Opinião|Nova teoria sobre como funciona o cérebro pode revolucionar nossa maneira de entender o corpo humano


Descoberta de grupo de cientistas australianos impacta pesquisas e pode levar a uma mudança de paradigma

Por Fernando Reinach

Santiago Ramon y Cajal foi o cientista espanhol que descobriu a estrutura dos neurônios. E, por isso, ganhou o Prêmio Nobel em 1906. O cérebro de cada um de nós contém 86 bilhões de neurônios. É muito: lembre que hoje só existem 8 bilhões de seres humanos no planeta, menos de um décimo do número de neurônios no cérebro de cada um de nós. Ramon y Cajal descobriu que os neurônios estavam interligados por longos filamentos, os dendritos e axônios. Cada neurônio recebe sinais elétricos de dezenas de outros neurônios através de sinapses presentes nos dendritos e, dependendo de quanto é estimulado ou inibido por esses sinais, envia sinais elétricos para outros neurônios através de seu axônio.

Essa descoberta gerou a analogia que é usada até hoje para explicar o funcionamento do cérebro: uma gigantesca rede de interconexões elétricas entre neurônios, algo parecido com a rede elétrica ou telefônica que interliga países, cidades, casas e pontos de luz ou tomadas dentro de cada prédio. O modelo do cérebro, visto como uma rede de conexões, foi reforçado quando se descobriu que os axônios conectam, por exemplo, os olhos às regiões do cérebro que controlam a visão e também as regiões do cérebro que controlam os movimentos dos músculos.

Essa rede que conecta os 86 bilhões de neurônios entre si é chamada de conectoma e está longe de ser totalmente conhecida. Um dos objetivos dos neurocientistas é construir um mapa dessa rede, como construir um mapa de uma rede elétrica de uma cidade ou um projeto elétrico de uma casa. Por trás desse objetivo está a crença que, conhecendo o conectoma, será possível entender como nosso cérebro funciona, guarda nossas memórias ou produz nossa consciência.

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Outra consequência dessa teoria é que a forma, ou geometria do cérebro, não é relevante, o importante é qual parte está ligada a que parte. É como o circuito elétrico de uma casa: o que importa é qual interruptor liga a lâmpada. Se o interruptor está do lado esquerdo ou direito de uma porta isso não é relevante para o funcionamento do sistema.

Ressonância magnética de um cérebro saudável (esquerda) e outro com Alzheimer (direita), onde vários buracos pretos mostram a diminuição do órgão Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Essa semana foi publicado um estudo que mostra que esta maneira de imaginar o cérebro pode estar errada ou incompleta. Isso pode revolucionar nossa maneira de entender o cérebro, mudando nosso paradigma, de maneira semelhante à ocorrida quando a teoria da relatividade de Einstein substituiu a visão newtoniana da Física.

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Mesmo sem saber os detalhes do conectoma, os cientistas conseguem estudar que partes do cérebro estão ativas ou inativas quando estamos em repouso, executando uma atividade qualquer, como ver um filme, ler um livro, andar ou falar. Isso é feito usando uma máquina de ressonância semelhante às que existem nos hospitais. Essas máquinas conseguem produzir filmes que mostram que parte do cérebro está ativa, ligada ou desligada quando o cérebro executa tarefas como as descritas acima.

Essa variação na atividade de cada região do cérebro corresponde a maior ou menor atividade dos neurônios presentes nessas regiões e se espalham pelo cérebro como se fossem ondas de atividade. A teoria clássica é que este espalhamento da atividade depende unicamente da estrutura do conectoma. Mas será que pode existir outra explicação para esse fenômeno?

Em muitos sistemas, as propriedades observadas dependem da forma do objeto, algo que a teoria do conectoma não leva em conta. Alguns exemplos são a produção do som por um tambor, a transmissão de luz em uma fibra óptica ou o movimento de correntes elétricas em diversos materiais. Em todos esses casos existe um modelo matemático, que só depende da forma (ou da geometria) do objeto, de sua composição e organização, que explica esse comportamento.

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O que um grupo de cientistas australianos fez foi tentar usar esses modelos físico/matemáticos (chamados de eigenmodes) para explicar a ativação e o espalhamento da atividade dos neurônios quando o cérebro executa diferentes atividades. O sistema usado é complicado, mas basta entender que os cientistas utilizaram 10 mil desses filmes de atividade cerebral, obtidos em experimentos com pacientes, e tentaram modelar o que acontecia no cérebro usando o modelo de conectoma e o modelo dos eigenmodes. Para surpresa dos cientistas, os modelos usando os métodos de eigenmodes se mostraram capazes de simular o que ocorre no cérebro. E mais, quando comparados com modelos baseados nos conectomas, se mostraram capazes de explicar melhor o que é medido de fato no cérebro dos voluntários.

