Imagine só!

Não existe risco zero no oceano, diz pesquisador de tubarões em Noronha


Apesar de nunca antes ter havido um ataque no arquipélago, não se pode esquecer que o mar é um ambiente selvagem, diz o engenheiro de pesca Leonardo Veras

Por Herton Escobar
A Baía do Sueste, onde ocorreu o acidente. Foto: © All Angle By Zaira Matheus

O engenheiro de pesca Leonardo Veras, curador do Museu do Tubarão e morador de Fernando de Noronha há 25 anos, é um dos principais investigadores do ataque de tubarão ocorrido na Baía do Sueste, no dia 21 -- o primeiro registrado na história do arquipélago. Ele acredita que a espécie envolvida seja o tubarão-tigre, que costuma se aproximar da costa no anoitecer, e defende restrições aos horários da prática de snorkel nas praias para reduzir o risco de novos acidentes.

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"Noronha ficou muito vaidosa", diz ele, em entrevista ao Estado. "Temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre."

Veja abaixo os destaques da entrevista, feita por telefone na tarde do dia 23.

...

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Com base na sua experiência com os tubarões do Noronha, o que o senhor acha mais provável que tenha acontecido?

Nós temos alguns suspeitos. Tem as espécies mais comuns em Noronha: o tubarão-limão, o lixa e o tubarão-dos-recifes, que são os nossos tubarões "domésticos", por assim dizer. Só que Noronha é rota de migração de outras espécies também, que usam o arquipélago como um entreposto no meio do oceano e passam alguns períodos aqui, que é o caso do tubarão-tigre, avistado esporadicamente.

Pela violência da mordida, eu elimino completamente o tubarão-lixa, pois ele não tem mandíbula com capacidade para causar esse tipo de ferimento. Os outros dois têm capacidade para arrancar um membro humano, mas teriam que cortar, rasgar a pele e parte da estrutura óssea. Para cortar osso mesmo, precisa ter um tipo de dente com lâmina serrada, como o tigre, capaz até de romper o casco de uma tartaruga. Então ele é o principal suspeito.

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Como é o comportamento do tigre?

Estudos de pesca, captura e instalação de transmissores de GPS deixam claro que eles se afastam da costa durante o dia e se aproximam durante a noite. Eles passam um período aqui em Noronha, talvez algumas semanas ou meses, depois vão embora. Teve bicho que foi daqui para a África, outros para a Paraíba. Então estamos imaginando que este seja um animal que veio para Noronha se alimentar, dentro de sua rota migratória, e houve a infelicidade desse encontro num final de tarde.

Qual é a profundidade típica da Baía do Sueste?

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Na parte mais funda, talvez uns 4 metros na maré alta. Há uma variação de mais de 2 metros entre as marés. Onde ocorreu o acidente deveria ter uns 2,5 metros de profundidade.

E um tubarão grande pode aparecer nessa profundidade?

Há relatos de tubarões adultos, grandes, se esfregando na praia, a ponto de encalhar. As pessoas acham que isso só acontece em águas profundas, mas as estatísticas internacionais sinalizam que dois terços dos ataques ocorrem em profundidade inferior a 1,8 metro.

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Dá para estimar o tamanho do tubarão envolvido no ataque?

O acidentado relatou que foi um bicho de 1,5 metro, mas eu duvido; pela violência da mordida, um bicho desse tamanho não teria o poder de fazer isso num golpe só. Acredito que pelo momento traumático e pelas condições de visibilidade ele (a vítima) tenha se confundido na avaliação. A julgar pela tartaruga que foi abatida por um tigre na semana anterior, é bicho de mais de 2 metros -- que é um tubarão pequeno. Um tigre adulto tem perto de 3 metros.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento do tubarão-tigre, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz!"

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O tigre é uma espécie envolvida em muitos ataques no mundo todo. Ele ataca sem motivo? Pode morder a pessoa sem ela ter feito nada?

