Opinião|Fósseis de mulheres caçadoras sugerem que divisão de tarefas por gênero é recente na história humana


Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família

Por Fernando Reinach

Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família. O fato de essa divisão de tarefas ser observada em sociedades primitivas é um dos argumentos usados para defender o ponto de vista de que esse é o arranjo que sempre existiu entre os Homo sapiens. Os defensores dessa ideia argumentam que essa divisão de tarefas é algo tão básico como o fato de caminharmos sobre dois pés.

É muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Por outro lado, muitos antropólogos acreditam que a caça de grandes mamíferos é uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Foi só com o advento do arco e flecha e das armas de fogo que um único ser humano se tornou capaz de matar um grande mamífero. É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia.

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A verdade é que não sabemos como se organizavam as famílias humanas antes do surgimento da agricultura ou quando saímos da África e nos espalhamos pelo planeta. Portanto, é impossível saber se essa divisão de tarefas é uma característica da espécie ou parte dos hábitos culturais adquiridos nos últimos milênios. É nesse contexto que a descoberta de fósseis de mulheres caçadoras é tão importante.

Em 2013, lavradores na província de Puno, no Peru, perto da vila de Mulla Fasiri, localizada 3.925 metros acima do mar, encontraram uma grande quantidade de artefatos humanos espalhados em uma área de 1,6 hectares.

Uma pequena área de 36 metros quadrados foi escavada em 2018 e revelou, logo abaixo do solo, 20 mil artefatos que indicavam a presença de seres humanos na região. Foram encontrados vários esqueletos um deles o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ela foi enterrada deitada de lado e junto a ela foi achado um pequeno agrupamento de artefatos. 

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A posição desses artefatos sugere que eles deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo. O mais importante é que todos os artefatos encontrados são usados na caça de grandes animais. Entre os artefatos estão pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro. Ou seja, essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia permanentemente no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais.

Intrigados pela descoberta os cientistas fizeram um levantamento de todos os fósseis humanos da época enterrados com artefatos de caça. Foram encontrados dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile. O que descobriram é que aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres. 

O interessante, no caso, é que em muitos dos trabalhos que descrevem esses achados os cientistas descartam ou fazem pouco do fato de o esqueleto ser de uma mulher. A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça. 

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E, portanto, a divisão das tarefas entre os sexos, como observamos nos últimos milênios, só apareceu muito recentemente na história de nossa espécie.

MAIS INFORMAÇÕES: FEMALE HUNTERS OF THE EARLY AMERICAS. SCI ADV 6 (45), EABD0310. DOI: 10.1126/SCIADV.ABD0310 2020.

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família. O fato de essa divisão de tarefas ser observada em sociedades primitivas é um dos argumentos usados para defender o ponto de vista de que esse é o arranjo que sempre existiu entre os Homo sapiens. Os defensores dessa ideia argumentam que essa divisão de tarefas é algo tão básico como o fato de caminharmos sobre dois pés.

É muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Por outro lado, muitos antropólogos acreditam que a caça de grandes mamíferos é uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Foi só com o advento do arco e flecha e das armas de fogo que um único ser humano se tornou capaz de matar um grande mamífero. É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia.

A verdade é que não sabemos como se organizavam as famílias humanas antes do surgimento da agricultura ou quando saímos da África e nos espalhamos pelo planeta. Portanto, é impossível saber se essa divisão de tarefas é uma característica da espécie ou parte dos hábitos culturais adquiridos nos últimos milênios. É nesse contexto que a descoberta de fósseis de mulheres caçadoras é tão importante.

Em 2013, lavradores na província de Puno, no Peru, perto da vila de Mulla Fasiri, localizada 3.925 metros acima do mar, encontraram uma grande quantidade de artefatos humanos espalhados em uma área de 1,6 hectares.

Uma pequena área de 36 metros quadrados foi escavada em 2018 e revelou, logo abaixo do solo, 20 mil artefatos que indicavam a presença de seres humanos na região. Foram encontrados vários esqueletos um deles o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ela foi enterrada deitada de lado e junto a ela foi achado um pequeno agrupamento de artefatos. 

A posição desses artefatos sugere que eles deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo. O mais importante é que todos os artefatos encontrados são usados na caça de grandes animais. Entre os artefatos estão pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro. Ou seja, essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia permanentemente no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais.

Intrigados pela descoberta os cientistas fizeram um levantamento de todos os fósseis humanos da época enterrados com artefatos de caça. Foram encontrados dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile. O que descobriram é que aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres. 

O interessante, no caso, é que em muitos dos trabalhos que descrevem esses achados os cientistas descartam ou fazem pouco do fato de o esqueleto ser de uma mulher. A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça. 

E, portanto, a divisão das tarefas entre os sexos, como observamos nos últimos milênios, só apareceu muito recentemente na história de nossa espécie.

MAIS INFORMAÇÕES: FEMALE HUNTERS OF THE EARLY AMERICAS. SCI ADV 6 (45), EABD0310. DOI: 10.1126/SCIADV.ABD0310 2020.

