Al-Zaidi, a cinderela do mundo árabe


Sem sapatos, repórter que agrediu George W. Bush deu um salto

Por Sérgio Augusto

Chega de mártires. Chega de Wladimir Herzog, Tim Lopes, Daniel Pearl, Nestor Moreira, George Polk, Anna Politkovskaya. O jornalismo precisa de herois que sobrevivam aos seus inimigos. De herois como Edward Murrow e a dupla Woodward-Bernstein, por exemplo. Mas já que ultimamente tivemos de nos contentar com o iraquiano Muntazer al-Zaidi, que o Alá o proteja - e sobretudo não nos desampare.

 

Repórter do canal de TV Al-Baghdadia, o xiita Al-Zaidi tornou-se a maior celebridade jornalística mundial dos últimos nove meses, por uma façanha midiática sem precedentes: nunca antes um jornalista agredira fisicamente um chefe de Estado estrangeiro, no curso de uma entrevista coletiva. Ou, pelo menos, nunca um presidente dos Estados Unidos sofrera o constrangimento de ser atacado em público por um homem de imprensa; muito menos com uma sapatada.

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Ao atirar um sapato na direção do ex-presidente George W. Bush, em 14 de dezembro de 2008, aos gritos de "Este é o beijo de despedida do povo iraquiano, seu cão!", Al-Zaidi entrou para o folclore da imprensa e do protesto político.

 

Preso no ato e incurso no artigo 223 do Código Penal iraquiano, foi condenado a três anos de cadeia, pena reduzida para um ano, por sua condição de réu primário. Na última terça-feira, após nove meses de cárcere, Al-Zaidi foi posto em liberdade. Só aí descobriu-se que ele, por muito pouco, não se tornara um mártir, ao invés de heroi. Submetido a torturas pela polícia iraquiana, Al-Zaidi quase engrossou as estatísticas de jornalistas assassinados (109 em 36 países, apenas no ano passado). Desde quarta-feira em Atenas, para tratamento médico, deverá ficar rico dando palestras, escrevendo livros e perpetuando seu próprio mito.

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Ao contrário da invasão do Iraque pelos americanos, pacientemente arquitetada pela Casa Branca, a sapatada foi um rompante intempestivo, um desacato alimentado por cinco anos de indignação acumulada. "Senti o sangue dos inocentes no meu pé no momento em que ele (Bush) sorria dizendo ter vindo se despedir do Iraque", justificou-se Al-Zaidi, que, se houvesse tentado alvejar Bush com uma pedra ou qualquer objeto que não um sapato, talvez não tivesse alcançado o mesmo nível de glorificação entre os muçulmanos.

 

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Determinados povos do Oriente Médio têm uma relação conflituosa com os pés, que consideram a parte mais baixa e impura, a mais suja do corpo humano. Isso não significa que os calçados os purificam - ou Deus não teria pedido a Moisés para entrar descalço na Terra Prometida. No Iraque e arredores, o sapato é quase uma abominação. Mostrar a sola do sapato para alguém, mesmo casualmente, ao cruzar as pernas durante uma conversa, é uma tremenda gafe em diversas comunidades árabes. Imagine a força simbólica de uma sapatada: nem precisa acertar o alvo para cumprir sua função punitiva.

 

Al-Zaidi já amanheceu ídolo no dia 15 de dezembro. Seu gesto repercutiu estrepitosamente na internet e, além de adaptado a videogames, ganhou imitadores por todo canto, dos Estados Unidos à Malásia. Fizeram passeatas a seu favor, em Bagdá e países vizinhos, cerca de duas centenas de advogados de diversos países, americanos, inclusive, ofereceram-lhe ajuda jurídica gratuita; sua efígie enfeitou cartazes e camisetas; até propostas de casamento o jornalista, solteiro, 31 anos, recebeu.

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Seu sapato foi cobiçado por vários museus do Oriente Médio e por um empresário saudita, que se disse disposto a dar por ele US$ 10 milhões. Mas, àquela altura, o precioso calçado, cuja fabricação ainda é disputada por duas marcas, uma turca, outra iraquiana, já fora destruído pelo serviço de segurança americano em atividade em Bagdá. Em janeiro, um orfanato de Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein, inaugurou uma réplica em bronze do "By-bye Bush shoe", com 3 m de comprimento, que as autoridades iraquianas derreteram em menos de 48 horas.

