Imagine só!

Especialistas discutem as raízes da violência contra a mulher


Às vésperas do aniversário de 10 anos da Lei Maria da Penha, quarto encontro da série USP Talks vai abordar as causas, consequências e responsabilidades das várias formas de violência contra as mulheres no Brasil, do assédio sexual ao estupro e o feminicídio. Evento é gratuito e aberto ao público, das 12h30 às 13h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

Por Herton Escobar
 Foto: Estadão

Prestes a completar dez anos, a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores leis de proteção à mulher do mundo; mas o Brasil ainda está longe de resolver o problema da discriminação e da violência de gênero no país. Estatísticas indicam que uma em cada cinco mulheres sofre com violência doméstica, 13 mulheres são assassinadas por dia e um estupro é registrado a cada 11 minutos no Brasil, quase sempre praticado por parentes, namorados ou outras pessoas conhecidas da vítima.

"A Justiça tem um papel importantíssimo, mas não dá conta de resolver um problema social sozinha", diz a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, que será uma das palestrantes do próximo evento USP Talks, amanhã, sobre o tema "Violência contra a mulher: Causas, consequências e responsabilidades" (veja os detalhes da programação abaixo).

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Contra esses dez anos de Lei Maria da Penha, diz Silvia, pesa uma bagagem cultural acumulada ao longo de vários séculos, predominantemente patriarcal e machista, que dá aos homens uma pretensão de autoridade sobre as mulheres. "A violência ocorre justamente quando a mulher rompe com essas leis do patriarcado", afirma Silvia.

Vários casos trouxeram o problema à tona recentemente no país, incluindo o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro, em maio, e o lançamento da campanha #primeiroassedio, no final de 2015, em resposta ao assédio sexual dirigido a uma criança que participava do programa Master Chef Junior.

Não se tratam de casos isolados, garante a médica e pesquisadora Ana Flávia d'Oliveira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O problema é mais comum e muito mais grave do que as pessoas imaginam", diz a especialista em saúde da mulher e violência de gênero, que também fará palestra no evento de amanhã. "Até eu, quando comecei a trabalhar com isso, tive dificuldade para acreditar no quão prevalente ele é. Todos nós temos traços machistas, porque é algo que nos é ensinado desde pequeno; é algo culturalmente construído."

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A promotora de justiça Silvia Chakian. Foto: Werther Santana/Estadão

Perigo generalizado

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Contrariando o imaginário popular, a violência contra mulheres -- incluindo não só agressões físicas, mas também assédio sexual e psicológico -- está presente em todas as classes sociais, destaca Ana Flavia, que no ano passado ajudou a criar uma rede de apoio a vítimas de violência sexual dentro da própria Faculdade de Medicina da USP. O problema é tão disseminado e tão banalizado culturalmente, segundo ela, que muitas vezes nem a vítima nem o agressor se dão conta da violência cometida.

"O perfil do homem que pratica violência contra a mulher é muito diferente do criminoso comum. Via de regra, é alguém popular, com fama de bom moço, bom trabalhador", completa Silvia. "Por isso as pessoas tendem a desacreditar a vítima; porque é difícil compatibilizar a denúncia de violência com essa figura de bom moço."

Essa também é a razão pela qual muitas mulheres preferem não denunciar a violência -- por medo de serem desacreditadas; ou pior, acabarem sendo culpadas pelas agressões ou pelo assédio sofrido. "Quando você é injustiçada e ninguém reconhece isso, a injustiça dói duas vezes mais", diz Ana Flávia. Quando uma mulher sofre um estupro ou uma agressão doméstica, diz ela, a primeira coisa que fazem é a analisar sua vida, para julgar se ela fez alguma coisa para justificar a violência. "A vítima não precisa ser inocente para ser vítima. Ninguém merece apanhar, ninguém merece ser torturada, ninguém merece ser estuprada. Você pode ser uma profissional do sexo e ser estuprada."

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A médica Ana Flávia d'Oliveira. Foto: Rafael Arbex/Estadão

As raízes culturais desse comportamento são profundas. Na época do Brasil colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres; e até a década de 1970 o argumento de "legítima defesa da honra" ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Ainda hoje, diz Silvia, muitos homens acusados de violência doméstica chegam aos tribunais achando que não fizeram nada de errado. "Só bati na minha mulher, eles dizem, porque é assim que ela aprende", relata a promotora.