É um comportamento esquisito, mas próprio do tubarão-tigre: Ele morde coisas estranhas! No estômago desse bicho já foram encontradas latas de cerveja, placas de carro, bola de futebol, e restos humanos também. Em animais capturados aqui em Noronha já achamos aves marinhas, outros tubarões, restos de golfinhos, carcaças de tartarugas marinhas e até de animais terrestres, como o lagarto teiú.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento dessa espécie, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz! Morde qualquer coisa; morde e joga fora. Não é para se alimentar, é para investigar. É comum acharmos aqui tartarugas que foram mordidas e deixadas para trás; depois morrem do ferimento.

Não é um bicho pra se chegar perto ...

O tigre, quando percebe a presença humana, não interage; ele foge. É diferente do limão e do lixa, que as pessoas conseguem se aproximar e tirar fotografia. O tigre é um bicho furtivo, que aparece de surpresa. Se você ver um tigre, saia da água; essa é nossa recomendação.

Após esse acidente, o senhor vê necessidade de alguma medida de segurança mais permanente contra ataques de tubarão em Noronha?

Acho que isso é uma grande lição para nós. Noronha ficou muito vaidosa, por a gente nunca ter tido um acidente envolvendo tubarões com esse tipo de violência. Isso deixou as pessoas muito confiantes. Mas temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre.

Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista"

Por isso acho importante tomar algumas medidas, que os analistas do ICMBio estão avaliando. Claramente valeria criar um protocolo de conduta para guias e visitantes, e restringir os horários de mergulho. Esse horário de final de tarde tem de ser evitado a todo custo -- deixando claro que estou me referindo ao snorkel, não ao mergulho autônomo com cilindro. O snorkel é um tipo de mergulho mais vulnerável, que expõe a pessoa a parecer uma tartaruga (na Baía do Sueste, pelas regras do parque, ele é obrigatoriamente feito com colete salva-vidas). Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista.

Tem algum jeito de impedir que o tigre se aproxime da costa?

Impedir, não tem. Uma coisa para a qual estou sempre alertando as pessoas é que o oceano é um ambiente selvagem, e que aqui em Noronha nosso papel é manter esse ambiente o quanto mais selvagem possível. É por isso que as pessoas vêm para Noronha, para ver a natureza como ela é de fato. E o risco é intrínseco num ambiente selvagem. O único lugar em que você vai estar totalmente seguro do ataque de um animal selvagem é uma piscina. No oceano, não tem jeito; por mais que você tente criar controles de segurança, sempre haverá uma taxa de risco.

Analisando friamente, estatisticamente, esse risco é menor do que o de morrer afogado, ser atropelado por um barco ou qualquer tipo de acidente associado a esportes aquáticos. Mas eu compreendo que o trauma de ser agredido por um animal selvagem faz parecer que a gente desceu um degrau na cadeia alimentar. A gente é educado a pensar que o homem é o senhor de tudo, o dono do planeta. Mas às vezes não é assim.

Outros pesquisadores dizem que 2015 foi um ano atípico no arquipélago, talvez por conta do aquecimento das águas pelo El Niño ...

A verdade é que nesse ano houve sucessão de eventos raros: teve aporte de algas, uma quantidade incomum de sardinhas, um pico de temperatura mais alto que a média em abril e maio, ocorrência de um polvo gigante, que é uma espécie abissal raríssima (foi encontrado apenas um pedaço do animal, que pesava mais de 20 kg)... Uma série de eventos curiosos. A ilha está com muito peixe. Hoje no Sueste a quantidade lagosta, de sardinha, de raia, de tudo era incrível; um mergulho fantástico.

E essa concentração de vida pode ser um atrativo maior para o tubarão-tigre na baía?

As pessoas querem uma explicação absoluta né, para poder entender. O fato é o seguinte: onde tem mais peixe, tem mais predador; simples assim. Mas outras áreas da ilha têm tanta vida quanto; não é só no Sueste.