 

O primeiro imitador de Al-Zaidi surgiu três dias depois da agressão ao Bush, não no Oriente Médio, mas em Queens (Nova York): um ferroviário de cabeça quente, que também errou a cabeça do alvo, numa reunião com representantes do patronato. Em abril, a sapatada como manifestação de descontamento político atingiria o apogeu nas eleições indianas, com desdobramentos no Sri Lanka, Irã (alvo inevitável: o presidente Mahmoud Ahmadinejad), na Malásia e Inglaterra, onde a residência oficial do primeiro-ministro Gordon Banks sofreu dois ou três ataques de mocassins e botinas. O premier chinês Wen Jiabao escapou de levar a sua sete meses atrás, quando visitava a Universidade de Cambridge. Na China ninguém ousaria hostilizá-lo, nem sequer com uma sapatilha da Barbie.

 

Impossível prever se no futuro o sapato de Al-Zaidi estará mais vivo na memória popular iraquiana que o de Cinderela, os de Dorothy de O Mágico de Oz, os de camurça azul de Elvis Presley. Nem até quando o destemperado paladino das viúvas e órfãos da guerra no Iraque continuará sendo "um dos três homens mais poderosos do mundo árabe" (os dois primeiros, segundo o semanário Arabian Business, são o banqueiro saudita Talal Al Saud e o industrial dos Emirados Árabes, Mohammed Alabbar), se é que ainda o é, sem precisar de meia-sola e salto novo.

Chega de mártires. Chega de Wladimir Herzog, Tim Lopes, Daniel Pearl, Nestor Moreira, George Polk, Anna Politkovskaya. O jornalismo precisa de herois que sobrevivam aos seus inimigos. De herois como Edward Murrow e a dupla Woodward-Bernstein, por exemplo. Mas já que ultimamente tivemos de nos contentar com o iraquiano Muntazer al-Zaidi, que o Alá o proteja - e sobretudo não nos desampare.

 

Repórter do canal de TV Al-Baghdadia, o xiita Al-Zaidi tornou-se a maior celebridade jornalística mundial dos últimos nove meses, por uma façanha midiática sem precedentes: nunca antes um jornalista agredira fisicamente um chefe de Estado estrangeiro, no curso de uma entrevista coletiva. Ou, pelo menos, nunca um presidente dos Estados Unidos sofrera o constrangimento de ser atacado em público por um homem de imprensa; muito menos com uma sapatada.

 

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Ao atirar um sapato na direção do ex-presidente George W. Bush, em 14 de dezembro de 2008, aos gritos de "Este é o beijo de despedida do povo iraquiano, seu cão!", Al-Zaidi entrou para o folclore da imprensa e do protesto político.

 

Preso no ato e incurso no artigo 223 do Código Penal iraquiano, foi condenado a três anos de cadeia, pena reduzida para um ano, por sua condição de réu primário. Na última terça-feira, após nove meses de cárcere, Al-Zaidi foi posto em liberdade. Só aí descobriu-se que ele, por muito pouco, não se tornara um mártir, ao invés de heroi. Submetido a torturas pela polícia iraquiana, Al-Zaidi quase engrossou as estatísticas de jornalistas assassinados (109 em 36 países, apenas no ano passado). Desde quarta-feira em Atenas, para tratamento médico, deverá ficar rico dando palestras, escrevendo livros e perpetuando seu próprio mito.

 

Ao contrário da invasão do Iraque pelos americanos, pacientemente arquitetada pela Casa Branca, a sapatada foi um rompante intempestivo, um desacato alimentado por cinco anos de indignação acumulada. "Senti o sangue dos inocentes no meu pé no momento em que ele (Bush) sorria dizendo ter vindo se despedir do Iraque", justificou-se Al-Zaidi, que, se houvesse tentado alvejar Bush com uma pedra ou qualquer objeto que não um sapato, talvez não tivesse alcançado o mesmo nível de glorificação entre os muçulmanos.

 

Determinados povos do Oriente Médio têm uma relação conflituosa com os pés, que consideram a parte mais baixa e impura, a mais suja do corpo humano. Isso não significa que os calçados os purificam - ou Deus não teria pedido a Moisés para entrar descalço na Terra Prometida. No Iraque e arredores, o sapato é quase uma abominação. Mostrar a sola do sapato para alguém, mesmo casualmente, ao cruzar as pernas durante uma conversa, é uma tremenda gafe em diversas comunidades árabes. Imagine a força simbólica de uma sapatada: nem precisa acertar o alvo para cumprir sua função punitiva.

