A GRANDE ESTREIA


Na elogiada primeira apresentação como titular da Osesp, a americana Marin Alsop mescla equilíbrio e sensibilidade

Por JOÃO MARCOS COELHO

Não poderia ter sido melhor a estreia de Marin Alsop como titular da Osesp, anteontem, diante de uma Sala São Paulo lotada, na abertura da temporada 2012. Ela arriscou um agradecimento em português, no final, com o público de pé aplaudindo freneticamente a empenhada execução da Sinfonia n.º 5 de Dmitri Shostakovich. É difícil ouvi-la sem evocar as circunstâncias de sua composição, em 1937, apesar da sábia recomendação de Alsop ao Estado de que devemos ouvir a música de Shostakovich em si. Tarefa difícil, ela mesmo reconhece, porque os fatos que envolveram a vida do compositor na antiga URSS estão próximos de nós. Ele era um poço de contradições: leal com os amigos, era desonesto em relação aos próprios princípios; tinha enorme respeito pelas palavras, mas assinou várias vezes documentos que jamais leu. Em suma, um modernista que desprezava "oficialmente" o modernismo. Com relação à União Soviética, amava-a e ao mesmo tempo a odiava. Ora se beneficiava do regime, ora era sua vítima preferencial.Tentei, então, fazer um esforço para esquecer tudo isso, e também que a quinta sinfonia representou um recuo em relação à quarta (composta em 1936, só estreou bem depois da morte de Stalin, em 1961). E, ainda, que embute mensagens cifradas de resistência ao regime e solidariedade a amigos músicos presos e executados.Musicalmente, a Quinta é um monumento, construído em quatro movimentos em cerca de 50 minutos. Desde as angustiadas notas pontuadas do tema inicial nas cordas, Alsop mostrou que tinha a orquestra nas mãos (os músicos elogiaram, nos últimos dias, suas qualidades de 'ensaiadora'). Embora o Moderato inicial de proporções mahlerianas se imponha como pórtico de imensas massas sonoras, foi nos detalhes que Alsop demonstrou ter amadurecido uma leitura refinada da sinfonia com seus músicos da Osesp. Conseguiu o tom exato no allegretto, um curto scherzo que mistura alegria exterior com travos amargos, ironia e sátira. Mas, sem dúvida, o clímax desta interpretação modelar ficou com o Largo, também evocando Mahler, um dos ídolos do compositor russo: cerca de 15 minutos de música em que predomina o pianíssimo. Foi um daqueles momentos memoráveis, mágicos, em que o pianíssimo não afrouxa; ao contrário, mantém a tensão sem jamais confundi-la com aumento de volume sonoro. A explosão final do Allegro non troppo convocou, como no moderato inicial, uma participação decisiva das madeiras e metais, ambos em grande forma. Melhor, impossível. Na primeira parte, estreou Terra Brasilis, terceira encomenda da Osesp a compositores de uma obra curta em torno do nosso Hino. Desta vez, a convocada foi Clarice Assad. Uma inesperada surpresa, sem dúvida a melhor até agora. Clarice define a obra como um "curta-metragem"; parece uma inteligente colagem, com algumas tinturas vanguardistas. Ficou engraçada a inserção da melodia do hino num clima de concerto para piano mozartiano. No fundo, estas peças encomendadas são puros "scherzi", só brincadeirinha. Confesso que sinto falta de, na abertura de cada temporada, o público ter a chance rara de participar cantando o Hino na sua forma original.O pianista francês David Fray solou o Concerto n.º 22 de Mozart, K. 482. Entre os 27, não é dos mais conhecidos, mas soa como uma verdadeira gema, escolha acertada. Não ouvi o CD no qual ele toca este mesmo concerto com as cadências do lendário pianista Edwin Fischer, mas como elas saltaram deliciosamente fora do universo mozartiano, creio que ele as usou anteontem, no primeiro e no terceiro movimentos. Tocante tributo a um maravilhoso pianista da primeira metade do século 20 e um saudável atrevimento. Isso torna mais viva a performance. Virtuosístico no allegro inicial, refinado no andante central e exultante no rondó final, Fray brilhou intensamente, secundado por uma massa orquestral que raras vezes saltou um bocadinho acima do volume correto.

