Ensaio sobre a cegueira e a solidão do homem


Em Maria Golovin, de Menotti, apresentada no Festival Amazonas, partitura e texto se articulam em jogo de espelhos e projeções na construção do amor

Por João Luiz Sampaio e Manaus

Radicado nos Estados Unidos, o compositor italiano Gian Carlo Menotti (1911-2007) decidiu-se a escrever, no início dos anos 50, uma ópera sobre o amor. Mas, depois da estréia de Maria Golovin, chegou à conclusão: ''Escrevi mesmo foi uma ópera sobre o ciúme.'' No auge das descobertas da vanguarda, sua música foi condenada por crítica e público, politicamente incorreta ao eleger como referência Puccini e a linguagem ainda romântica do fim do século 19. Cinqüenta anos mais tarde, sua música, ouvida na semana passada no Festival Amazonas de Ópera, em Manaus, já chega a nós sem patrulhas estéticas. Mas o que resta de mais interessante em sua criação nos joga de volta ao texto, na articulação entre amor e ciúmes como estudo sobre as relações - ou seria a solidão? - humanas. Ambientada em uma pequena cidade após uma ''guerra recente'', alusão à Europa destroçada do fim da 2ª Guerra, Maria Golovin se passa nos arredores de uma casa em que vivem o jovem Donato, sua mãe e a empregada Agata. Chega então Maria, que, longe do marido, um prisioneiro político, aluga um dos quartos para viver com seu filho. Poderia-se dizer, no entanto, que a ópera se passa mesmo no interior da mente de Donato, à medida em que acompanhamos o ciúme consumir sua razão e a possibilidade de relação com a misteriosa Maria, cujo silêncio confunde-se em sua mente com traição e decepção. É Donato que oferece, no início da ópera, a chave para tal compreensão. Na guerra, ele perdeu a visão e, narrando sua história a Maria, afirma que, quando enxergava, podia optar por não ver; agora, porém, privado de visão, não pode mais fechar os olhos. Ele vive preso às imagens de sua mente, imagens, no entanto, que não estão ali; são formas e cores que dão sentido a sons e sensações que, mesmo longe do real, são sua única ligação com a realidade. O que é esse mundo real, no entanto? Ou melhor: em que medida ele de fato existe longe da construção diária em que equilibramos verdade, mentira, sentimento, razão e ilusão? Refletida nessa proposta, a história do amor de Donato e Maria sugere um universo de projeções e espelhos - o amor e a traição subentendem a noção de certo e errado, mas a ausência de fatos concretos não deixa espaço para a definição ou não de culpa. Maria o trai? Não sabemos. Ele a trai ao duvidar de todos os seus passos? No seu silêncio, Maria o afasta? O que move esses dois personagens? A relação que constróem tem a medida do significado que o amor tem para cada um. A história que vivem não existe senão como projeção de ambições e desejos individuais. Nesse sentido, o encontro atrapalha, impedindo que os amantes vivam seu amor plenamente - e é apenas na solidão que se torna possível a eles encontrar paz. Neste contexto, resta apenas a tragédia, que pode ser tanto a morte como a separação dos amantes. A música de Menotti sugere esse tom desde o início da abertura, com as cordas que voltarão sempre que se dá o encontro dos dois. Esses duetos, aliás, são, pelo poder de sugestão (mais do que pelo que dizem), o que a partitura têm de mais interessante, em especial nas mãos de um regente como Luiz Fernando Malheiro, que dá à interpretação a tensão e o ritmo certos. A tragédia está também na encenação de Vicent Bouchard, da Ópera de Marselha, de onde vem a produção - cenários cinzas e o tom estático e por isso sufocante da cena se prestam bem a uma história em que a ação se desenvolve na mente dos personagens. Nesse sentido, é muito convincente o trabalho do barítono Eduardo Amir e da soprano Nucia Foccile, como Donato e Maria, secundados por um elenco de apoio de grande qualidade - as meio-sopranos Denise de Freitas e Eugenie Grunewald, o tenor Flávio Leite e o barítono Homero Velho. O repórter viajou a convite da organização do festival