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Até a publicação da Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006, a violência doméstica ainda era julgada em tribunais de pequenas causas e as condenações resumiam-se ao pagamento de cestas básicas pelos agressores. A novo lei tipificou os crimes de violência contra a mulher, possibilitando que os agressores sejam presos, facilitando a denúncia por meio de juizados especializados e criando medidas de proteção às vítimas.

As estatísticas de violência contra a mulher aumentaram desde a publicação da lei. Segundo as especialistas, porém, isso reflete mais um aumento no número de denúncias do que na incidência do crime. "Precisamos agora tirar do papel as políticas públicas que garantem a efetividade dessas leis", avalia Silvia.

Programação

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Os eventos USP Talks ocorrem sempre na última quarta-feira do mês. O evento de amanhã será das 12h30 às 13h30, no teatro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista 2073). A entrada é livre e gratuita, por ordem de chegada, até a capacidade do auditório (168 lugares). Também haverá transmissão ao vivo pela internet, no canal USP Talks do YouTube: https://goo.gl/6npyAN. O projeto é uma iniciativa da Universidade de São Paulo com o Estado.

 Foto: Estadão

Prestes a completar dez anos, a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores leis de proteção à mulher do mundo; mas o Brasil ainda está longe de resolver o problema da discriminação e da violência de gênero no país. Estatísticas indicam que uma em cada cinco mulheres sofre com violência doméstica, 13 mulheres são assassinadas por dia e um estupro é registrado a cada 11 minutos no Brasil, quase sempre praticado por parentes, namorados ou outras pessoas conhecidas da vítima.

"A Justiça tem um papel importantíssimo, mas não dá conta de resolver um problema social sozinha", diz a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, que será uma das palestrantes do próximo evento USP Talks, amanhã, sobre o tema "Violência contra a mulher: Causas, consequências e responsabilidades" (veja os detalhes da programação abaixo).

Contra esses dez anos de Lei Maria da Penha, diz Silvia, pesa uma bagagem cultural acumulada ao longo de vários séculos, predominantemente patriarcal e machista, que dá aos homens uma pretensão de autoridade sobre as mulheres. "A violência ocorre justamente quando a mulher rompe com essas leis do patriarcado", afirma Silvia.

Vários casos trouxeram o problema à tona recentemente no país, incluindo o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro, em maio, e o lançamento da campanha #primeiroassedio, no final de 2015, em resposta ao assédio sexual dirigido a uma criança que participava do programa Master Chef Junior.

Não se tratam de casos isolados, garante a médica e pesquisadora Ana Flávia d'Oliveira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O problema é mais comum e muito mais grave do que as pessoas imaginam", diz a especialista em saúde da mulher e violência de gênero, que também fará palestra no evento de amanhã. "Até eu, quando comecei a trabalhar com isso, tive dificuldade para acreditar no quão prevalente ele é. Todos nós temos traços machistas, porque é algo que nos é ensinado desde pequeno; é algo culturalmente construído."

A promotora de justiça Silvia Chakian. Foto: Werther Santana/Estadão

Perigo generalizado

Contrariando o imaginário popular, a violência contra mulheres -- incluindo não só agressões físicas, mas também assédio sexual e psicológico -- está presente em todas as classes sociais, destaca Ana Flavia, que no ano passado ajudou a criar uma rede de apoio a vítimas de violência sexual dentro da própria Faculdade de Medicina da USP. O problema é tão disseminado e tão banalizado culturalmente, segundo ela, que muitas vezes nem a vítima nem o agressor se dão conta da violência cometida.

"O perfil do homem que pratica violência contra a mulher é muito diferente do criminoso comum. Via de regra, é alguém popular, com fama de bom moço, bom trabalhador", completa Silvia. "Por isso as pessoas tendem a desacreditar a vítima; porque é difícil compatibilizar a denúncia de violência com essa figura de bom moço."