Não poderia ter sido melhor a estreia de Marin Alsop como titular da Osesp, anteontem, diante de uma Sala São Paulo lotada, na abertura da temporada 2012. Ela arriscou um agradecimento em português, no final, com o público de pé aplaudindo freneticamente a empenhada execução da Sinfonia n.º 5 de Dmitri Shostakovich. É difícil ouvi-la sem evocar as circunstâncias de sua composição, em 1937, apesar da sábia recomendação de Alsop ao Estado de que devemos ouvir a música de Shostakovich em si. Tarefa difícil, ela mesmo reconhece, porque os fatos que envolveram a vida do compositor na antiga URSS estão próximos de nós. Ele era um poço de contradições: leal com os amigos, era desonesto em relação aos próprios princípios; tinha enorme respeito pelas palavras, mas assinou várias vezes documentos que jamais leu. Em suma, um modernista que desprezava "oficialmente" o modernismo. Com relação à União Soviética, amava-a e ao mesmo tempo a odiava. Ora se beneficiava do regime, ora era sua vítima preferencial.Tentei, então, fazer um esforço para esquecer tudo isso, e também que a quinta sinfonia representou um recuo em relação à quarta (composta em 1936, só estreou bem depois da morte de Stalin, em 1961). E, ainda, que embute mensagens cifradas de resistência ao regime e solidariedade a amigos músicos presos e executados.Musicalmente, a Quinta é um monumento, construído em quatro movimentos em cerca de 50 minutos. Desde as angustiadas notas pontuadas do tema inicial nas cordas, Alsop mostrou que tinha a orquestra nas mãos (os músicos elogiaram, nos últimos dias, suas qualidades de 'ensaiadora'). Embora o Moderato inicial de proporções mahlerianas se imponha como pórtico de imensas massas sonoras, foi nos detalhes que Alsop demonstrou ter amadurecido uma leitura refinada da sinfonia com seus músicos da Osesp. Conseguiu o tom exato no allegretto, um curto scherzo que mistura alegria exterior com travos amargos, ironia e sátira. Mas, sem dúvida, o clímax desta interpretação modelar ficou com o Largo, também evocando Mahler, um dos ídolos do compositor russo: cerca de 15 minutos de música em que predomina o pianíssimo. Foi um daqueles momentos memoráveis, mágicos, em que o pianíssimo não afrouxa; ao contrário, mantém a tensão sem jamais confundi-la com aumento de volume sonoro. A explosão final do Allegro non troppo convocou, como no moderato inicial, uma participação decisiva das madeiras e metais, ambos em grande forma. Melhor, impossível. Na primeira parte, estreou Terra Brasilis, terceira encomenda da Osesp a compositores de uma obra curta em torno do nosso Hino. Desta vez, a convocada foi Clarice Assad. Uma inesperada surpresa, sem dúvida a melhor até agora. Clarice define a obra como um "curta-metragem"; parece uma inteligente colagem, com algumas tinturas vanguardistas. Ficou engraçada a inserção da melodia do hino num clima de concerto para piano mozartiano. No fundo, estas peças encomendadas são puros "scherzi", só brincadeirinha. Confesso que sinto falta de, na abertura de cada temporada, o público ter a chance rara de participar cantando o Hino na sua forma original.O pianista francês David Fray solou o Concerto n.º 22 de Mozart, K. 482. Entre os 27, não é dos mais conhecidos, mas soa como uma verdadeira gema, escolha acertada. Não ouvi o CD no qual ele toca este mesmo concerto com as cadências do lendário pianista Edwin Fischer, mas como elas saltaram deliciosamente fora do universo mozartiano, creio que ele as usou anteontem, no primeiro e no terceiro movimentos. Tocante tributo a um maravilhoso pianista da primeira metade do século 20 e um saudável atrevimento. Isso torna mais viva a performance. Virtuosístico no allegro inicial, refinado no andante central e exultante no rondó final, Fray brilhou intensamente, secundado por uma massa orquestral que raras vezes saltou um bocadinho acima do volume correto.

