A obsessão humana por um paraíso utópico


Babel, texto ''futurista'' da italiana Letizia Russo, fala de insatisfações

Por César Augusto

Babel, texto da dramaturga italiana Letizia Russo, direção de Alvise Camozzi, com Caroline Abras e Rodrigo Fregnan, é um espetáculo em que a tendência para a ficção científica se mostra apenas como pretexto para discutir a incomunicabilidade e a impossibilidade da salvação da condição humana.O espetáculo conta a história da interdependência entre a bailarina Boccuccia (Caroline Abras) e Falena (Rodrigo Fregnan). Ambos vivem num tempo fictício e futuro, em Babel, uma espécie de condomínio-mundo imenso, onde as pessoas são separadas hierarquicamente e em que uma pessoa pode comprar a outra, assumindo-a como sua propriedade. Eles têm uma obsessão em comum: encontrar e tomar a N.A.V.E. (Neurologica ad Apparitiones Visionesque Essentia), uma espécie de passaporte para outra realidade, um mundo utópico, talvez, no qual as aparências se dissolvam e se vislumbre uma possível essência das coisas. Na empreitada para conseguir a N.A.V.E., Falena e Boccuccia escapam, mas Ferro, seu namorado e irmão dele, morre e ela perde um braço. O texto de Letizia Russo parece ter como linha de força o desejo de escapar do mundo e, mais especificamente, da condição a que Falena e Boccuccia estão submetidos. As contradições de ambos são claras. Ela não deseja ser propriedade de ninguém, mas sua deficiência a deixa sem escolha. Por isso, precisa dele, mas não quer precisar. Ele, por sua vez, não quer fazer dela sua escrava. Compra-a para protegê-la, porque a ama, mas não deixa de controlá-la. Na dimensão da relação de ambos, esse jogo cria um pêndulo dramatúrgico e seus desejos ora se complementam ora se interditam. Na dimensão da trama, o que move ambos é a obsessão pela N.A.V.E. para chegar a essa instância utópica que supostamente os livrará desse enclausuramento em si mesmos, dessa claustrofobia espiritual, que os subjuga. Mas parece que, para ser livre, é preciso pagar um preço: ela mata a dona da casa em que dança para se tornar a próxima dona; ele mata o vizinho, pega seu dinheiro e compra votos para se eleger (Aqui, a autora encontra espaço para discutir política de maneira sutil, sem ser panfletária nem se deixar levar por qualquer tipo de maniqueísmo ou defesa unilateral de uma ideologia) e conseguir a N.A.V.E., o que, de fato, acontece: ambos tomam a N.A.V.E. e chegam a essa dimensão utópica. Uma vez nesse lugar, que é um não-lugar, Boccuccia se mata, se jogando do carro e Falena se mata para se unir a ela.Contrapontos. A direção de Alvise Camozzi conduz esse universo por meio do contraponto entre o uso não naturalista de cenário, luz e som e a interpretação naturalista dos atores. O cenário de William Zarella Jr., um pequeno cubo branco, de fundo negro infinito, sobre terra batida (lembrando Anish Kapoor) parece reforçar a sensação de desconforto e claustrofobia das personagens, como se o externo revelasse o interno, deixando também espaço para que a plateia imagine o que seria esse mundo apocalíptico nessa Babel. A luz de Guilherme Bonfanti é precisa e salienta essa atmosfera. A trilha sonora de Henrique Iwao introduz sons que insinuam um caos externo, ajudando a inserir a plateia nesse universo, com uma longa intervenção no início, depois com intervenções mais breves nas transições de cenas.Em relação às interpretações, Rodrigo Fregnan e Caroline Abras sustentam a linha de interpretação através de um jogo de estímulo-resposta em que o uso da respiração é a base para a sustentação dos sentimentos das personagens, deixando, com isso, espaço para as sutilezas, sem impor as personagens, mantendo o nível dialético do texto.No geral e afinal, o que parece ficar do espetáculo é uma sensação de que não há salvação e a incompletude é a sina da condição humana.BABELSesc Pinheiros. Teatro Paulo Autran. Rua Paes Leme, 195, telefone 3095- 9400. 6ª e sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 16.Até 7/11