Essa também é a razão pela qual muitas mulheres preferem não denunciar a violência -- por medo de serem desacreditadas; ou pior, acabarem sendo culpadas pelas agressões ou pelo assédio sofrido. "Quando você é injustiçada e ninguém reconhece isso, a injustiça dói duas vezes mais", diz Ana Flávia. Quando uma mulher sofre um estupro ou uma agressão doméstica, diz ela, a primeira coisa que fazem é a analisar sua vida, para julgar se ela fez alguma coisa para justificar a violência. "A vítima não precisa ser inocente para ser vítima. Ninguém merece apanhar, ninguém merece ser torturada, ninguém merece ser estuprada. Você pode ser uma profissional do sexo e ser estuprada."

A médica Ana Flávia d'Oliveira. Foto: Rafael Arbex/Estadão

As raízes culturais desse comportamento são profundas. Na época do Brasil colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres; e até a década de 1970 o argumento de "legítima defesa da honra" ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Ainda hoje, diz Silvia, muitos homens acusados de violência doméstica chegam aos tribunais achando que não fizeram nada de errado. "Só bati na minha mulher, eles dizem, porque é assim que ela aprende", relata a promotora.

Até a publicação da Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006, a violência doméstica ainda era julgada em tribunais de pequenas causas e as condenações resumiam-se ao pagamento de cestas básicas pelos agressores. A novo lei tipificou os crimes de violência contra a mulher, possibilitando que os agressores sejam presos, facilitando a denúncia por meio de juizados especializados e criando medidas de proteção às vítimas.

As estatísticas de violência contra a mulher aumentaram desde a publicação da lei. Segundo as especialistas, porém, isso reflete mais um aumento no número de denúncias do que na incidência do crime. "Precisamos agora tirar do papel as políticas públicas que garantem a efetividade dessas leis", avalia Silvia.

Programação

Os eventos USP Talks ocorrem sempre na última quarta-feira do mês. O evento de amanhã será das 12h30 às 13h30, no teatro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista 2073). A entrada é livre e gratuita, por ordem de chegada, até a capacidade do auditório (168 lugares). Também haverá transmissão ao vivo pela internet, no canal USP Talks do YouTube: https://goo.gl/6npyAN. O projeto é uma iniciativa da Universidade de São Paulo com o Estado.

 Foto: Estadão

Prestes a completar dez anos, a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores leis de proteção à mulher do mundo; mas o Brasil ainda está longe de resolver o problema da discriminação e da violência de gênero no país. Estatísticas indicam que uma em cada cinco mulheres sofre com violência doméstica, 13 mulheres são assassinadas por dia e um estupro é registrado a cada 11 minutos no Brasil, quase sempre praticado por parentes, namorados ou outras pessoas conhecidas da vítima.

"A Justiça tem um papel importantíssimo, mas não dá conta de resolver um problema social sozinha", diz a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, que será uma das palestrantes do próximo evento USP Talks, amanhã, sobre o tema "Violência contra a mulher: Causas, consequências e responsabilidades" (veja os detalhes da programação abaixo).

Contra esses dez anos de Lei Maria da Penha, diz Silvia, pesa uma bagagem cultural acumulada ao longo de vários séculos, predominantemente patriarcal e machista, que dá aos homens uma pretensão de autoridade sobre as mulheres. "A violência ocorre justamente quando a mulher rompe com essas leis do patriarcado", afirma Silvia.

Vários casos trouxeram o problema à tona recentemente no país, incluindo o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro, em maio, e o lançamento da campanha #primeiroassedio, no final de 2015, em resposta ao assédio sexual dirigido a uma criança que participava do programa Master Chef Junior.

Não se tratam de casos isolados, garante a médica e pesquisadora Ana Flávia d'Oliveira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O problema é mais comum e muito mais grave do que as pessoas imaginam", diz a especialista em saúde da mulher e violência de gênero, que também fará palestra no evento de amanhã. "Até eu, quando comecei a trabalhar com isso, tive dificuldade para acreditar no quão prevalente ele é. Todos nós temos traços machistas, porque é algo que nos é ensinado desde pequeno; é algo culturalmente construído."