Não poderia ter sido melhor a estreia de Marin Alsop como titular da Osesp, anteontem, diante de uma Sala São Paulo lotada, na abertura da temporada 2012. Ela arriscou um agradecimento em português, no final, com o público de pé aplaudindo freneticamente a empenhada execução da Sinfonia n.º 5 de Dmitri Shostakovich. É difícil ouvi-la sem evocar as circunstâncias de sua composição, em 1937, apesar da sábia recomendação de Alsop ao Estado de que devemos ouvir a música de Shostakovich em si. Tarefa difícil, ela mesmo reconhece, porque os fatos que envolveram a vida do compositor na antiga URSS estão próximos de nós. Ele era um poço de contradições: leal com os amigos, era desonesto em relação aos próprios princípios; tinha enorme respeito pelas palavras, mas assinou várias vezes documentos que jamais leu. Em suma, um modernista que desprezava "oficialmente" o modernismo. Com relação à União Soviética, amava-a e ao mesmo tempo a odiava. Ora se beneficiava do regime, ora era sua vítima preferencial.Tentei, então, fazer um esforço para esquecer tudo isso, e também que a quinta sinfonia representou um recuo em relação à quarta (composta em 1936, só estreou bem depois da morte de Stalin, em 1961). E, ainda, que embute mensagens cifradas de resistência ao regime e solidariedade a amigos músicos presos e executados.Musicalmente, a Quinta é um monumento, construído em quatro movimentos em cerca de 50 minutos. Desde as angustiadas notas pontuadas do tema inicial nas cordas, Alsop mostrou que tinha a orquestra nas mãos (os músicos elogiaram, nos últimos dias, suas qualidades de 'ensaiadora'). Embora o Moderato inicial de proporções mahlerianas se imponha como pórtico de imensas massas sonoras, foi nos detalhes que Alsop demonstrou ter amadurecido uma leitura refinada da sinfonia com seus músicos da Osesp. Conseguiu o tom exato no allegretto, um curto scherzo que mistura alegria exterior com travos amargos, ironia e sátira. Mas, sem dúvida, o clímax desta interpretação modelar ficou com o Largo, também evocando Mahler, um dos ídolos do compositor russo: cerca de 15 minutos de música em que predomina o pianíssimo. Foi um daqueles momentos memoráveis, mágicos, em que o pianíssimo não afrouxa; ao contrário, mantém a tensão sem jamais confundi-la com aumento de volume sonoro. A explosão final do Allegro non troppo convocou, como no moderato inicial, uma participação decisiva das madeiras e metais, ambos em grande forma. Melhor, impossível. Na primeira parte, estreou Terra Brasilis, terceira encomenda da Osesp a compositores de uma obra curta em torno do nosso Hino. Desta vez, a convocada foi Clarice Assad. Uma inesperada surpresa, sem dúvida a melhor até agora. Clarice define a obra como um "curta-metragem"; parece uma inteligente colagem, com algumas tinturas vanguardistas. Ficou engraçada a inserção da melodia do hino num clima de concerto para piano mozartiano. No fundo, estas peças encomendadas são puros "scherzi", só brincadeirinha. Confesso que sinto falta de, na abertura de cada temporada, o público ter a chance rara de participar cantando o Hino na sua forma original.O pianista francês David Fray solou o Concerto n.º 22 de Mozart, K. 482. Entre os 27, não é dos mais conhecidos, mas soa como uma verdadeira gema, escolha acertada. Não ouvi o CD no qual ele toca este mesmo concerto com as cadências do lendário pianista Edwin Fischer, mas como elas saltaram deliciosamente fora do universo mozartiano, creio que ele as usou anteontem, no primeiro e no terceiro movimentos. Tocante tributo a um maravilhoso pianista da primeira metade do século 20 e um saudável atrevimento. Isso torna mais viva a performance. Virtuosístico no allegro inicial, refinado no andante central e exultante no rondó final, Fray brilhou intensamente, secundado por uma massa orquestral que raras vezes saltou um bocadinho acima do volume correto.