Esses resultados indicam que talvez a maneira como o cérebro funciona seja diferente do que imaginávamos até agora. Se isso se confirmar é provável que, para compreender seu funcionamento, teremos que construir modelos (talvez mais simples, talvez mais complicados) do que os imaginados pelas teorias tradicionais do conectoma.

Ainda é cedo para entender como essa descoberta vai impactar as pesquisas sobre o cérebro, mas muitas vezes na história da ciência uma mudança de paradigma pode levar os cientistas a progredir rapidamente. Isso ocorre pois o progresso estava bloqueado por um paradigma incorreto ou incompleto. Foi isso que ocorreu na astronomia quando a ideia que a Terra era o centro do universo foi substituída pela ideia que os planetas, a Terra inclusive, giram ao redor do Sol. Vamos ter de esperar, mas seguramente essa descoberta vai gerar muita discussão.

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Mais informações: Geometric constraints on human brain function. Nature

Santiago Ramon y Cajal foi o cientista espanhol que descobriu a estrutura dos neurônios. E, por isso, ganhou o Prêmio Nobel em 1906. O cérebro de cada um de nós contém 86 bilhões de neurônios. É muito: lembre que hoje só existem 8 bilhões de seres humanos no planeta, menos de um décimo do número de neurônios no cérebro de cada um de nós. Ramon y Cajal descobriu que os neurônios estavam interligados por longos filamentos, os dendritos e axônios. Cada neurônio recebe sinais elétricos de dezenas de outros neurônios através de sinapses presentes nos dendritos e, dependendo de quanto é estimulado ou inibido por esses sinais, envia sinais elétricos para outros neurônios através de seu axônio.

Essa descoberta gerou a analogia que é usada até hoje para explicar o funcionamento do cérebro: uma gigantesca rede de interconexões elétricas entre neurônios, algo parecido com a rede elétrica ou telefônica que interliga países, cidades, casas e pontos de luz ou tomadas dentro de cada prédio. O modelo do cérebro, visto como uma rede de conexões, foi reforçado quando se descobriu que os axônios conectam, por exemplo, os olhos às regiões do cérebro que controlam a visão e também as regiões do cérebro que controlam os movimentos dos músculos.

Essa rede que conecta os 86 bilhões de neurônios entre si é chamada de conectoma e está longe de ser totalmente conhecida. Um dos objetivos dos neurocientistas é construir um mapa dessa rede, como construir um mapa de uma rede elétrica de uma cidade ou um projeto elétrico de uma casa. Por trás desse objetivo está a crença que, conhecendo o conectoma, será possível entender como nosso cérebro funciona, guarda nossas memórias ou produz nossa consciência.

Outra consequência dessa teoria é que a forma, ou geometria do cérebro, não é relevante, o importante é qual parte está ligada a que parte. É como o circuito elétrico de uma casa: o que importa é qual interruptor liga a lâmpada. Se o interruptor está do lado esquerdo ou direito de uma porta isso não é relevante para o funcionamento do sistema.

Ressonância magnética de um cérebro saudável (esquerda) e outro com Alzheimer (direita), onde vários buracos pretos mostram a diminuição do órgão Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Essa semana foi publicado um estudo que mostra que esta maneira de imaginar o cérebro pode estar errada ou incompleta. Isso pode revolucionar nossa maneira de entender o cérebro, mudando nosso paradigma, de maneira semelhante à ocorrida quando a teoria da relatividade de Einstein substituiu a visão newtoniana da Física.

Mesmo sem saber os detalhes do conectoma, os cientistas conseguem estudar que partes do cérebro estão ativas ou inativas quando estamos em repouso, executando uma atividade qualquer, como ver um filme, ler um livro, andar ou falar. Isso é feito usando uma máquina de ressonância semelhante às que existem nos hospitais. Essas máquinas conseguem produzir filmes que mostram que parte do cérebro está ativa, ligada ou desligada quando o cérebro executa tarefas como as descritas acima.

Essa variação na atividade de cada região do cérebro corresponde a maior ou menor atividade dos neurônios presentes nessas regiões e se espalham pelo cérebro como se fossem ondas de atividade. A teoria clássica é que este espalhamento da atividade depende unicamente da estrutura do conectoma. Mas será que pode existir outra explicação para esse fenômeno?