Leia também: Praia que teve ataque de tubarão em Noronha é reaberta com restrições

Leia também no blog: Reportagem Especial: Tubarões do Recife (2013) Tubarão-tigre é uma das espécies mais agressivas de tubarão, frequentemente envolvida em ataques em outros lugares. Não costuma se aproximar da costa em Fernando de Noronha. Foto: Albert kok/Wikipedia
Localização da praia onde ocorreu o ataque. Crédito: Herton Escobar, com imagem do Google Earth  Foto: Estadão
A Baía do Sueste, onde ocorreu o acidente. Foto: © All Angle By Zaira Matheus

O engenheiro de pesca Leonardo Veras, curador do Museu do Tubarão e morador de Fernando de Noronha há 25 anos, é um dos principais investigadores do ataque de tubarão ocorrido na Baía do Sueste, no dia 21 -- o primeiro registrado na história do arquipélago. Ele acredita que a espécie envolvida seja o tubarão-tigre, que costuma se aproximar da costa no anoitecer, e defende restrições aos horários da prática de snorkel nas praias para reduzir o risco de novos acidentes.

"Noronha ficou muito vaidosa", diz ele, em entrevista ao Estado. "Temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre."

Veja abaixo os destaques da entrevista, feita por telefone na tarde do dia 23.

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Com base na sua experiência com os tubarões do Noronha, o que o senhor acha mais provável que tenha acontecido?

Nós temos alguns suspeitos. Tem as espécies mais comuns em Noronha: o tubarão-limão, o lixa e o tubarão-dos-recifes, que são os nossos tubarões "domésticos", por assim dizer. Só que Noronha é rota de migração de outras espécies também, que usam o arquipélago como um entreposto no meio do oceano e passam alguns períodos aqui, que é o caso do tubarão-tigre, avistado esporadicamente.

Pela violência da mordida, eu elimino completamente o tubarão-lixa, pois ele não tem mandíbula com capacidade para causar esse tipo de ferimento. Os outros dois têm capacidade para arrancar um membro humano, mas teriam que cortar, rasgar a pele e parte da estrutura óssea. Para cortar osso mesmo, precisa ter um tipo de dente com lâmina serrada, como o tigre, capaz até de romper o casco de uma tartaruga. Então ele é o principal suspeito.

Como é o comportamento do tigre?

Estudos de pesca, captura e instalação de transmissores de GPS deixam claro que eles se afastam da costa durante o dia e se aproximam durante a noite. Eles passam um período aqui em Noronha, talvez algumas semanas ou meses, depois vão embora. Teve bicho que foi daqui para a África, outros para a Paraíba. Então estamos imaginando que este seja um animal que veio para Noronha se alimentar, dentro de sua rota migratória, e houve a infelicidade desse encontro num final de tarde.

Qual é a profundidade típica da Baía do Sueste?

Na parte mais funda, talvez uns 4 metros na maré alta. Há uma variação de mais de 2 metros entre as marés. Onde ocorreu o acidente deveria ter uns 2,5 metros de profundidade.

E um tubarão grande pode aparecer nessa profundidade?

Há relatos de tubarões adultos, grandes, se esfregando na praia, a ponto de encalhar. As pessoas acham que isso só acontece em águas profundas, mas as estatísticas internacionais sinalizam que dois terços dos ataques ocorrem em profundidade inferior a 1,8 metro.

Dá para estimar o tamanho do tubarão envolvido no ataque?

O acidentado relatou que foi um bicho de 1,5 metro, mas eu duvido; pela violência da mordida, um bicho desse tamanho não teria o poder de fazer isso num golpe só. Acredito que pelo momento traumático e pelas condições de visibilidade ele (a vítima) tenha se confundido na avaliação. A julgar pela tartaruga que foi abatida por um tigre na semana anterior, é bicho de mais de 2 metros -- que é um tubarão pequeno. Um tigre adulto tem perto de 3 metros.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento do tubarão-tigre, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz!"

O tigre é uma espécie envolvida em muitos ataques no mundo todo. Ele ataca sem motivo? Pode morder a pessoa sem ela ter feito nada?

É um comportamento esquisito, mas próprio do tubarão-tigre: Ele morde coisas estranhas! No estômago desse bicho já foram encontradas latas de cerveja, placas de carro, bola de futebol, e restos humanos também. Em animais capturados aqui em Noronha já achamos aves marinhas, outros tubarões, restos de golfinhos, carcaças de tartarugas marinhas e até de animais terrestres, como o lagarto teiú.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento dessa espécie, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz! Morde qualquer coisa; morde e joga fora. Não é para se alimentar, é para investigar. É comum acharmos aqui tartarugas que foram mordidas e deixadas para trás; depois morrem do ferimento.