Babel, texto da dramaturga italiana Letizia Russo, direção de Alvise Camozzi, com Caroline Abras e Rodrigo Fregnan, é um espetáculo em que a tendência para a ficção científica se mostra apenas como pretexto para discutir a incomunicabilidade e a impossibilidade da salvação da condição humana.O espetáculo conta a história da interdependência entre a bailarina Boccuccia (Caroline Abras) e Falena (Rodrigo Fregnan). Ambos vivem num tempo fictício e futuro, em Babel, uma espécie de condomínio-mundo imenso, onde as pessoas são separadas hierarquicamente e em que uma pessoa pode comprar a outra, assumindo-a como sua propriedade. Eles têm uma obsessão em comum: encontrar e tomar a N.A.V.E. (Neurologica ad Apparitiones Visionesque Essentia), uma espécie de passaporte para outra realidade, um mundo utópico, talvez, no qual as aparências se dissolvam e se vislumbre uma possível essência das coisas. Na empreitada para conseguir a N.A.V.E., Falena e Boccuccia escapam, mas Ferro, seu namorado e irmão dele, morre e ela perde um braço. O texto de Letizia Russo parece ter como linha de força o desejo de escapar do mundo e, mais especificamente, da condição a que Falena e Boccuccia estão submetidos. As contradições de ambos são claras. Ela não deseja ser propriedade de ninguém, mas sua deficiência a deixa sem escolha. Por isso, precisa dele, mas não quer precisar. Ele, por sua vez, não quer fazer dela sua escrava. Compra-a para protegê-la, porque a ama, mas não deixa de controlá-la. Na dimensão da relação de ambos, esse jogo cria um pêndulo dramatúrgico e seus desejos ora se complementam ora se interditam. Na dimensão da trama, o que move ambos é a obsessão pela N.A.V.E. para chegar a essa instância utópica que supostamente os livrará desse enclausuramento em si mesmos, dessa claustrofobia espiritual, que os subjuga. Mas parece que, para ser livre, é preciso pagar um preço: ela mata a dona da casa em que dança para se tornar a próxima dona; ele mata o vizinho, pega seu dinheiro e compra votos para se eleger (Aqui, a autora encontra espaço para discutir política de maneira sutil, sem ser panfletária nem se deixar levar por qualquer tipo de maniqueísmo ou defesa unilateral de uma ideologia) e conseguir a N.A.V.E., o que, de fato, acontece: ambos tomam a N.A.V.E. e chegam a essa dimensão utópica. Uma vez nesse lugar, que é um não-lugar, Boccuccia se mata, se jogando do carro e Falena se mata para se unir a ela.Contrapontos. A direção de Alvise Camozzi conduz esse universo por meio do contraponto entre o uso não naturalista de cenário, luz e som e a interpretação naturalista dos atores. O cenário de William Zarella Jr., um pequeno cubo branco, de fundo negro infinito, sobre terra batida (lembrando Anish Kapoor) parece reforçar a sensação de desconforto e claustrofobia das personagens, como se o externo revelasse o interno, deixando também espaço para que a plateia imagine o que seria esse mundo apocalíptico nessa Babel. A luz de Guilherme Bonfanti é precisa e salienta essa atmosfera. A trilha sonora de Henrique Iwao introduz sons que insinuam um caos externo, ajudando a inserir a plateia nesse universo, com uma longa intervenção no início, depois com intervenções mais breves nas transições de cenas.Em relação às interpretações, Rodrigo Fregnan e Caroline Abras sustentam a linha de interpretação através de um jogo de estímulo-resposta em que o uso da respiração é a base para a sustentação dos sentimentos das personagens, deixando, com isso, espaço para as sutilezas, sem impor as personagens, mantendo o nível dialético do texto.No geral e afinal, o que parece ficar do espetáculo é uma sensação de que não há salvação e a incompletude é a sina da condição humana.BABELSesc Pinheiros. Teatro Paulo Autran. Rua Paes Leme, 195, telefone 3095- 9400. 6ª e sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 16.Até 7/11

