo terminal rodoviário em um período de três meses. As suspeitas são que há mais casos ocorrendo, o que tem ligado o alerta de investigadores.

Conforme o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), vinculado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, o aliciamento passou a ser uma das formas usadas na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia. Investigações apontam que o lucro dos estudantes que transportam drogas – normalmente de perfil mais caro, como cocaína e skank – pode chegar a R$ 5 mil em uma única remessa.

“Chamou atenção, em um período de três meses, dois estudantes que fazem Medicina fora do Brasil nessa situação”, disse ao Estadão o delegado Fernando Santiago, titular da 4ª delegacia da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil.

Em 2020, policiais prenderam no Paraná estudante de Medicina de faculdade paraguaia com cocaína Foto: Divulgação/PRF

As prisões dos alunos de Medicina foram feitas em flagrante e ocorreram como parte de investigações que não tinham os estudantes como foco. Mas as semelhanças entre o novo perfil das ‘mulas’, como são chamadas as pessoas cooptadas pelo tráfico para transportar drogas, chamou atenção da polícia. As investigações devem ser intensificadas.

“De um tempo para cá, a gente teve três casos em um intervalo de um ano que envolviam estudantes de Medicina”, acrescentou o delegado. Além dos dois que ocorreram neste ano, de alunos que vieram da Bolívia, Santiago relembra que um estudante foi preso no ano passado após ser flagrado transportando cocaína. Ele cursava Medicina no Paraguai.

“Eles vão para lá para estudar mesmo. Só que aí surge a oportunidade, já que eles estão vindo para o Brasil desses países que são produtores de droga, e o traficante alicia”, explicou Santiago. “Pensam ‘estou indo para São Paulo de qualquer jeito, vou ganhar R$ 4 mil, R$ 5 mil nesse transporte’ e acabam aceitando.”

O caso mais recente ocorreu na última quarta-feira, 11. Uma estudante brasileira de 29 anos foi presa após desembarcar no Terminal Barra Funda, zona noroeste de São Paulo, com quase 13 kg de skank na mala. A droga é descrita pela polícia como uma “maconha gourmet”. “O skank tem um valor de mercado muito próximo da cocaína, é uma droga que tem que ter a planta exata, que é modificada geneticamente”, explicou Santiago. 

Segundo o delegado, os traficantes pagam por volta de R$ 20 mil no kg para comprar a droga. “No varejo, esse valor vai ficar muito maior. Uma ou duas gramas, o equivalente a um cacho da planta, custa de R$ 60 a R$ 80”, disse o delegado. 

A estudante de Medicina, apontam investigações da polícia, iria lucrar R$ 5 mil com a efetivação da transação. Ela estava com 36 pacotes da droga envoltos em um lençol e guardados em uma mala rosa. O ônibus em que estava saiu de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. 

“No caso dessa moça, fugiu até um pouco da normalidade”, explicou o delegado. “Normalmente, eles costumam apanhar 2 kg, 3 kg, 4 kg de drogas no máximo, e muitas vezes a droga fica dissimulada na mala.”

Em fevereiro deste ano, um estudante de Medicina de 34 anos foi preso em flagrante com 3 kg de cocaína costurados na parte interna da mala. Ele veio para o Brasil de um ônibus de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e também desembarcou no Terminal Barra Funda. No caso flagrado no ano passado, a droga apreendida também era a cocaína. Os estudantes foram indiciados e estão presos.

Conforme o delegado, a suspeita é que o modus operandi seja mais ou menos o mesmo. Com a droga em mãos, os estudantes passam a fronteira de van, carro ou algum outro meio de transporte com pouca fiscalização. Em seguida, pegam ônibus até a capital paulista. Quando chegam ao destino final, as ‘mulas’ são procuradas pelos traficantes que estão à espera da droga e entregam o material em locais escondidos, como pensões. Os policiais ainda não conseguiram identificar quem são os receptadores, mas as investigações prosseguem.

Fronteira

O aliciamento de estudantes brasileiros que fazem Medicina no Paraguai passou a ser uma das formas usadas pelo tráfico na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia, segundo o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), ligado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul. 

Conforme o coronel Wagner Ferreira da Silva, diretor do DOF, o traficante escolhe pessoas que possam despertar pouca ou nenhuma suspeita, como os estudantes que estão prestes a se tornarem médicos. "Eles utilizam menores de idade, mães com seus filhos e, agora, estudantes, principalmente os de Medicina. Tentam fazer com que entrem com pequena quantidade de drogas, de 5 a 20 quilos, pulverizando o tráfico", disse.

Força especial de policiamento ostensivo, o DOF atua ao longo dos 1.180 km de fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e 398 km com a Bolívia. O patrulhamento é mais intenso na fronteira seca, em que os territórios não são separados por rios, que totaliza 730 km.