Não é um bicho pra se chegar perto ...

O tigre, quando percebe a presença humana, não interage; ele foge. É diferente do limão e do lixa, que as pessoas conseguem se aproximar e tirar fotografia. O tigre é um bicho furtivo, que aparece de surpresa. Se você ver um tigre, saia da água; essa é nossa recomendação.

Após esse acidente, o senhor vê necessidade de alguma medida de segurança mais permanente contra ataques de tubarão em Noronha?

Acho que isso é uma grande lição para nós. Noronha ficou muito vaidosa, por a gente nunca ter tido um acidente envolvendo tubarões com esse tipo de violência. Isso deixou as pessoas muito confiantes. Mas temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre.

Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista"

Por isso acho importante tomar algumas medidas, que os analistas do ICMBio estão avaliando. Claramente valeria criar um protocolo de conduta para guias e visitantes, e restringir os horários de mergulho. Esse horário de final de tarde tem de ser evitado a todo custo -- deixando claro que estou me referindo ao snorkel, não ao mergulho autônomo com cilindro. O snorkel é um tipo de mergulho mais vulnerável, que expõe a pessoa a parecer uma tartaruga (na Baía do Sueste, pelas regras do parque, ele é obrigatoriamente feito com colete salva-vidas). Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista.

Tem algum jeito de impedir que o tigre se aproxime da costa?

Impedir, não tem. Uma coisa para a qual estou sempre alertando as pessoas é que o oceano é um ambiente selvagem, e que aqui em Noronha nosso papel é manter esse ambiente o quanto mais selvagem possível. É por isso que as pessoas vêm para Noronha, para ver a natureza como ela é de fato. E o risco é intrínseco num ambiente selvagem. O único lugar em que você vai estar totalmente seguro do ataque de um animal selvagem é uma piscina. No oceano, não tem jeito; por mais que você tente criar controles de segurança, sempre haverá uma taxa de risco.

Analisando friamente, estatisticamente, esse risco é menor do que o de morrer afogado, ser atropelado por um barco ou qualquer tipo de acidente associado a esportes aquáticos. Mas eu compreendo que o trauma de ser agredido por um animal selvagem faz parecer que a gente desceu um degrau na cadeia alimentar. A gente é educado a pensar que o homem é o senhor de tudo, o dono do planeta. Mas às vezes não é assim.

Outros pesquisadores dizem que 2015 foi um ano atípico no arquipélago, talvez por conta do aquecimento das águas pelo El Niño ...

A verdade é que nesse ano houve sucessão de eventos raros: teve aporte de algas, uma quantidade incomum de sardinhas, um pico de temperatura mais alto que a média em abril e maio, ocorrência de um polvo gigante, que é uma espécie abissal raríssima (foi encontrado apenas um pedaço do animal, que pesava mais de 20 kg)... Uma série de eventos curiosos. A ilha está com muito peixe. Hoje no Sueste a quantidade lagosta, de sardinha, de raia, de tudo era incrível; um mergulho fantástico.

E essa concentração de vida pode ser um atrativo maior para o tubarão-tigre na baía?

As pessoas querem uma explicação absoluta né, para poder entender. O fato é o seguinte: onde tem mais peixe, tem mais predador; simples assim. Mas outras áreas da ilha têm tanta vida quanto; não é só no Sueste.

Leia também: Praia que teve ataque de tubarão em Noronha é reaberta com restrições

Leia também no blog: Reportagem Especial: Tubarões do Recife (2013) Tubarão-tigre é uma das espécies mais agressivas de tubarão, frequentemente envolvida em ataques em outros lugares. Não costuma se aproximar da costa em Fernando de Noronha. Foto: Albert kok/Wikipedia
Localização da praia onde ocorreu o ataque. Crédito: Herton Escobar, com imagem do Google Earth  Foto: Estadão
A Baía do Sueste, onde ocorreu o acidente. Foto: © All Angle By Zaira Matheus

O engenheiro de pesca Leonardo Veras, curador do Museu do Tubarão e morador de Fernando de Noronha há 25 anos, é um dos principais investigadores do ataque de tubarão ocorrido na Baía do Sueste, no dia 21 -- o primeiro registrado na história do arquipélago. Ele acredita que a espécie envolvida seja o tubarão-tigre, que costuma se aproximar da costa no anoitecer, e defende restrições aos horários da prática de snorkel nas praias para reduzir o risco de novos acidentes.

