Logo após os primeiros acordes, olhando ao meu redor, um sentimento de impotência crescia dentro de mim. Eu era um grão de areia no deserto do Saara. A cada momento que meu olhar se deparava diretamente com o gigantesco rosto do monumento que me observava, eu entendia melhor que, de fato, a música é maior que o intérprete. Sempre. Além disso, a causa do evento era mais que nobre: o Dia Mundial de Conscientização do Autismo (e até São Pedro demonstrou o quanto ele também havia abraçado a causa pelo dia ensolarado que tomava conta do Rio de Janeiro). A cor do autismo encontrou apoio até mesmo na natureza, onde céu e mar acolheram tudo e todos em enorme abraço azul. Ao final, o Cristo, vibrando na mesma frequência, também ficou azul, reflexo do sangue nobre que corre pelas veias de quem preside de braços abertos aquele maravilhoso cenário. A cada acorde que eu finalizava, ou a cada nota mais tranquila que tinha que interpretar eu levantava meu olhar, como sempre costumo fazer. Mas o susto era contínuo, pois o que eu via acima de mim era algo que nun-ca em minha vida pensei ver daquela forma. (fotos)
As obras interpretadas refletiam o momento: o Noturno n.3 "Sonho de Amor" (desnecessária qualquer explicação) e a célebre transcrição para piano da Ave Maria (composta originalmente por Schubert) prestaram homenagem a Liszt. A presença de diversas mães com seus filhos autistas levou-me a atacar, como quem está em um campo de batalha, a célebre Polonaise Op.53 de Chopin, também conhecida como "Heróica". Confesso que por alguns momentos, senti-me parte da natureza.Diversos helicópteros rondavam o monumento durante o recital enquanto eu interpretava a Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Gottschalk.
Mas Rio de Janeiro é Rio de Janeiro. E Tom Jobim recebeu também a devida homenagem. Foi aí que, em clima repleto de alegria e descontração, encarei o seu Samba do Avião. Tenho a certeza de que Céu e Terra estavam de mãos dadas naquele momento. E o tempo, obedecendo aos meus desejos, parou.