Calcula-se que entre 10 mil e 12 mil estudantes brasileiros estejam matriculados em nove faculdades de Medicina de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada de Ponta Porã por uma avenida, e em três universidades médicas de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. 

A maior cidade boliviana fica a 600 km da fronteira com o Brasil. O que atrai tantos estudantes brasileiros é a quantidade de vagas e o custo – a mensalidade nesses dois países chega a custar até 10% do valor da mensalidade em faculdade particular brasileira.

Ainda segundo o diretor do DOF, os estudantes brasileiros se deslocam regularmente para o Brasil, a fim de visitar familiares. Eles acabam sendo convencidos a levar a droga de carro ou de ônibus em troca de pagamento.

Os traficantes 'vendem' para eles a ideia de que, sendo estudantes de Medicina, não sofrerão uma revista mais rigorosa, o que não é verdade. Muitos desses estudantes que migram para fazer Medicina fora do Brasil não têm uma condição financeira privilegiada, o que facilita o assédio do tráfico.

Em março do ano passado, o DOF prendeu um estudante de Medicina com 3,6 quilos de skank – também chamado de supermaconha – em um ônibus, na BR-463, em Ponta Porã. A droga seria levada para Campo Grande.

Em junho de 2017, um estudante de Medicina de 37 anos foi preso por uma equipe do departamento levando 60 kg de maconha, oito frascos de anabolizantes de uso proibido no Brasil, 400 munições e dois revólveres. Ele seria pago para entregar a carga em Campo Grande.

O DOF atua em conjunto com outras forças, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Em outubro de 2019, policiais rodoviários flagraram um aluno de Medicina de escola paraguaia com 228 quilos de maconha e um quilo de pasta-base de cocaína no fundo falso de uma caminhonete, em Dourados (MS).

Nessa mesma cidade, uma jovem de 24 anos, recém-formada em uma faculdade de Medicina de Pedro Juan Caballero, foi presa por guardas municipais com 45 comprimidos de ecstasy. Ela havia prestado a primeira prova do Revalida, exame para validar o diploma de medicina no Brasil. A jovem foi colocada em liberdade provisória oito dias depois e ainda responde ao processo.

Dados do departamento indicam que as apreensões de drogas vêm crescendo na região da fronteira. O volume de maconha apreendida subiu de 106,7 toneladas em 2019 para 261,4 toneladas em 2020 – ainda não foram totalizados os dados de 2021. Já as apreensões de cocaína aumentaram de 129,7 kg para 310,1 kg, as de haxixe, de 30,8 kg para 59,5 kg, e de skank, de 208 kg para 2.270 kg.

Muitos estudantes brasileiros procuram também uma das cinco faculdades de Medicina de Ciudad del Este, cidade paraguaia que faz fronteira com a paranaense Foz do Iguaçu. Embora o Rio Paraná separe as duas cidades, ligadas pela Ponte da Amizade, há rotas de tráfico estabelecidas na região.

Recentemente, foi aberto o segundo curso de Medicina focado no público brasileiro na pequena Salto del Guayrá, que faz fronteira com Guaíra, no Paraná. Em Guaíra, começa a fronteira seca entre Brasil e Paraguai que passa por Ponta Porã e segue até Porto Murtinho, também no MS.

Em fevereiro de 2020, policiais rodoviários federais prenderam duas mulheres brasileiras levando 20,6 quilos de cocaína escondidos no tanque de combustível do carro, em Sarandi, no Paraná. A motorista do automóvel, de 21 anos, era estudante de Medicina em Ciudad del Este, no Paraguai.

Três dias antes, um brasileiro de 29 anos, estudante de Medicina na mesma cidade paraguaia, foi preso pela PRF com 42 quilos de cocaína e 16 quilos de crack em Santa Terezinha de Itaipu, também no Paraná. A droga estava escondida no painel do carro que ele dirigia.

As rotas de tráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai são alvos de uma disputa sangrenta entre as facções criminosas brasileiras que se instalaram na região, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido em presídios paulistas, e o Comando Vermelho (CV), que atua no sistema prisional carioca.

Em outubro de 2021, duas estudantes de Medicina brasileiras e uma paraguaia foram assassinadas a tiros durante uma chacina, em Pedro Juan Caballero. A vítima paraguaia era filha do governador da província (estado) de Amambay. As jovens não tinham relação com o tráfico. O alvo dos criminosos era o homem que acompanhava as estudantes e que também foi morto. Ele foi jurado de morte pelos chefes de uma facção por, supostamente, ter desviado uma carga de drogas. Os quatro assassinatos ainda são investigados.