"Noronha ficou muito vaidosa", diz ele, em entrevista ao Estado. "Temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre."

Veja abaixo os destaques da entrevista, feita por telefone na tarde do dia 23.

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Com base na sua experiência com os tubarões do Noronha, o que o senhor acha mais provável que tenha acontecido?

Nós temos alguns suspeitos. Tem as espécies mais comuns em Noronha: o tubarão-limão, o lixa e o tubarão-dos-recifes, que são os nossos tubarões "domésticos", por assim dizer. Só que Noronha é rota de migração de outras espécies também, que usam o arquipélago como um entreposto no meio do oceano e passam alguns períodos aqui, que é o caso do tubarão-tigre, avistado esporadicamente.

Pela violência da mordida, eu elimino completamente o tubarão-lixa, pois ele não tem mandíbula com capacidade para causar esse tipo de ferimento. Os outros dois têm capacidade para arrancar um membro humano, mas teriam que cortar, rasgar a pele e parte da estrutura óssea. Para cortar osso mesmo, precisa ter um tipo de dente com lâmina serrada, como o tigre, capaz até de romper o casco de uma tartaruga. Então ele é o principal suspeito.

Como é o comportamento do tigre?

Estudos de pesca, captura e instalação de transmissores de GPS deixam claro que eles se afastam da costa durante o dia e se aproximam durante a noite. Eles passam um período aqui em Noronha, talvez algumas semanas ou meses, depois vão embora. Teve bicho que foi daqui para a África, outros para a Paraíba. Então estamos imaginando que este seja um animal que veio para Noronha se alimentar, dentro de sua rota migratória, e houve a infelicidade desse encontro num final de tarde.

Qual é a profundidade típica da Baía do Sueste?

Na parte mais funda, talvez uns 4 metros na maré alta. Há uma variação de mais de 2 metros entre as marés. Onde ocorreu o acidente deveria ter uns 2,5 metros de profundidade.

E um tubarão grande pode aparecer nessa profundidade?

Há relatos de tubarões adultos, grandes, se esfregando na praia, a ponto de encalhar. As pessoas acham que isso só acontece em águas profundas, mas as estatísticas internacionais sinalizam que dois terços dos ataques ocorrem em profundidade inferior a 1,8 metro.

Dá para estimar o tamanho do tubarão envolvido no ataque?

O acidentado relatou que foi um bicho de 1,5 metro, mas eu duvido; pela violência da mordida, um bicho desse tamanho não teria o poder de fazer isso num golpe só. Acredito que pelo momento traumático e pelas condições de visibilidade ele (a vítima) tenha se confundido na avaliação. A julgar pela tartaruga que foi abatida por um tigre na semana anterior, é bicho de mais de 2 metros -- que é um tubarão pequeno. Um tigre adulto tem perto de 3 metros.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento do tubarão-tigre, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz!"

O tigre é uma espécie envolvida em muitos ataques no mundo todo. Ele ataca sem motivo? Pode morder a pessoa sem ela ter feito nada?

É um comportamento esquisito, mas próprio do tubarão-tigre: Ele morde coisas estranhas! No estômago desse bicho já foram encontradas latas de cerveja, placas de carro, bola de futebol, e restos humanos também. Em animais capturados aqui em Noronha já achamos aves marinhas, outros tubarões, restos de golfinhos, carcaças de tartarugas marinhas e até de animais terrestres, como o lagarto teiú.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento dessa espécie, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz! Morde qualquer coisa; morde e joga fora. Não é para se alimentar, é para investigar. É comum acharmos aqui tartarugas que foram mordidas e deixadas para trás; depois morrem do ferimento.