Radicado nos Estados Unidos, o compositor italiano Gian Carlo Menotti (1911-2007) decidiu-se a escrever, no início dos anos 50, uma ópera sobre o amor. Mas, depois da estréia de Maria Golovin, chegou à conclusão: ''Escrevi mesmo foi uma ópera sobre o ciúme.'' No auge das descobertas da vanguarda, sua música foi condenada por crítica e público, politicamente incorreta ao eleger como referência Puccini e a linguagem ainda romântica do fim do século 19. Cinqüenta anos mais tarde, sua música, ouvida na semana passada no Festival Amazonas de Ópera, em Manaus, já chega a nós sem patrulhas estéticas. Mas o que resta de mais interessante em sua criação nos joga de volta ao texto, na articulação entre amor e ciúmes como estudo sobre as relações - ou seria a solidão? - humanas. Ambientada em uma pequena cidade após uma ''guerra recente'', alusão à Europa destroçada do fim da 2ª Guerra, Maria Golovin se passa nos arredores de uma casa em que vivem o jovem Donato, sua mãe e a empregada Agata. Chega então Maria, que, longe do marido, um prisioneiro político, aluga um dos quartos para viver com seu filho. Poderia-se dizer, no entanto, que a ópera se passa mesmo no interior da mente de Donato, à medida em que acompanhamos o ciúme consumir sua razão e a possibilidade de relação com a misteriosa Maria, cujo silêncio confunde-se em sua mente com traição e decepção. É Donato que oferece, no início da ópera, a chave para tal compreensão. Na guerra, ele perdeu a visão e, narrando sua história a Maria, afirma que, quando enxergava, podia optar por não ver; agora, porém, privado de visão, não pode mais fechar os olhos. Ele vive preso às imagens de sua mente, imagens, no entanto, que não estão ali; são formas e cores que dão sentido a sons e sensações que, mesmo longe do real, são sua única ligação com a realidade. O que é esse mundo real, no entanto? Ou melhor: em que medida ele de fato existe longe da construção diária em que equilibramos verdade, mentira, sentimento, razão e ilusão? Refletida nessa proposta, a história do amor de Donato e Maria sugere um universo de projeções e espelhos - o amor e a traição subentendem a noção de certo e errado, mas a ausência de fatos concretos não deixa espaço para a definição ou não de culpa. Maria o trai? Não sabemos. Ele a trai ao duvidar de todos os seus passos? No seu silêncio, Maria o afasta? O que move esses dois personagens? A relação que constróem tem a medida do significado que o amor tem para cada um. A história que vivem não existe senão como projeção de ambições e desejos individuais. Nesse sentido, o encontro atrapalha, impedindo que os amantes vivam seu amor plenamente - e é apenas na solidão que se torna possível a eles encontrar paz. Neste contexto, resta apenas a tragédia, que pode ser tanto a morte como a separação dos amantes. A música de Menotti sugere esse tom desde o início da abertura, com as cordas que voltarão sempre que se dá o encontro dos dois. Esses duetos, aliás, são, pelo poder de sugestão (mais do que pelo que dizem), o que a partitura têm de mais interessante, em especial nas mãos de um regente como Luiz Fernando Malheiro, que dá à interpretação a tensão e o ritmo certos. A tragédia está também na encenação de Vicent Bouchard, da Ópera de Marselha, de onde vem a produção - cenários cinzas e o tom estático e por isso sufocante da cena se prestam bem a uma história em que a ação se desenvolve na mente dos personagens. Nesse sentido, é muito convincente o trabalho do barítono Eduardo Amir e da soprano Nucia Foccile, como Donato e Maria, secundados por um elenco de apoio de grande qualidade - as meio-sopranos Denise de Freitas e Eugenie Grunewald, o tenor Flávio Leite e o barítono Homero Velho. O repórter viajou a convite da organização do festival