Em muitos sistemas, as propriedades observadas dependem da forma do objeto, algo que a teoria do conectoma não leva em conta. Alguns exemplos são a produção do som por um tambor, a transmissão de luz em uma fibra óptica ou o movimento de correntes elétricas em diversos materiais. Em todos esses casos existe um modelo matemático, que só depende da forma (ou da geometria) do objeto, de sua composição e organização, que explica esse comportamento.

O que um grupo de cientistas australianos fez foi tentar usar esses modelos físico/matemáticos (chamados de eigenmodes) para explicar a ativação e o espalhamento da atividade dos neurônios quando o cérebro executa diferentes atividades. O sistema usado é complicado, mas basta entender que os cientistas utilizaram 10 mil desses filmes de atividade cerebral, obtidos em experimentos com pacientes, e tentaram modelar o que acontecia no cérebro usando o modelo de conectoma e o modelo dos eigenmodes. Para surpresa dos cientistas, os modelos usando os métodos de eigenmodes se mostraram capazes de simular o que ocorre no cérebro. E mais, quando comparados com modelos baseados nos conectomas, se mostraram capazes de explicar melhor o que é medido de fato no cérebro dos voluntários.

Esses resultados indicam que talvez a maneira como o cérebro funciona seja diferente do que imaginávamos até agora. Se isso se confirmar é provável que, para compreender seu funcionamento, teremos que construir modelos (talvez mais simples, talvez mais complicados) do que os imaginados pelas teorias tradicionais do conectoma.

Ainda é cedo para entender como essa descoberta vai impactar as pesquisas sobre o cérebro, mas muitas vezes na história da ciência uma mudança de paradigma pode levar os cientistas a progredir rapidamente. Isso ocorre pois o progresso estava bloqueado por um paradigma incorreto ou incompleto. Foi isso que ocorreu na astronomia quando a ideia que a Terra era o centro do universo foi substituída pela ideia que os planetas, a Terra inclusive, giram ao redor do Sol. Vamos ter de esperar, mas seguramente essa descoberta vai gerar muita discussão.

Mais informações: Geometric constraints on human brain function. Nature

Santiago Ramon y Cajal foi o cientista espanhol que descobriu a estrutura dos neurônios. E, por isso, ganhou o Prêmio Nobel em 1906. O cérebro de cada um de nós contém 86 bilhões de neurônios. É muito: lembre que hoje só existem 8 bilhões de seres humanos no planeta, menos de um décimo do número de neurônios no cérebro de cada um de nós. Ramon y Cajal descobriu que os neurônios estavam interligados por longos filamentos, os dendritos e axônios. Cada neurônio recebe sinais elétricos de dezenas de outros neurônios através de sinapses presentes nos dendritos e, dependendo de quanto é estimulado ou inibido por esses sinais, envia sinais elétricos para outros neurônios através de seu axônio.

Essa descoberta gerou a analogia que é usada até hoje para explicar o funcionamento do cérebro: uma gigantesca rede de interconexões elétricas entre neurônios, algo parecido com a rede elétrica ou telefônica que interliga países, cidades, casas e pontos de luz ou tomadas dentro de cada prédio. O modelo do cérebro, visto como uma rede de conexões, foi reforçado quando se descobriu que os axônios conectam, por exemplo, os olhos às regiões do cérebro que controlam a visão e também as regiões do cérebro que controlam os movimentos dos músculos.

Essa rede que conecta os 86 bilhões de neurônios entre si é chamada de conectoma e está longe de ser totalmente conhecida. Um dos objetivos dos neurocientistas é construir um mapa dessa rede, como construir um mapa de uma rede elétrica de uma cidade ou um projeto elétrico de uma casa. Por trás desse objetivo está a crença que, conhecendo o conectoma, será possível entender como nosso cérebro funciona, guarda nossas memórias ou produz nossa consciência.

Outra consequência dessa teoria é que a forma, ou geometria do cérebro, não é relevante, o importante é qual parte está ligada a que parte. É como o circuito elétrico de uma casa: o que importa é qual interruptor liga a lâmpada. Se o interruptor está do lado esquerdo ou direito de uma porta isso não é relevante para o funcionamento do sistema.