 

Al-Zaidi já amanheceu ídolo no dia 15 de dezembro. Seu gesto repercutiu estrepitosamente na internet e, além de adaptado a videogames, ganhou imitadores por todo canto, dos Estados Unidos à Malásia. Fizeram passeatas a seu favor, em Bagdá e países vizinhos, cerca de duas centenas de advogados de diversos países, americanos, inclusive, ofereceram-lhe ajuda jurídica gratuita; sua efígie enfeitou cartazes e camisetas; até propostas de casamento o jornalista, solteiro, 31 anos, recebeu.

 

Seu sapato foi cobiçado por vários museus do Oriente Médio e por um empresário saudita, que se disse disposto a dar por ele US$ 10 milhões. Mas, àquela altura, o precioso calçado, cuja fabricação ainda é disputada por duas marcas, uma turca, outra iraquiana, já fora destruído pelo serviço de segurança americano em atividade em Bagdá. Em janeiro, um orfanato de Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein, inaugurou uma réplica em bronze do "By-bye Bush shoe", com 3 m de comprimento, que as autoridades iraquianas derreteram em menos de 48 horas.

 

O primeiro imitador de Al-Zaidi surgiu três dias depois da agressão ao Bush, não no Oriente Médio, mas em Queens (Nova York): um ferroviário de cabeça quente, que também errou a cabeça do alvo, numa reunião com representantes do patronato. Em abril, a sapatada como manifestação de descontamento político atingiria o apogeu nas eleições indianas, com desdobramentos no Sri Lanka, Irã (alvo inevitável: o presidente Mahmoud Ahmadinejad), na Malásia e Inglaterra, onde a residência oficial do primeiro-ministro Gordon Banks sofreu dois ou três ataques de mocassins e botinas. O premier chinês Wen Jiabao escapou de levar a sua sete meses atrás, quando visitava a Universidade de Cambridge. Na China ninguém ousaria hostilizá-lo, nem sequer com uma sapatilha da Barbie.

 

Impossível prever se no futuro o sapato de Al-Zaidi estará mais vivo na memória popular iraquiana que o de Cinderela, os de Dorothy de O Mágico de Oz, os de camurça azul de Elvis Presley. Nem até quando o destemperado paladino das viúvas e órfãos da guerra no Iraque continuará sendo "um dos três homens mais poderosos do mundo árabe" (os dois primeiros, segundo o semanário Arabian Business, são o banqueiro saudita Talal Al Saud e o industrial dos Emirados Árabes, Mohammed Alabbar), se é que ainda o é, sem precisar de meia-sola e salto novo.

Chega de mártires. Chega de Wladimir Herzog, Tim Lopes, Daniel Pearl, Nestor Moreira, George Polk, Anna Politkovskaya. O jornalismo precisa de herois que sobrevivam aos seus inimigos. De herois como Edward Murrow e a dupla Woodward-Bernstein, por exemplo. Mas já que ultimamente tivemos de nos contentar com o iraquiano Muntazer al-Zaidi, que o Alá o proteja - e sobretudo não nos desampare.

 

Repórter do canal de TV Al-Baghdadia, o xiita Al-Zaidi tornou-se a maior celebridade jornalística mundial dos últimos nove meses, por uma façanha midiática sem precedentes: nunca antes um jornalista agredira fisicamente um chefe de Estado estrangeiro, no curso de uma entrevista coletiva. Ou, pelo menos, nunca um presidente dos Estados Unidos sofrera o constrangimento de ser atacado em público por um homem de imprensa; muito menos com uma sapatada.

 

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Ao atirar um sapato na direção do ex-presidente George W. Bush, em 14 de dezembro de 2008, aos gritos de "Este é o beijo de despedida do povo iraquiano, seu cão!", Al-Zaidi entrou para o folclore da imprensa e do protesto político.

 

Preso no ato e incurso no artigo 223 do Código Penal iraquiano, foi condenado a três anos de cadeia, pena reduzida para um ano, por sua condição de réu primário. Na última terça-feira, após nove meses de cárcere, Al-Zaidi foi posto em liberdade. Só aí descobriu-se que ele, por muito pouco, não se tornara um mártir, ao invés de heroi. Submetido a torturas pela polícia iraquiana, Al-Zaidi quase engrossou as estatísticas de jornalistas assassinados (109 em 36 países, apenas no ano passado). Desde quarta-feira em Atenas, para tratamento médico, deverá ficar rico dando palestras, escrevendo livros e perpetuando seu próprio mito.

 

Ao contrário da invasão do Iraque pelos americanos, pacientemente arquitetada pela Casa Branca, a sapatada foi um rompante intempestivo, um desacato alimentado por cinco anos de indignação acumulada. "Senti o sangue dos inocentes no meu pé no momento em que ele (Bush) sorria dizendo ter vindo se despedir do Iraque", justificou-se Al-Zaidi, que, se houvesse tentado alvejar Bush com uma pedra ou qualquer objeto que não um sapato, talvez não tivesse alcançado o mesmo nível de glorificação entre os muçulmanos.