Não é um bicho pra se chegar perto ...

O tigre, quando percebe a presença humana, não interage; ele foge. É diferente do limão e do lixa, que as pessoas conseguem se aproximar e tirar fotografia. O tigre é um bicho furtivo, que aparece de surpresa. Se você ver um tigre, saia da água; essa é nossa recomendação.

Após esse acidente, o senhor vê necessidade de alguma medida de segurança mais permanente contra ataques de tubarão em Noronha?

Acho que isso é uma grande lição para nós. Noronha ficou muito vaidosa, por a gente nunca ter tido um acidente envolvendo tubarões com esse tipo de violência. Isso deixou as pessoas muito confiantes. Mas temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre.

Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista"

Por isso acho importante tomar algumas medidas, que os analistas do ICMBio estão avaliando. Claramente valeria criar um protocolo de conduta para guias e visitantes, e restringir os horários de mergulho. Esse horário de final de tarde tem de ser evitado a todo custo -- deixando claro que estou me referindo ao snorkel, não ao mergulho autônomo com cilindro. O snorkel é um tipo de mergulho mais vulnerável, que expõe a pessoa a parecer uma tartaruga (na Baía do Sueste, pelas regras do parque, ele é obrigatoriamente feito com colete salva-vidas). Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista.

Tem algum jeito de impedir que o tigre se aproxime da costa?

Impedir, não tem. Uma coisa para a qual estou sempre alertando as pessoas é que o oceano é um ambiente selvagem, e que aqui em Noronha nosso papel é manter esse ambiente o quanto mais selvagem possível. É por isso que as pessoas vêm para Noronha, para ver a natureza como ela é de fato. E o risco é intrínseco num ambiente selvagem. O único lugar em que você vai estar totalmente seguro do ataque de um animal selvagem é uma piscina. No oceano, não tem jeito; por mais que você tente criar controles de segurança, sempre haverá uma taxa de risco.

Analisando friamente, estatisticamente, esse risco é menor do que o de morrer afogado, ser atropelado por um barco ou qualquer tipo de acidente associado a esportes aquáticos. Mas eu compreendo que o trauma de ser agredido por um animal selvagem faz parecer que a gente desceu um degrau na cadeia alimentar. A gente é educado a pensar que o homem é o senhor de tudo, o dono do planeta. Mas às vezes não é assim.

Outros pesquisadores dizem que 2015 foi um ano atípico no arquipélago, talvez por conta do aquecimento das águas pelo El Niño ...

A verdade é que nesse ano houve sucessão de eventos raros: teve aporte de algas, uma quantidade incomum de sardinhas, um pico de temperatura mais alto que a média em abril e maio, ocorrência de um polvo gigante, que é uma espécie abissal raríssima (foi encontrado apenas um pedaço do animal, que pesava mais de 20 kg)... Uma série de eventos curiosos. A ilha está com muito peixe. Hoje no Sueste a quantidade lagosta, de sardinha, de raia, de tudo era incrível; um mergulho fantástico.

E essa concentração de vida pode ser um atrativo maior para o tubarão-tigre na baía?

As pessoas querem uma explicação absoluta né, para poder entender. O fato é o seguinte: onde tem mais peixe, tem mais predador; simples assim. Mas outras áreas da ilha têm tanta vida quanto; não é só no Sueste.

Leia também: Praia que teve ataque de tubarão em Noronha é reaberta com restrições

Leia também no blog: Reportagem Especial: Tubarões do Recife (2013) Tubarão-tigre é uma das espécies mais agressivas de tubarão, frequentemente envolvida em ataques em outros lugares. Não costuma se aproximar da costa em Fernando de Noronha. Foto: Albert kok/Wikipedia
Localização da praia onde ocorreu o ataque. Crédito: Herton Escobar, com imagem do Google Earth  Foto: Estadão
A Baía do Sueste, onde ocorreu o acidente. Foto: © All Angle By Zaira Matheus

O engenheiro de pesca Leonardo Veras, curador do Museu do Tubarão e morador de Fernando de Noronha há 25 anos, é um dos principais investigadores do ataque de tubarão ocorrido na Baía do Sueste, no dia 21 -- o primeiro registrado na história do arquipélago. Ele acredita que a espécie envolvida seja o tubarão-tigre, que costuma se aproximar da costa no anoitecer, e defende restrições aos horários da prática de snorkel nas praias para reduzir o risco de novos acidentes.