SÃO PAULO E SOROCABA – Estudantes brasileiros que cursam Medicina em países como Bolívia e Paraguai estão sendo cooptados como ‘mulas’ pelo tráfico para transportar drogas ao Brasil. Somente na capital paulista, dois deles foram presos em flagrante pela Polícia Civil em um mesmo terminal rodoviário em um período de três meses. As suspeitas são que há mais casos ocorrendo, o que tem ligado o alerta de investigadores.

Conforme o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), vinculado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul, o aliciamento passou a ser uma das formas usadas na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia. Investigações apontam que o lucro dos estudantes que transportam drogas – normalmente de perfil mais caro, como cocaína e skank – pode chegar a R$ 5 mil em uma única remessa.

“Chamou atenção, em um período de três meses, dois estudantes que fazem Medicina fora do Brasil nessa situação”, disse ao Estadão o delegado Fernando Santiago, titular da 4ª delegacia da Divisão de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil.

Em 2020, policiais prenderam no Paraná estudante de Medicina de faculdade paraguaia com cocaína Foto: Divulgação/PRF

As prisões dos alunos de Medicina foram feitas em flagrante e ocorreram como parte de investigações que não tinham os estudantes como foco. Mas as semelhanças entre o novo perfil das ‘mulas’, como são chamadas as pessoas cooptadas pelo tráfico para transportar drogas, chamou atenção da polícia. As investigações devem ser intensificadas.

“De um tempo para cá, a gente teve três casos em um intervalo de um ano que envolviam estudantes de Medicina”, acrescentou o delegado. Além dos dois que ocorreram neste ano, de alunos que vieram da Bolívia, Santiago relembra que um estudante foi preso no ano passado após ser flagrado transportando cocaína. Ele cursava Medicina no Paraguai.

“Eles vão para lá para estudar mesmo. Só que aí surge a oportunidade, já que eles estão vindo para o Brasil desses países que são produtores de droga, e o traficante alicia”, explicou Santiago. “Pensam ‘estou indo para São Paulo de qualquer jeito, vou ganhar R$ 4 mil, R$ 5 mil nesse transporte’ e acabam aceitando.”

O caso mais recente ocorreu na última quarta-feira, 11. Uma estudante brasileira de 29 anos foi presa após desembarcar no Terminal Barra Funda, zona noroeste de São Paulo, com quase 13 kg de skank na mala. A droga é descrita pela polícia como uma “maconha gourmet”. “O skank tem um valor de mercado muito próximo da cocaína, é uma droga que tem que ter a planta exata, que é modificada geneticamente”, explicou Santiago. 

Segundo o delegado, os traficantes pagam por volta de R$ 20 mil no kg para comprar a droga. “No varejo, esse valor vai ficar muito maior. Uma ou duas gramas, o equivalente a um cacho da planta, custa de R$ 60 a R$ 80”, disse o delegado. 

A estudante de Medicina, apontam investigações da polícia, iria lucrar R$ 5 mil com a efetivação da transação. Ela estava com 36 pacotes da droga envoltos em um lençol e guardados em uma mala rosa. O ônibus em que estava saiu de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. 

“No caso dessa moça, fugiu até um pouco da normalidade”, explicou o delegado. “Normalmente, eles costumam apanhar 2 kg, 3 kg, 4 kg de drogas no máximo, e muitas vezes a droga fica dissimulada na mala.”

Em fevereiro deste ano, um estudante de Medicina de 34 anos foi preso em flagrante com 3 kg de cocaína costurados na parte interna da mala. Ele veio para o Brasil de um ônibus de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, e também desembarcou no Terminal Barra Funda. No caso flagrado no ano passado, a droga apreendida também era a cocaína. Os estudantes foram indiciados e estão presos.

Conforme o delegado, a suspeita é que o modus operandi seja mais ou menos o mesmo. Com a droga em mãos, os estudantes passam a fronteira de van, carro ou algum outro meio de transporte com pouca fiscalização. Em seguida, pegam ônibus até a capital paulista. Quando chegam ao destino final, as ‘mulas’ são procuradas pelos traficantes que estão à espera da droga e entregam o material em locais escondidos, como pensões. Os policiais ainda não conseguiram identificar quem são os receptadores, mas as investigações prosseguem.

Fronteira

O aliciamento de estudantes brasileiros que fazem Medicina no Paraguai passou a ser uma das formas usadas pelo tráfico na tentativa de ludibriar a fiscalização da polícia, segundo o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), ligado à Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Mato Grosso do Sul. 

Conforme o coronel Wagner Ferreira da Silva, diretor do DOF, o traficante escolhe pessoas que possam despertar pouca ou nenhuma suspeita, como os estudantes que estão prestes a se tornarem médicos. "Eles utilizam menores de idade, mães com seus filhos e, agora, estudantes, principalmente os de Medicina. Tentam fazer com que entrem com pequena quantidade de drogas, de 5 a 20 quilos, pulverizando o tráfico", disse.