Ressonância magnética de um cérebro saudável (esquerda) e outro com Alzheimer (direita), onde vários buracos pretos mostram a diminuição do órgão Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Essa semana foi publicado um estudo que mostra que esta maneira de imaginar o cérebro pode estar errada ou incompleta. Isso pode revolucionar nossa maneira de entender o cérebro, mudando nosso paradigma, de maneira semelhante à ocorrida quando a teoria da relatividade de Einstein substituiu a visão newtoniana da Física.

Mesmo sem saber os detalhes do conectoma, os cientistas conseguem estudar que partes do cérebro estão ativas ou inativas quando estamos em repouso, executando uma atividade qualquer, como ver um filme, ler um livro, andar ou falar. Isso é feito usando uma máquina de ressonância semelhante às que existem nos hospitais. Essas máquinas conseguem produzir filmes que mostram que parte do cérebro está ativa, ligada ou desligada quando o cérebro executa tarefas como as descritas acima.

Essa variação na atividade de cada região do cérebro corresponde a maior ou menor atividade dos neurônios presentes nessas regiões e se espalham pelo cérebro como se fossem ondas de atividade. A teoria clássica é que este espalhamento da atividade depende unicamente da estrutura do conectoma. Mas será que pode existir outra explicação para esse fenômeno?

Em muitos sistemas, as propriedades observadas dependem da forma do objeto, algo que a teoria do conectoma não leva em conta. Alguns exemplos são a produção do som por um tambor, a transmissão de luz em uma fibra óptica ou o movimento de correntes elétricas em diversos materiais. Em todos esses casos existe um modelo matemático, que só depende da forma (ou da geometria) do objeto, de sua composição e organização, que explica esse comportamento.

O que um grupo de cientistas australianos fez foi tentar usar esses modelos físico/matemáticos (chamados de eigenmodes) para explicar a ativação e o espalhamento da atividade dos neurônios quando o cérebro executa diferentes atividades. O sistema usado é complicado, mas basta entender que os cientistas utilizaram 10 mil desses filmes de atividade cerebral, obtidos em experimentos com pacientes, e tentaram modelar o que acontecia no cérebro usando o modelo de conectoma e o modelo dos eigenmodes. Para surpresa dos cientistas, os modelos usando os métodos de eigenmodes se mostraram capazes de simular o que ocorre no cérebro. E mais, quando comparados com modelos baseados nos conectomas, se mostraram capazes de explicar melhor o que é medido de fato no cérebro dos voluntários.

Esses resultados indicam que talvez a maneira como o cérebro funciona seja diferente do que imaginávamos até agora. Se isso se confirmar é provável que, para compreender seu funcionamento, teremos que construir modelos (talvez mais simples, talvez mais complicados) do que os imaginados pelas teorias tradicionais do conectoma.

Ainda é cedo para entender como essa descoberta vai impactar as pesquisas sobre o cérebro, mas muitas vezes na história da ciência uma mudança de paradigma pode levar os cientistas a progredir rapidamente. Isso ocorre pois o progresso estava bloqueado por um paradigma incorreto ou incompleto. Foi isso que ocorreu na astronomia quando a ideia que a Terra era o centro do universo foi substituída pela ideia que os planetas, a Terra inclusive, giram ao redor do Sol. Vamos ter de esperar, mas seguramente essa descoberta vai gerar muita discussão.

Mais informações: Geometric constraints on human brain function. Nature

Santiago Ramon y Cajal foi o cientista espanhol que descobriu a estrutura dos neurônios. E, por isso, ganhou o Prêmio Nobel em 1906. O cérebro de cada um de nós contém 86 bilhões de neurônios. É muito: lembre que hoje só existem 8 bilhões de seres humanos no planeta, menos de um décimo do número de neurônios no cérebro de cada um de nós. Ramon y Cajal descobriu que os neurônios estavam interligados por longos filamentos, os dendritos e axônios. Cada neurônio recebe sinais elétricos de dezenas de outros neurônios através de sinapses presentes nos dendritos e, dependendo de quanto é estimulado ou inibido por esses sinais, envia sinais elétricos para outros neurônios através de seu axônio.

Essa descoberta gerou a analogia que é usada até hoje para explicar o funcionamento do cérebro: uma gigantesca rede de interconexões elétricas entre neurônios, algo parecido com a rede elétrica ou telefônica que interliga países, cidades, casas e pontos de luz ou tomadas dentro de cada prédio. O modelo do cérebro, visto como uma rede de conexões, foi reforçado quando se descobriu que os axônios conectam, por exemplo, os olhos às regiões do cérebro que controlam a visão e também as regiões do cérebro que controlam os movimentos dos músculos.