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família. O fato de essa divisão de tarefas ser observada em sociedades primitivas é um dos argumentos usados para defender o ponto de vista de que esse é o arranjo que sempre existiu entre os Homo sapiens. Os defensores dessa ideia argumentam que essa divisão de tarefas é algo tão básico como o fato de caminharmos sobre dois pés.

É muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Por outro lado, muitos antropólogos acreditam que a caça de grandes mamíferos é uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Foi só com o advento do arco e flecha e das armas de fogo que um único ser humano se tornou capaz de matar um grande mamífero. É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia.

A verdade é que não sabemos como se organizavam as famílias humanas antes do surgimento da agricultura ou quando saímos da África e nos espalhamos pelo planeta. Portanto, é impossível saber se essa divisão de tarefas é uma característica da espécie ou parte dos hábitos culturais adquiridos nos últimos milênios. É nesse contexto que a descoberta de fósseis de mulheres caçadoras é tão importante.

Em 2013, lavradores na província de Puno, no Peru, perto da vila de Mulla Fasiri, localizada 3.925 metros acima do mar, encontraram uma grande quantidade de artefatos humanos espalhados em uma área de 1,6 hectares.

Uma pequena área de 36 metros quadrados foi escavada em 2018 e revelou, logo abaixo do solo, 20 mil artefatos que indicavam a presença de seres humanos na região. Foram encontrados vários esqueletos um deles o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ela foi enterrada deitada de lado e junto a ela foi achado um pequeno agrupamento de artefatos. 

A posição desses artefatos sugere que eles deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo. O mais importante é que todos os artefatos encontrados são usados na caça de grandes animais. Entre os artefatos estão pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro. Ou seja, essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia permanentemente no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais.

Intrigados pela descoberta os cientistas fizeram um levantamento de todos os fósseis humanos da época enterrados com artefatos de caça. Foram encontrados dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile. O que descobriram é que aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres. 

O interessante, no caso, é que em muitos dos trabalhos que descrevem esses achados os cientistas descartam ou fazem pouco do fato de o esqueleto ser de uma mulher. A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça. 

E, portanto, a divisão das tarefas entre os sexos, como observamos nos últimos milênios, só apareceu muito recentemente na história de nossa espécie.

MAIS INFORMAÇÕES: FEMALE HUNTERS OF THE EARLY AMERICAS. SCI ADV 6 (45), EABD0310. DOI: 10.1126/SCIADV.ABD0310 2020.

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família. O fato de essa divisão de tarefas ser observada em sociedades primitivas é um dos argumentos usados para defender o ponto de vista de que esse é o arranjo que sempre existiu entre os Homo sapiens. Os defensores dessa ideia argumentam que essa divisão de tarefas é algo tão básico como o fato de caminharmos sobre dois pés.

É muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Por outro lado, muitos antropólogos acreditam que a caça de grandes mamíferos é uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Foi só com o advento do arco e flecha e das armas de fogo que um único ser humano se tornou capaz de matar um grande mamífero. É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia.

A verdade é que não sabemos como se organizavam as famílias humanas antes do surgimento da agricultura ou quando saímos da África e nos espalhamos pelo planeta. Portanto, é impossível saber se essa divisão de tarefas é uma característica da espécie ou parte dos hábitos culturais adquiridos nos últimos milênios. É nesse contexto que a descoberta de fósseis de mulheres caçadoras é tão importante.

Em 2013, lavradores na província de Puno, no Peru, perto da vila de Mulla Fasiri, localizada 3.925 metros acima do mar, encontraram uma grande quantidade de artefatos humanos espalhados em uma área de 1,6 hectares.

Uma pequena área de 36 metros quadrados foi escavada em 2018 e revelou, logo abaixo do solo, 20 mil artefatos que indicavam a presença de seres humanos na região. Foram encontrados vários esqueletos um deles o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ela foi enterrada deitada de lado e junto a ela foi achado um pequeno agrupamento de artefatos. 

A posição desses artefatos sugere que eles deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo. O mais importante é que todos os artefatos encontrados são usados na caça de grandes animais. Entre os artefatos estão pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro. Ou seja, essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia permanentemente no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais.

Intrigados pela descoberta os cientistas fizeram um levantamento de todos os fósseis humanos da época enterrados com artefatos de caça. Foram encontrados dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile. O que descobriram é que aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres. 

O interessante, no caso, é que em muitos dos trabalhos que descrevem esses achados os cientistas descartam ou fazem pouco do fato de o esqueleto ser de uma mulher. A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça. 

E, portanto, a divisão das tarefas entre os sexos, como observamos nos últimos milênios, só apareceu muito recentemente na história de nossa espécie.

MAIS INFORMAÇÕES: FEMALE HUNTERS OF THE EARLY AMERICAS. SCI ADV 6 (45), EABD0310. DOI: 10.1126/SCIADV.ABD0310 2020.

É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

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