Babel, texto da dramaturga italiana Letizia Russo, direção de Alvise Camozzi, com Caroline Abras e Rodrigo Fregnan, é um espetáculo em que a tendência para a ficção científica se mostra apenas como pretexto para discutir a incomunicabilidade e a impossibilidade da salvação da condição humana.O espetáculo conta a história da interdependência entre a bailarina Boccuccia (Caroline Abras) e Falena (Rodrigo Fregnan). Ambos vivem num tempo fictício e futuro, em Babel, uma espécie de condomínio-mundo imenso, onde as pessoas são separadas hierarquicamente e em que uma pessoa pode comprar a outra, assumindo-a como sua propriedade. Eles têm uma obsessão em comum: encontrar e tomar a N.A.V.E. (Neurologica ad Apparitiones Visionesque Essentia), uma espécie de passaporte para outra realidade, um mundo utópico, talvez, no qual as aparências se dissolvam e se vislumbre uma possível essência das coisas. Na empreitada para conseguir a N.A.V.E., Falena e Boccuccia escapam, mas Ferro, seu namorado e irmão dele, morre e ela perde um braço. O texto de Letizia Russo parece ter como linha de força o desejo de escapar do mundo e, mais especificamente, da condição a que Falena e Boccuccia estão submetidos. As contradições de ambos são claras. Ela não deseja ser propriedade de ninguém, mas sua deficiência a deixa sem escolha. Por isso, precisa dele, mas não quer precisar. Ele, por sua vez, não quer fazer dela sua escrava. Compra-a para protegê-la, porque a ama, mas não deixa de controlá-la. Na dimensão da relação de ambos, esse jogo cria um pêndulo dramatúrgico e seus desejos ora se complementam ora se interditam. Na dimensão da trama, o que move ambos é a obsessão pela N.A.V.E. para chegar a essa instância utópica que supostamente os livrará desse enclausuramento em si mesmos, dessa claustrofobia espiritual, que os subjuga. Mas parece que, para ser livre, é preciso pagar um preço: ela mata a dona da casa em que dança para se tornar a próxima dona; ele mata o vizinho, pega seu dinheiro e compra votos para se eleger (Aqui, a autora encontra espaço para discutir política de maneira sutil, sem ser panfletária nem se deixar levar por qualquer tipo de maniqueísmo ou defesa unilateral de uma ideologia) e conseguir a N.A.V.E., o que, de fato, acontece: ambos tomam a N.A.V.E. e chegam a essa dimensão utópica. Uma vez nesse lugar, que é um não-lugar, Boccuccia se mata, se jogando do carro e Falena se mata para se unir a ela.Contrapontos. A direção de Alvise Camozzi conduz esse universo por meio do contraponto entre o uso não naturalista de cenário, luz e som e a interpretação naturalista dos atores. O cenário de William Zarella Jr., um pequeno cubo branco, de fundo negro infinito, sobre terra batida (lembrando Anish Kapoor) parece reforçar a sensação de desconforto e claustrofobia das personagens, como se o externo revelasse o interno, deixando também espaço para que a plateia imagine o que seria esse mundo apocalíptico nessa Babel. A luz de Guilherme Bonfanti é precisa e salienta essa atmosfera. A trilha sonora de Henrique Iwao introduz sons que insinuam um caos externo, ajudando a inserir a plateia nesse universo, com uma longa intervenção no início, depois com intervenções mais breves nas transições de cenas.Em relação às interpretações, Rodrigo Fregnan e Caroline Abras sustentam a linha de interpretação através de um jogo de estímulo-resposta em que o uso da respiração é a base para a sustentação dos sentimentos das personagens, deixando, com isso, espaço para as sutilezas, sem impor as personagens, mantendo o nível dialético do texto.No geral e afinal, o que parece ficar do espetáculo é uma sensação de que não há salvação e a incompletude é a sina da condição humana.BABELSesc Pinheiros. Teatro Paulo Autran. Rua Paes Leme, 195, telefone 3095- 9400. 6ª e sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 16.Até 7/11