"Noronha ficou muito vaidosa", diz ele, em entrevista ao Estado. "Temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre."

Veja abaixo os destaques da entrevista, feita por telefone na tarde do dia 23.

...

Com base na sua experiência com os tubarões do Noronha, o que o senhor acha mais provável que tenha acontecido?

Nós temos alguns suspeitos. Tem as espécies mais comuns em Noronha: o tubarão-limão, o lixa e o tubarão-dos-recifes, que são os nossos tubarões "domésticos", por assim dizer. Só que Noronha é rota de migração de outras espécies também, que usam o arquipélago como um entreposto no meio do oceano e passam alguns períodos aqui, que é o caso do tubarão-tigre, avistado esporadicamente.

Pela violência da mordida, eu elimino completamente o tubarão-lixa, pois ele não tem mandíbula com capacidade para causar esse tipo de ferimento. Os outros dois têm capacidade para arrancar um membro humano, mas teriam que cortar, rasgar a pele e parte da estrutura óssea. Para cortar osso mesmo, precisa ter um tipo de dente com lâmina serrada, como o tigre, capaz até de romper o casco de uma tartaruga. Então ele é o principal suspeito.

Como é o comportamento do tigre?

Estudos de pesca, captura e instalação de transmissores de GPS deixam claro que eles se afastam da costa durante o dia e se aproximam durante a noite. Eles passam um período aqui em Noronha, talvez algumas semanas ou meses, depois vão embora. Teve bicho que foi daqui para a África, outros para a Paraíba. Então estamos imaginando que este seja um animal que veio para Noronha se alimentar, dentro de sua rota migratória, e houve a infelicidade desse encontro num final de tarde.

Qual é a profundidade típica da Baía do Sueste?

Na parte mais funda, talvez uns 4 metros na maré alta. Há uma variação de mais de 2 metros entre as marés. Onde ocorreu o acidente deveria ter uns 2,5 metros de profundidade.

E um tubarão grande pode aparecer nessa profundidade?

Há relatos de tubarões adultos, grandes, se esfregando na praia, a ponto de encalhar. As pessoas acham que isso só acontece em águas profundas, mas as estatísticas internacionais sinalizam que dois terços dos ataques ocorrem em profundidade inferior a 1,8 metro.

Dá para estimar o tamanho do tubarão envolvido no ataque?

O acidentado relatou que foi um bicho de 1,5 metro, mas eu duvido; pela violência da mordida, um bicho desse tamanho não teria o poder de fazer isso num golpe só. Acredito que pelo momento traumático e pelas condições de visibilidade ele (a vítima) tenha se confundido na avaliação. A julgar pela tartaruga que foi abatida por um tigre na semana anterior, é bicho de mais de 2 metros -- que é um tubarão pequeno. Um tigre adulto tem perto de 3 metros.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento do tubarão-tigre, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz!"

O tigre é uma espécie envolvida em muitos ataques no mundo todo. Ele ataca sem motivo? Pode morder a pessoa sem ela ter feito nada?

É um comportamento esquisito, mas próprio do tubarão-tigre: Ele morde coisas estranhas! No estômago desse bicho já foram encontradas latas de cerveja, placas de carro, bola de futebol, e restos humanos também. Em animais capturados aqui em Noronha já achamos aves marinhas, outros tubarões, restos de golfinhos, carcaças de tartarugas marinhas e até de animais terrestres, como o lagarto teiú.

As pessoas acham que o tubarão morde porque está com fome, mas nesse caso é um comportamento dessa espécie, que é o de morder pra investigar. Ele morde até bóia rapaz! Morde qualquer coisa; morde e joga fora. Não é para se alimentar, é para investigar. É comum acharmos aqui tartarugas que foram mordidas e deixadas para trás; depois morrem do ferimento.

Não é um bicho pra se chegar perto ...