Força especial de policiamento ostensivo, o DOF atua ao longo dos 1.180 km de fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e 398 km com a Bolívia. O patrulhamento é mais intenso na fronteira seca, em que os territórios não são separados por rios, que totaliza 730 km.

Calcula-se que entre 10 mil e 12 mil estudantes brasileiros estejam matriculados em nove faculdades de Medicina de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada de Ponta Porã por uma avenida, e em três universidades médicas de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. 

A maior cidade boliviana fica a 600 km da fronteira com o Brasil. O que atrai tantos estudantes brasileiros é a quantidade de vagas e o custo – a mensalidade nesses dois países chega a custar até 10% do valor da mensalidade em faculdade particular brasileira.

Ainda segundo o diretor do DOF, os estudantes brasileiros se deslocam regularmente para o Brasil, a fim de visitar familiares. Eles acabam sendo convencidos a levar a droga de carro ou de ônibus em troca de pagamento.

Os traficantes 'vendem' para eles a ideia de que, sendo estudantes de Medicina, não sofrerão uma revista mais rigorosa, o que não é verdade. Muitos desses estudantes que migram para fazer Medicina fora do Brasil não têm uma condição financeira privilegiada, o que facilita o assédio do tráfico.

Em março do ano passado, o DOF prendeu um estudante de Medicina com 3,6 quilos de skank – também chamado de supermaconha – em um ônibus, na BR-463, em Ponta Porã. A droga seria levada para Campo Grande.

Em junho de 2017, um estudante de Medicina de 37 anos foi preso por uma equipe do departamento levando 60 kg de maconha, oito frascos de anabolizantes de uso proibido no Brasil, 400 munições e dois revólveres. Ele seria pago para entregar a carga em Campo Grande.

O DOF atua em conjunto com outras forças, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Em outubro de 2019, policiais rodoviários flagraram um aluno de Medicina de escola paraguaia com 228 quilos de maconha e um quilo de pasta-base de cocaína no fundo falso de uma caminhonete, em Dourados (MS).

Nessa mesma cidade, uma jovem de 24 anos, recém-formada em uma faculdade de Medicina de Pedro Juan Caballero, foi presa por guardas municipais com 45 comprimidos de ecstasy. Ela havia prestado a primeira prova do Revalida, exame para validar o diploma de medicina no Brasil. A jovem foi colocada em liberdade provisória oito dias depois e ainda responde ao processo.

Dados do departamento indicam que as apreensões de drogas vêm crescendo na região da fronteira. O volume de maconha apreendida subiu de 106,7 toneladas em 2019 para 261,4 toneladas em 2020 – ainda não foram totalizados os dados de 2021. Já as apreensões de cocaína aumentaram de 129,7 kg para 310,1 kg, as de haxixe, de 30,8 kg para 59,5 kg, e de skank, de 208 kg para 2.270 kg.

Muitos estudantes brasileiros procuram também uma das cinco faculdades de Medicina de Ciudad del Este, cidade paraguaia que faz fronteira com a paranaense Foz do Iguaçu. Embora o Rio Paraná separe as duas cidades, ligadas pela Ponte da Amizade, há rotas de tráfico estabelecidas na região.

Recentemente, foi aberto o segundo curso de Medicina focado no público brasileiro na pequena Salto del Guayrá, que faz fronteira com Guaíra, no Paraná. Em Guaíra, começa a fronteira seca entre Brasil e Paraguai que passa por Ponta Porã e segue até Porto Murtinho, também no MS.

Em fevereiro de 2020, policiais rodoviários federais prenderam duas mulheres brasileiras levando 20,6 quilos de cocaína escondidos no tanque de combustível do carro, em Sarandi, no Paraná. A motorista do automóvel, de 21 anos, era estudante de Medicina em Ciudad del Este, no Paraguai.

Três dias antes, um brasileiro de 29 anos, estudante de Medicina na mesma cidade paraguaia, foi preso pela PRF com 42 quilos de cocaína e 16 quilos de crack em Santa Terezinha de Itaipu, também no Paraná. A droga estava escondida no painel do carro que ele dirigia.

As rotas de tráfico na fronteira entre o Brasil e o Paraguai são alvos de uma disputa sangrenta entre as facções criminosas brasileiras que se instalaram na região, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido em presídios paulistas, e o Comando Vermelho (CV), que atua no sistema prisional carioca.

Em outubro de 2021, duas estudantes de Medicina brasileiras e uma paraguaia foram assassinadas a tiros durante uma chacina, em Pedro Juan Caballero. A vítima paraguaia era filha do governador da província (estado) de Amambay. As jovens não tinham relação com o tráfico. O alvo dos criminosos era o homem que acompanhava as estudantes e que também foi morto. Ele foi jurado de morte pelos chefes de uma facção por, supostamente, ter desviado uma carga de drogas. Os quatro assassinatos ainda são investigados.

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