Essa rede que conecta os 86 bilhões de neurônios entre si é chamada de conectoma e está longe de ser totalmente conhecida. Um dos objetivos dos neurocientistas é construir um mapa dessa rede, como construir um mapa de uma rede elétrica de uma cidade ou um projeto elétrico de uma casa. Por trás desse objetivo está a crença que, conhecendo o conectoma, será possível entender como nosso cérebro funciona, guarda nossas memórias ou produz nossa consciência.

Outra consequência dessa teoria é que a forma, ou geometria do cérebro, não é relevante, o importante é qual parte está ligada a que parte. É como o circuito elétrico de uma casa: o que importa é qual interruptor liga a lâmpada. Se o interruptor está do lado esquerdo ou direito de uma porta isso não é relevante para o funcionamento do sistema.

Ressonância magnética de um cérebro saudável (esquerda) e outro com Alzheimer (direita), onde vários buracos pretos mostram a diminuição do órgão Foto: Universidade de Cambridge/AFP

Essa semana foi publicado um estudo que mostra que esta maneira de imaginar o cérebro pode estar errada ou incompleta. Isso pode revolucionar nossa maneira de entender o cérebro, mudando nosso paradigma, de maneira semelhante à ocorrida quando a teoria da relatividade de Einstein substituiu a visão newtoniana da Física.

Mesmo sem saber os detalhes do conectoma, os cientistas conseguem estudar que partes do cérebro estão ativas ou inativas quando estamos em repouso, executando uma atividade qualquer, como ver um filme, ler um livro, andar ou falar. Isso é feito usando uma máquina de ressonância semelhante às que existem nos hospitais. Essas máquinas conseguem produzir filmes que mostram que parte do cérebro está ativa, ligada ou desligada quando o cérebro executa tarefas como as descritas acima.

Essa variação na atividade de cada região do cérebro corresponde a maior ou menor atividade dos neurônios presentes nessas regiões e se espalham pelo cérebro como se fossem ondas de atividade. A teoria clássica é que este espalhamento da atividade depende unicamente da estrutura do conectoma. Mas será que pode existir outra explicação para esse fenômeno?

Em muitos sistemas, as propriedades observadas dependem da forma do objeto, algo que a teoria do conectoma não leva em conta. Alguns exemplos são a produção do som por um tambor, a transmissão de luz em uma fibra óptica ou o movimento de correntes elétricas em diversos materiais. Em todos esses casos existe um modelo matemático, que só depende da forma (ou da geometria) do objeto, de sua composição e organização, que explica esse comportamento.

O que um grupo de cientistas australianos fez foi tentar usar esses modelos físico/matemáticos (chamados de eigenmodes) para explicar a ativação e o espalhamento da atividade dos neurônios quando o cérebro executa diferentes atividades. O sistema usado é complicado, mas basta entender que os cientistas utilizaram 10 mil desses filmes de atividade cerebral, obtidos em experimentos com pacientes, e tentaram modelar o que acontecia no cérebro usando o modelo de conectoma e o modelo dos eigenmodes. Para surpresa dos cientistas, os modelos usando os métodos de eigenmodes se mostraram capazes de simular o que ocorre no cérebro. E mais, quando comparados com modelos baseados nos conectomas, se mostraram capazes de explicar melhor o que é medido de fato no cérebro dos voluntários.

Esses resultados indicam que talvez a maneira como o cérebro funciona seja diferente do que imaginávamos até agora. Se isso se confirmar é provável que, para compreender seu funcionamento, teremos que construir modelos (talvez mais simples, talvez mais complicados) do que os imaginados pelas teorias tradicionais do conectoma.

Ainda é cedo para entender como essa descoberta vai impactar as pesquisas sobre o cérebro, mas muitas vezes na história da ciência uma mudança de paradigma pode levar os cientistas a progredir rapidamente. Isso ocorre pois o progresso estava bloqueado por um paradigma incorreto ou incompleto. Foi isso que ocorreu na astronomia quando a ideia que a Terra era o centro do universo foi substituída pela ideia que os planetas, a Terra inclusive, giram ao redor do Sol. Vamos ter de esperar, mas seguramente essa descoberta vai gerar muita discussão.

Mais informações: Geometric constraints on human brain function. Nature

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Opinião por Fernando Reinach

Biólogo, PHD em Biologia Celular e Molecular pela Cornell University e autor de "A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil"; "Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito"; e "A Longa Marcha dos Grilos Canibais"

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