Não poderia ter sido melhor a estreia de Marin Alsop como titular da Osesp, anteontem, diante de uma Sala São Paulo lotada, na abertura da temporada 2012. Ela arriscou um agradecimento em português, no final, com o público de pé aplaudindo freneticamente a empenhada execução da Sinfonia n.º 5 de Dmitri Shostakovich. É difícil ouvi-la sem evocar as circunstâncias de sua composição, em 1937, apesar da sábia recomendação de Alsop ao Estado de que devemos ouvir a música de Shostakovich em si. Tarefa difícil, ela mesmo reconhece, porque os fatos que envolveram a vida do compositor na antiga URSS estão próximos de nós. Ele era um poço de contradições: leal com os amigos, era desonesto em relação aos próprios princípios; tinha enorme respeito pelas palavras, mas assinou várias vezes documentos que jamais leu. Em suma, um modernista que desprezava "oficialmente" o modernismo. Com relação à União Soviética, amava-a e ao mesmo tempo a odiava. Ora se beneficiava do regime, ora era sua vítima preferencial.Tentei, então, fazer um esforço para esquecer tudo isso, e também que a quinta sinfonia representou um recuo em relação à quarta (composta em 1936, só estreou bem depois da morte de Stalin, em 1961). E, ainda, que embute mensagens cifradas de resistência ao regime e solidariedade a amigos músicos presos e executados.Musicalmente, a Quinta é um monumento, construído em quatro movimentos em cerca de 50 minutos. Desde as angustiadas notas pontuadas do tema inicial nas cordas, Alsop mostrou que tinha a orquestra nas mãos (os músicos elogiaram, nos últimos dias, suas qualidades de 'ensaiadora'). Embora o Moderato inicial de proporções mahlerianas se imponha como pórtico de imensas massas sonoras, foi nos detalhes que Alsop demonstrou ter amadurecido uma leitura refinada da sinfonia com seus músicos da Osesp. Conseguiu o tom exato no allegretto, um curto scherzo que mistura alegria exterior com travos amargos, ironia e sátira. Mas, sem dúvida, o clímax desta interpretação modelar ficou com o Largo, também evocando Mahler, um dos ídolos do compositor russo: cerca de 15 minutos de música em que predomina o pianíssimo. Foi um daqueles momentos memoráveis, mágicos, em que o pianíssimo não afrouxa; ao contrário, mantém a tensão sem jamais confundi-la com aumento de volume sonoro. A explosão final do Allegro non troppo convocou, como no moderato inicial, uma participação decisiva das madeiras e metais, ambos em grande forma. Melhor, impossível. Na primeira parte, estreou Terra Brasilis, terceira encomenda da Osesp a compositores de uma obra curta em torno do nosso Hino. Desta vez, a convocada foi Clarice Assad. Uma inesperada surpresa, sem dúvida a melhor até agora. Clarice define a obra como um "curta-metragem"; parece uma inteligente colagem, com algumas tinturas vanguardistas. Ficou engraçada a inserção da melodia do hino num clima de concerto para piano mozartiano. No fundo, estas peças encomendadas são puros "scherzi", só brincadeirinha. Confesso que sinto falta de, na abertura de cada temporada, o público ter a chance rara de participar cantando o Hino na sua forma original.O pianista francês David Fray solou o Concerto n.º 22 de Mozart, K. 482. Entre os 27, não é dos mais conhecidos, mas soa como uma verdadeira gema, escolha acertada. Não ouvi o CD no qual ele toca este mesmo concerto com as cadências do lendário pianista Edwin Fischer, mas como elas saltaram deliciosamente fora do universo mozartiano, creio que ele as usou anteontem, no primeiro e no terceiro movimentos. Tocante tributo a um maravilhoso pianista da primeira metade do século 20 e um saudável atrevimento. Isso torna mais viva a performance. Virtuosístico no allegro inicial, refinado no andante central e exultante no rondó final, Fray brilhou intensamente, secundado por uma massa orquestral que raras vezes saltou um bocadinho acima do volume correto.

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