 

Determinados povos do Oriente Médio têm uma relação conflituosa com os pés, que consideram a parte mais baixa e impura, a mais suja do corpo humano. Isso não significa que os calçados os purificam - ou Deus não teria pedido a Moisés para entrar descalço na Terra Prometida. No Iraque e arredores, o sapato é quase uma abominação. Mostrar a sola do sapato para alguém, mesmo casualmente, ao cruzar as pernas durante uma conversa, é uma tremenda gafe em diversas comunidades árabes. Imagine a força simbólica de uma sapatada: nem precisa acertar o alvo para cumprir sua função punitiva.

 

Al-Zaidi já amanheceu ídolo no dia 15 de dezembro. Seu gesto repercutiu estrepitosamente na internet e, além de adaptado a videogames, ganhou imitadores por todo canto, dos Estados Unidos à Malásia. Fizeram passeatas a seu favor, em Bagdá e países vizinhos, cerca de duas centenas de advogados de diversos países, americanos, inclusive, ofereceram-lhe ajuda jurídica gratuita; sua efígie enfeitou cartazes e camisetas; até propostas de casamento o jornalista, solteiro, 31 anos, recebeu.

 

Seu sapato foi cobiçado por vários museus do Oriente Médio e por um empresário saudita, que se disse disposto a dar por ele US$ 10 milhões. Mas, àquela altura, o precioso calçado, cuja fabricação ainda é disputada por duas marcas, uma turca, outra iraquiana, já fora destruído pelo serviço de segurança americano em atividade em Bagdá. Em janeiro, um orfanato de Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein, inaugurou uma réplica em bronze do "By-bye Bush shoe", com 3 m de comprimento, que as autoridades iraquianas derreteram em menos de 48 horas.

 

O primeiro imitador de Al-Zaidi surgiu três dias depois da agressão ao Bush, não no Oriente Médio, mas em Queens (Nova York): um ferroviário de cabeça quente, que também errou a cabeça do alvo, numa reunião com representantes do patronato. Em abril, a sapatada como manifestação de descontamento político atingiria o apogeu nas eleições indianas, com desdobramentos no Sri Lanka, Irã (alvo inevitável: o presidente Mahmoud Ahmadinejad), na Malásia e Inglaterra, onde a residência oficial do primeiro-ministro Gordon Banks sofreu dois ou três ataques de mocassins e botinas. O premier chinês Wen Jiabao escapou de levar a sua sete meses atrás, quando visitava a Universidade de Cambridge. Na China ninguém ousaria hostilizá-lo, nem sequer com uma sapatilha da Barbie.

 

Impossível prever se no futuro o sapato de Al-Zaidi estará mais vivo na memória popular iraquiana que o de Cinderela, os de Dorothy de O Mágico de Oz, os de camurça azul de Elvis Presley. Nem até quando o destemperado paladino das viúvas e órfãos da guerra no Iraque continuará sendo "um dos três homens mais poderosos do mundo árabe" (os dois primeiros, segundo o semanário Arabian Business, são o banqueiro saudita Talal Al Saud e o industrial dos Emirados Árabes, Mohammed Alabbar), se é que ainda o é, sem precisar de meia-sola e salto novo.

Chega de mártires. Chega de Wladimir Herzog, Tim Lopes, Daniel Pearl, Nestor Moreira, George Polk, Anna Politkovskaya. O jornalismo precisa de herois que sobrevivam aos seus inimigos. De herois como Edward Murrow e a dupla Woodward-Bernstein, por exemplo. Mas já que ultimamente tivemos de nos contentar com o iraquiano Muntazer al-Zaidi, que o Alá o proteja - e sobretudo não nos desampare.

 

Repórter do canal de TV Al-Baghdadia, o xiita Al-Zaidi tornou-se a maior celebridade jornalística mundial dos últimos nove meses, por uma façanha midiática sem precedentes: nunca antes um jornalista agredira fisicamente um chefe de Estado estrangeiro, no curso de uma entrevista coletiva. Ou, pelo menos, nunca um presidente dos Estados Unidos sofrera o constrangimento de ser atacado em público por um homem de imprensa; muito menos com uma sapatada.

 

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Ao atirar um sapato na direção do ex-presidente George W. Bush, em 14 de dezembro de 2008, aos gritos de "Este é o beijo de despedida do povo iraquiano, seu cão!", Al-Zaidi entrou para o folclore da imprensa e do protesto político.