Babel, texto da dramaturga italiana Letizia Russo, direção de Alvise Camozzi, com Caroline Abras e Rodrigo Fregnan, é um espetáculo em que a tendência para a ficção científica se mostra apenas como pretexto para discutir a incomunicabilidade e a impossibilidade da salvação da condição humana.O espetáculo conta a história da interdependência entre a bailarina Boccuccia (Caroline Abras) e Falena (Rodrigo Fregnan). Ambos vivem num tempo fictício e futuro, em Babel, uma espécie de condomínio-mundo imenso, onde as pessoas são separadas hierarquicamente e em que uma pessoa pode comprar a outra, assumindo-a como sua propriedade. Eles têm uma obsessão em comum: encontrar e tomar a N.A.V.E. (Neurologica ad Apparitiones Visionesque Essentia), uma espécie de passaporte para outra realidade, um mundo utópico, talvez, no qual as aparências se dissolvam e se vislumbre uma possível essência das coisas. Na empreitada para conseguir a N.A.V.E., Falena e Boccuccia escapam, mas Ferro, seu namorado e irmão dele, morre e ela perde um braço. O texto de Letizia Russo parece ter como linha de força o desejo de escapar do mundo e, mais especificamente, da condição a que Falena e Boccuccia estão submetidos. As contradições de ambos são claras. Ela não deseja ser propriedade de ninguém, mas sua deficiência a deixa sem escolha. Por isso, precisa dele, mas não quer precisar. Ele, por sua vez, não quer fazer dela sua escrava. Compra-a para protegê-la, porque a ama, mas não deixa de controlá-la. Na dimensão da relação de ambos, esse jogo cria um pêndulo dramatúrgico e seus desejos ora se complementam ora se interditam. Na dimensão da trama, o que move ambos é a obsessão pela N.A.V.E. para chegar a essa instância utópica que supostamente os livrará desse enclausuramento em si mesmos, dessa claustrofobia espiritual, que os subjuga. Mas parece que, para ser livre, é preciso pagar um preço: ela mata a dona da casa em que dança para se tornar a próxima dona; ele mata o vizinho, pega seu dinheiro e compra votos para se eleger (Aqui, a autora encontra espaço para discutir política de maneira sutil, sem ser panfletária nem se deixar levar por qualquer tipo de maniqueísmo ou defesa unilateral de uma ideologia) e conseguir a N.A.V.E., o que, de fato, acontece: ambos tomam a N.A.V.E. e chegam a essa dimensão utópica. Uma vez nesse lugar, que é um não-lugar, Boccuccia se mata, se jogando do carro e Falena se mata para se unir a ela.Contrapontos. A direção de Alvise Camozzi conduz esse universo por meio do contraponto entre o uso não naturalista de cenário, luz e som e a interpretação naturalista dos atores. O cenário de William Zarella Jr., um pequeno cubo branco, de fundo negro infinito, sobre terra batida (lembrando Anish Kapoor) parece reforçar a sensação de desconforto e claustrofobia das personagens, como se o externo revelasse o interno, deixando também espaço para que a plateia imagine o que seria esse mundo apocalíptico nessa Babel. A luz de Guilherme Bonfanti é precisa e salienta essa atmosfera. A trilha sonora de Henrique Iwao introduz sons que insinuam um caos externo, ajudando a inserir a plateia nesse universo, com uma longa intervenção no início, depois com intervenções mais breves nas transições de cenas.Em relação às interpretações, Rodrigo Fregnan e Caroline Abras sustentam a linha de interpretação através de um jogo de estímulo-resposta em que o uso da respiração é a base para a sustentação dos sentimentos das personagens, deixando, com isso, espaço para as sutilezas, sem impor as personagens, mantendo o nível dialético do texto.No geral e afinal, o que parece ficar do espetáculo é uma sensação de que não há salvação e a incompletude é a sina da condição humana.BABELSesc Pinheiros. Teatro Paulo Autran. Rua Paes Leme, 195, telefone 3095- 9400. 6ª e sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 16.Até 7/11

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