A promotora de justiça Silvia Chakian. Foto: Werther Santana/Estadão

Perigo generalizado

Contrariando o imaginário popular, a violência contra mulheres -- incluindo não só agressões físicas, mas também assédio sexual e psicológico -- está presente em todas as classes sociais, destaca Ana Flavia, que no ano passado ajudou a criar uma rede de apoio a vítimas de violência sexual dentro da própria Faculdade de Medicina da USP. O problema é tão disseminado e tão banalizado culturalmente, segundo ela, que muitas vezes nem a vítima nem o agressor se dão conta da violência cometida.

"O perfil do homem que pratica violência contra a mulher é muito diferente do criminoso comum. Via de regra, é alguém popular, com fama de bom moço, bom trabalhador", completa Silvia. "Por isso as pessoas tendem a desacreditar a vítima; porque é difícil compatibilizar a denúncia de violência com essa figura de bom moço."

Essa também é a razão pela qual muitas mulheres preferem não denunciar a violência -- por medo de serem desacreditadas; ou pior, acabarem sendo culpadas pelas agressões ou pelo assédio sofrido. "Quando você é injustiçada e ninguém reconhece isso, a injustiça dói duas vezes mais", diz Ana Flávia. Quando uma mulher sofre um estupro ou uma agressão doméstica, diz ela, a primeira coisa que fazem é a analisar sua vida, para julgar se ela fez alguma coisa para justificar a violência. "A vítima não precisa ser inocente para ser vítima. Ninguém merece apanhar, ninguém merece ser torturada, ninguém merece ser estuprada. Você pode ser uma profissional do sexo e ser estuprada."

A médica Ana Flávia d'Oliveira. Foto: Rafael Arbex/Estadão

As raízes culturais desse comportamento são profundas. Na época do Brasil colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres; e até a década de 1970 o argumento de "legítima defesa da honra" ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Ainda hoje, diz Silvia, muitos homens acusados de violência doméstica chegam aos tribunais achando que não fizeram nada de errado. "Só bati na minha mulher, eles dizem, porque é assim que ela aprende", relata a promotora.

Até a publicação da Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006, a violência doméstica ainda era julgada em tribunais de pequenas causas e as condenações resumiam-se ao pagamento de cestas básicas pelos agressores. A novo lei tipificou os crimes de violência contra a mulher, possibilitando que os agressores sejam presos, facilitando a denúncia por meio de juizados especializados e criando medidas de proteção às vítimas.

As estatísticas de violência contra a mulher aumentaram desde a publicação da lei. Segundo as especialistas, porém, isso reflete mais um aumento no número de denúncias do que na incidência do crime. "Precisamos agora tirar do papel as políticas públicas que garantem a efetividade dessas leis", avalia Silvia.

Programação

Os eventos USP Talks ocorrem sempre na última quarta-feira do mês. O evento de amanhã será das 12h30 às 13h30, no teatro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista 2073). A entrada é livre e gratuita, por ordem de chegada, até a capacidade do auditório (168 lugares). Também haverá transmissão ao vivo pela internet, no canal USP Talks do YouTube: https://goo.gl/6npyAN. O projeto é uma iniciativa da Universidade de São Paulo com o Estado.

 Foto: Estadão

Prestes a completar dez anos, a Lei Maria da Penha é considerada uma das melhores leis de proteção à mulher do mundo; mas o Brasil ainda está longe de resolver o problema da discriminação e da violência de gênero no país. Estatísticas indicam que uma em cada cinco mulheres sofre com violência doméstica, 13 mulheres são assassinadas por dia e um estupro é registrado a cada 11 minutos no Brasil, quase sempre praticado por parentes, namorados ou outras pessoas conhecidas da vítima.

"A Justiça tem um papel importantíssimo, mas não dá conta de resolver um problema social sozinha", diz a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID) do Ministério Público de São Paulo, que será uma das palestrantes do próximo evento USP Talks, amanhã, sobre o tema "Violência contra a mulher: Causas, consequências e responsabilidades" (veja os detalhes da programação abaixo).

Contra esses dez anos de Lei Maria da Penha, diz Silvia, pesa uma bagagem cultural acumulada ao longo de vários séculos, predominantemente patriarcal e machista, que dá aos homens uma pretensão de autoridade sobre as mulheres. "A violência ocorre justamente quando a mulher rompe com essas leis do patriarcado", afirma Silvia.