Radicado nos Estados Unidos, o compositor italiano Gian Carlo Menotti (1911-2007) decidiu-se a escrever, no início dos anos 50, uma ópera sobre o amor. Mas, depois da estréia de Maria Golovin, chegou à conclusão: ''Escrevi mesmo foi uma ópera sobre o ciúme.'' No auge das descobertas da vanguarda, sua música foi condenada por crítica e público, politicamente incorreta ao eleger como referência Puccini e a linguagem ainda romântica do fim do século 19. Cinqüenta anos mais tarde, sua música, ouvida na semana passada no Festival Amazonas de Ópera, em Manaus, já chega a nós sem patrulhas estéticas. Mas o que resta de mais interessante em sua criação nos joga de volta ao texto, na articulação entre amor e ciúmes como estudo sobre as relações - ou seria a solidão? - humanas. Ambientada em uma pequena cidade após uma ''guerra recente'', alusão à Europa destroçada do fim da 2ª Guerra, Maria Golovin se passa nos arredores de uma casa em que vivem o jovem Donato, sua mãe e a empregada Agata. Chega então Maria, que, longe do marido, um prisioneiro político, aluga um dos quartos para viver com seu filho. Poderia-se dizer, no entanto, que a ópera se passa mesmo no interior da mente de Donato, à medida em que acompanhamos o ciúme consumir sua razão e a possibilidade de relação com a misteriosa Maria, cujo silêncio confunde-se em sua mente com traição e decepção. É Donato que oferece, no início da ópera, a chave para tal compreensão. Na guerra, ele perdeu a visão e, narrando sua história a Maria, afirma que, quando enxergava, podia optar por não ver; agora, porém, privado de visão, não pode mais fechar os olhos. Ele vive preso às imagens de sua mente, imagens, no entanto, que não estão ali; são formas e cores que dão sentido a sons e sensações que, mesmo longe do real, são sua única ligação com a realidade. O que é esse mundo real, no entanto? Ou melhor: em que medida ele de fato existe longe da construção diária em que equilibramos verdade, mentira, sentimento, razão e ilusão? Refletida nessa proposta, a história do amor de Donato e Maria sugere um universo de projeções e espelhos - o amor e a traição subentendem a noção de certo e errado, mas a ausência de fatos concretos não deixa espaço para a definição ou não de culpa. Maria o trai? Não sabemos. Ele a trai ao duvidar de todos os seus passos? No seu silêncio, Maria o afasta? O que move esses dois personagens? A relação que constróem tem a medida do significado que o amor tem para cada um. A história que vivem não existe senão como projeção de ambições e desejos individuais. Nesse sentido, o encontro atrapalha, impedindo que os amantes vivam seu amor plenamente - e é apenas na solidão que se torna possível a eles encontrar paz. Neste contexto, resta apenas a tragédia, que pode ser tanto a morte como a separação dos amantes. A música de Menotti sugere esse tom desde o início da abertura, com as cordas que voltarão sempre que se dá o encontro dos dois. Esses duetos, aliás, são, pelo poder de sugestão (mais do que pelo que dizem), o que a partitura têm de mais interessante, em especial nas mãos de um regente como Luiz Fernando Malheiro, que dá à interpretação a tensão e o ritmo certos. A tragédia está também na encenação de Vicent Bouchard, da Ópera de Marselha, de onde vem a produção - cenários cinzas e o tom estático e por isso sufocante da cena se prestam bem a uma história em que a ação se desenvolve na mente dos personagens. Nesse sentido, é muito convincente o trabalho do barítono Eduardo Amir e da soprano Nucia Foccile, como Donato e Maria, secundados por um elenco de apoio de grande qualidade - as meio-sopranos Denise de Freitas e Eugenie Grunewald, o tenor Flávio Leite e o barítono Homero Velho. O repórter viajou a convite da organização do festival