O tigre, quando percebe a presença humana, não interage; ele foge. É diferente do limão e do lixa, que as pessoas conseguem se aproximar e tirar fotografia. O tigre é um bicho furtivo, que aparece de surpresa. Se você ver um tigre, saia da água; essa é nossa recomendação.

Após esse acidente, o senhor vê necessidade de alguma medida de segurança mais permanente contra ataques de tubarão em Noronha?

Acho que isso é uma grande lição para nós. Noronha ficou muito vaidosa, por a gente nunca ter tido um acidente envolvendo tubarões com esse tipo de violência. Isso deixou as pessoas muito confiantes. Mas temos que ter a clareza e não perder o foco de que o tubarão é um animal selvagem, um predador. Embora tenhamos espécies mais frequentemente amistosas, podem ocorrer encontros com espécies visitantes de comportamento mais agressivo, como o tigre.

Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista"

Por isso acho importante tomar algumas medidas, que os analistas do ICMBio estão avaliando. Claramente valeria criar um protocolo de conduta para guias e visitantes, e restringir os horários de mergulho. Esse horário de final de tarde tem de ser evitado a todo custo -- deixando claro que estou me referindo ao snorkel, não ao mergulho autônomo com cilindro. O snorkel é um tipo de mergulho mais vulnerável, que expõe a pessoa a parecer uma tartaruga (na Baía do Sueste, pelas regras do parque, ele é obrigatoriamente feito com colete salva-vidas). Um dos problemas é que o acidentado estava só. Se ele estivesse acompanhado, a história poderia ter sido diferente. O tigre é muito covarde; é um oportunista.

Tem algum jeito de impedir que o tigre se aproxime da costa?

Impedir, não tem. Uma coisa para a qual estou sempre alertando as pessoas é que o oceano é um ambiente selvagem, e que aqui em Noronha nosso papel é manter esse ambiente o quanto mais selvagem possível. É por isso que as pessoas vêm para Noronha, para ver a natureza como ela é de fato. E o risco é intrínseco num ambiente selvagem. O único lugar em que você vai estar totalmente seguro do ataque de um animal selvagem é uma piscina. No oceano, não tem jeito; por mais que você tente criar controles de segurança, sempre haverá uma taxa de risco.

Analisando friamente, estatisticamente, esse risco é menor do que o de morrer afogado, ser atropelado por um barco ou qualquer tipo de acidente associado a esportes aquáticos. Mas eu compreendo que o trauma de ser agredido por um animal selvagem faz parecer que a gente desceu um degrau na cadeia alimentar. A gente é educado a pensar que o homem é o senhor de tudo, o dono do planeta. Mas às vezes não é assim.

Outros pesquisadores dizem que 2015 foi um ano atípico no arquipélago, talvez por conta do aquecimento das águas pelo El Niño ...

A verdade é que nesse ano houve sucessão de eventos raros: teve aporte de algas, uma quantidade incomum de sardinhas, um pico de temperatura mais alto que a média em abril e maio, ocorrência de um polvo gigante, que é uma espécie abissal raríssima (foi encontrado apenas um pedaço do animal, que pesava mais de 20 kg)... Uma série de eventos curiosos. A ilha está com muito peixe. Hoje no Sueste a quantidade lagosta, de sardinha, de raia, de tudo era incrível; um mergulho fantástico.

E essa concentração de vida pode ser um atrativo maior para o tubarão-tigre na baía?

As pessoas querem uma explicação absoluta né, para poder entender. O fato é o seguinte: onde tem mais peixe, tem mais predador; simples assim. Mas outras áreas da ilha têm tanta vida quanto; não é só no Sueste.

Leia também: Praia que teve ataque de tubarão em Noronha é reaberta com restrições

Leia também no blog: Reportagem Especial: Tubarões do Recife (2013) Tubarão-tigre é uma das espécies mais agressivas de tubarão, frequentemente envolvida em ataques em outros lugares. Não costuma se aproximar da costa em Fernando de Noronha. Foto: Albert kok/Wikipedia
Localização da praia onde ocorreu o ataque. Crédito: Herton Escobar, com imagem do Google Earth  Foto: Estadão

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