Vários casos trouxeram o problema à tona recentemente no país, incluindo o estupro coletivo de uma menina no Rio de Janeiro, em maio, e o lançamento da campanha #primeiroassedio, no final de 2015, em resposta ao assédio sexual dirigido a uma criança que participava do programa Master Chef Junior.

Não se tratam de casos isolados, garante a médica e pesquisadora Ana Flávia d'Oliveira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O problema é mais comum e muito mais grave do que as pessoas imaginam", diz a especialista em saúde da mulher e violência de gênero, que também fará palestra no evento de amanhã. "Até eu, quando comecei a trabalhar com isso, tive dificuldade para acreditar no quão prevalente ele é. Todos nós temos traços machistas, porque é algo que nos é ensinado desde pequeno; é algo culturalmente construído."

A promotora de justiça Silvia Chakian. Foto: Werther Santana/Estadão

Perigo generalizado

Contrariando o imaginário popular, a violência contra mulheres -- incluindo não só agressões físicas, mas também assédio sexual e psicológico -- está presente em todas as classes sociais, destaca Ana Flavia, que no ano passado ajudou a criar uma rede de apoio a vítimas de violência sexual dentro da própria Faculdade de Medicina da USP. O problema é tão disseminado e tão banalizado culturalmente, segundo ela, que muitas vezes nem a vítima nem o agressor se dão conta da violência cometida.

"O perfil do homem que pratica violência contra a mulher é muito diferente do criminoso comum. Via de regra, é alguém popular, com fama de bom moço, bom trabalhador", completa Silvia. "Por isso as pessoas tendem a desacreditar a vítima; porque é difícil compatibilizar a denúncia de violência com essa figura de bom moço."

Essa também é a razão pela qual muitas mulheres preferem não denunciar a violência -- por medo de serem desacreditadas; ou pior, acabarem sendo culpadas pelas agressões ou pelo assédio sofrido. "Quando você é injustiçada e ninguém reconhece isso, a injustiça dói duas vezes mais", diz Ana Flávia. Quando uma mulher sofre um estupro ou uma agressão doméstica, diz ela, a primeira coisa que fazem é a analisar sua vida, para julgar se ela fez alguma coisa para justificar a violência. "A vítima não precisa ser inocente para ser vítima. Ninguém merece apanhar, ninguém merece ser torturada, ninguém merece ser estuprada. Você pode ser uma profissional do sexo e ser estuprada."

A médica Ana Flávia d'Oliveira. Foto: Rafael Arbex/Estadão

As raízes culturais desse comportamento são profundas. Na época do Brasil colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres; e até a década de 1970 o argumento de "legítima defesa da honra" ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Ainda hoje, diz Silvia, muitos homens acusados de violência doméstica chegam aos tribunais achando que não fizeram nada de errado. "Só bati na minha mulher, eles dizem, porque é assim que ela aprende", relata a promotora.

Até a publicação da Lei Maria da Penha, em 7 de agosto de 2006, a violência doméstica ainda era julgada em tribunais de pequenas causas e as condenações resumiam-se ao pagamento de cestas básicas pelos agressores. A novo lei tipificou os crimes de violência contra a mulher, possibilitando que os agressores sejam presos, facilitando a denúncia por meio de juizados especializados e criando medidas de proteção às vítimas.

As estatísticas de violência contra a mulher aumentaram desde a publicação da lei. Segundo as especialistas, porém, isso reflete mais um aumento no número de denúncias do que na incidência do crime. "Precisamos agora tirar do papel as políticas públicas que garantem a efetividade dessas leis", avalia Silvia.

Programação

Os eventos USP Talks ocorrem sempre na última quarta-feira do mês. O evento de amanhã será das 12h30 às 13h30, no teatro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista 2073). A entrada é livre e gratuita, por ordem de chegada, até a capacidade do auditório (168 lugares). Também haverá transmissão ao vivo pela internet, no canal USP Talks do YouTube: https://goo.gl/6npyAN. O projeto é uma iniciativa da Universidade de São Paulo com o Estado.

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