 

Preso no ato e incurso no artigo 223 do Código Penal iraquiano, foi condenado a três anos de cadeia, pena reduzida para um ano, por sua condição de réu primário. Na última terça-feira, após nove meses de cárcere, Al-Zaidi foi posto em liberdade. Só aí descobriu-se que ele, por muito pouco, não se tornara um mártir, ao invés de heroi. Submetido a torturas pela polícia iraquiana, Al-Zaidi quase engrossou as estatísticas de jornalistas assassinados (109 em 36 países, apenas no ano passado). Desde quarta-feira em Atenas, para tratamento médico, deverá ficar rico dando palestras, escrevendo livros e perpetuando seu próprio mito.

 

Ao contrário da invasão do Iraque pelos americanos, pacientemente arquitetada pela Casa Branca, a sapatada foi um rompante intempestivo, um desacato alimentado por cinco anos de indignação acumulada. "Senti o sangue dos inocentes no meu pé no momento em que ele (Bush) sorria dizendo ter vindo se despedir do Iraque", justificou-se Al-Zaidi, que, se houvesse tentado alvejar Bush com uma pedra ou qualquer objeto que não um sapato, talvez não tivesse alcançado o mesmo nível de glorificação entre os muçulmanos.

 

Determinados povos do Oriente Médio têm uma relação conflituosa com os pés, que consideram a parte mais baixa e impura, a mais suja do corpo humano. Isso não significa que os calçados os purificam - ou Deus não teria pedido a Moisés para entrar descalço na Terra Prometida. No Iraque e arredores, o sapato é quase uma abominação. Mostrar a sola do sapato para alguém, mesmo casualmente, ao cruzar as pernas durante uma conversa, é uma tremenda gafe em diversas comunidades árabes. Imagine a força simbólica de uma sapatada: nem precisa acertar o alvo para cumprir sua função punitiva.

 

Al-Zaidi já amanheceu ídolo no dia 15 de dezembro. Seu gesto repercutiu estrepitosamente na internet e, além de adaptado a videogames, ganhou imitadores por todo canto, dos Estados Unidos à Malásia. Fizeram passeatas a seu favor, em Bagdá e países vizinhos, cerca de duas centenas de advogados de diversos países, americanos, inclusive, ofereceram-lhe ajuda jurídica gratuita; sua efígie enfeitou cartazes e camisetas; até propostas de casamento o jornalista, solteiro, 31 anos, recebeu.

 

Seu sapato foi cobiçado por vários museus do Oriente Médio e por um empresário saudita, que se disse disposto a dar por ele US$ 10 milhões. Mas, àquela altura, o precioso calçado, cuja fabricação ainda é disputada por duas marcas, uma turca, outra iraquiana, já fora destruído pelo serviço de segurança americano em atividade em Bagdá. Em janeiro, um orfanato de Tikrit, a cidade natal de Saddam Hussein, inaugurou uma réplica em bronze do "By-bye Bush shoe", com 3 m de comprimento, que as autoridades iraquianas derreteram em menos de 48 horas.

 

O primeiro imitador de Al-Zaidi surgiu três dias depois da agressão ao Bush, não no Oriente Médio, mas em Queens (Nova York): um ferroviário de cabeça quente, que também errou a cabeça do alvo, numa reunião com representantes do patronato. Em abril, a sapatada como manifestação de descontamento político atingiria o apogeu nas eleições indianas, com desdobramentos no Sri Lanka, Irã (alvo inevitável: o presidente Mahmoud Ahmadinejad), na Malásia e Inglaterra, onde a residência oficial do primeiro-ministro Gordon Banks sofreu dois ou três ataques de mocassins e botinas. O premier chinês Wen Jiabao escapou de levar a sua sete meses atrás, quando visitava a Universidade de Cambridge. Na China ninguém ousaria hostilizá-lo, nem sequer com uma sapatilha da Barbie.

 

Impossível prever se no futuro o sapato de Al-Zaidi estará mais vivo na memória popular iraquiana que o de Cinderela, os de Dorothy de O Mágico de Oz, os de camurça azul de Elvis Presley. Nem até quando o destemperado paladino das viúvas e órfãos da guerra no Iraque continuará sendo "um dos três homens mais poderosos do mundo árabe" (os dois primeiros, segundo o semanário Arabian Business, são o banqueiro saudita Talal Al Saud e o industrial dos Emirados Árabes, Mohammed Alabbar), se é que ainda o é, sem precisar de meia-sola e salto novo.

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