Radicado nos Estados Unidos, o compositor italiano Gian Carlo Menotti (1911-2007) decidiu-se a escrever, no início dos anos 50, uma ópera sobre o amor. Mas, depois da estréia de Maria Golovin, chegou à conclusão: ''Escrevi mesmo foi uma ópera sobre o ciúme.'' No auge das descobertas da vanguarda, sua música foi condenada por crítica e público, politicamente incorreta ao eleger como referência Puccini e a linguagem ainda romântica do fim do século 19. Cinqüenta anos mais tarde, sua música, ouvida na semana passada no Festival Amazonas de Ópera, em Manaus, já chega a nós sem patrulhas estéticas. Mas o que resta de mais interessante em sua criação nos joga de volta ao texto, na articulação entre amor e ciúmes como estudo sobre as relações - ou seria a solidão? - humanas. Ambientada em uma pequena cidade após uma ''guerra recente'', alusão à Europa destroçada do fim da 2ª Guerra, Maria Golovin se passa nos arredores de uma casa em que vivem o jovem Donato, sua mãe e a empregada Agata. Chega então Maria, que, longe do marido, um prisioneiro político, aluga um dos quartos para viver com seu filho. Poderia-se dizer, no entanto, que a ópera se passa mesmo no interior da mente de Donato, à medida em que acompanhamos o ciúme consumir sua razão e a possibilidade de relação com a misteriosa Maria, cujo silêncio confunde-se em sua mente com traição e decepção. É Donato que oferece, no início da ópera, a chave para tal compreensão. Na guerra, ele perdeu a visão e, narrando sua história a Maria, afirma que, quando enxergava, podia optar por não ver; agora, porém, privado de visão, não pode mais fechar os olhos. Ele vive preso às imagens de sua mente, imagens, no entanto, que não estão ali; são formas e cores que dão sentido a sons e sensações que, mesmo longe do real, são sua única ligação com a realidade. O que é esse mundo real, no entanto? Ou melhor: em que medida ele de fato existe longe da construção diária em que equilibramos verdade, mentira, sentimento, razão e ilusão? Refletida nessa proposta, a história do amor de Donato e Maria sugere um universo de projeções e espelhos - o amor e a traição subentendem a noção de certo e errado, mas a ausência de fatos concretos não deixa espaço para a definição ou não de culpa. Maria o trai? Não sabemos. Ele a trai ao duvidar de todos os seus passos? No seu silêncio, Maria o afasta? O que move esses dois personagens? A relação que constróem tem a medida do significado que o amor tem para cada um. A história que vivem não existe senão como projeção de ambições e desejos individuais. Nesse sentido, o encontro atrapalha, impedindo que os amantes vivam seu amor plenamente - e é apenas na solidão que se torna possível a eles encontrar paz. Neste contexto, resta apenas a tragédia, que pode ser tanto a morte como a separação dos amantes. A música de Menotti sugere esse tom desde o início da abertura, com as cordas que voltarão sempre que se dá o encontro dos dois. Esses duetos, aliás, são, pelo poder de sugestão (mais do que pelo que dizem), o que a partitura têm de mais interessante, em especial nas mãos de um regente como Luiz Fernando Malheiro, que dá à interpretação a tensão e o ritmo certos. A tragédia está também na encenação de Vicent Bouchard, da Ópera de Marselha, de onde vem a produção - cenários cinzas e o tom estático e por isso sufocante da cena se prestam bem a uma história em que a ação se desenvolve na mente dos personagens. Nesse sentido, é muito convincente o trabalho do barítono Eduardo Amir e da soprano Nucia Foccile, como Donato e Maria, secundados por um elenco de apoio de grande qualidade - as meio-sopranos Denise de Freitas e Eugenie Grunewald, o tenor Flávio Leite e o barítono Homero Velho. O repórter viajou a convite da organização do festival

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.